Acórdão nº 50021222020208210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 06-05-2022

Data de Julgamento06 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50021222020208210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001399088
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002122-20.2020.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: ALVINA KASKE SCHNEIDER (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ALVINA KASKE SCHNEIDER e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D contra a sentença do Evento 41 do processo originário que, nos autos desta ação indenizatória por danos materiais que a primeira move em face da última, julgou parcialmente procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, pois bem narrou o presente caso:

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi afastada a incidência do CDC e delimitada a matéria controvertida e o ônus da prova.

Deferido pedido de prova pericial, sendo homologada a desistência da mesma pela parte ré.

Instadas as partes quanto a produção de provas, a ré requereu a apresentação das notas fiscais da venda do fumo, sendo juntada a manifestação do autor, com posterior vista a CEEE-D.

Vieram os autos conclusos para a sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 4.466,50 (quatro mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e cinquenta centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Em suas razões de apelação (Evento 46 do processo originário), a parte autora defende a aplicabilidade do CDC no caso, por exercer atividade agrícola, sem grande implementação, como forma de subsistência, não podendo ser considerada atividade industrial. Ressalta que a relação entre as partes é de consumo e não de insumo. Ademais, aduz que, frente à companhia de energia, há vulnerabilidade técnica e econômica da recorrente. Sustenta que houve falha na prestação do serviço por parte da recorrida. Assevera que a recorrente não pode ser penalizada pela má qualidade no fornecimento de energia, insurgindo-se contra a culpa recorrente reconhecida em sentença. Citando entendimento deste e. Tribunal, afirma que o serviço prestado pela demandada deve ser contínuo e ininterrupto. Insurge-se contra sua condenação em ônus sucumbenciais, uma vez que litiga sob o pálio da gratuidade judiciária. Tece comentários acerca dos fatores ensejadores da concessão do referido benefício, obtemperando que deve ser mantido. Argumenta sobre o redimensionamento do ônus de sucumbência, devendo ser suportado exclusivamente pela parte adversa, caso provido o recurso. Colaciona jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Por outro lado, a parte ré, em suas razões recursais (Evento 48 do processo originário), de início, realiza síntese do processo. Em preliminar, sustenta que não restou comprovada pela parte autora a necessidade de ser contemplada com a benesse da justiça gratuita, aduzindo que deve ser revogada. No mérito, primeiramente, alude à indústria da indenização no setor fumageiro. Alega, em seguida, que, conforme laudo por si acostado, não há nexo causal presente, não havendo dever de indenizar. Afirma que inexiste serviço de fornecimento de energia elétrica ininterrupto, apontando a existência de limites estabelecidos pela ANEEL. Entende que há a necessidade de adoção de meios supletivos de geração de eletricidade pela parte requerente. Argui não haver comprovação dos danos sofridos pela parte requerente. Pondera que somente com a realização de perícia idônea poder-se-ia aferir a real extensão dos danos sofridos pela parte autora. Faz menção à indústria do dano. Cita a Teoria do Risco Objetivo, reputando como negligente a conduta da demandante, o que faculta reconhecer a culpa exclusiva da vítima ou, ao menos, a culpa concorrente. Tece comentários acerca da vistoria realizada. Reitera a inexistência de dano material, assim como a ausência de nexo causal e, por conseguinte, do dever de reparação. Prequestiona os dispositivos legais referidos. Requer, por fim, o provimento do recurso.

Sobrevieram as contrarrazões da autora (Evento 52 do processo originário); a ré, por sua vez, deixou que transcorresse in albis o prazo para manifestação (Evento 58 do processo originário).

Intimada a recorrida para regularizar sua representação processual (Evento 4), acostou instrumento de procuração e substabelecimento (Evento 8).

Vieram os autos conclusos.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, todos os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Inicialmente, verifica-se da leitura das razões recursais da demandante, que a autora pretende o restabelecimento integral do benefício da gratuidade da justiça. Por outro lado, a demandada impugna em preliminar recursal a benesse da gratuidade judiciária concedida à requerente.

Colaciono trecho da r. sentença que revogou parcialmente a AJG:

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Pois bem, quanto à preliminar recursal de impugnação à gratuidade judiciária apresentada pela parte ré, tenho que o pleito deve ser rejeitado.

Verifica-se que não foi apresentado qualquer substrato suficiente a provar a existência de patrimônio ou de outro elemento capaz de demonstrar alguma incompatibilidade financeira da autora com o benefício deferido pelo Juízo de Origem.

Grifa-se que, a despeito da parte demandada alegar que a demandante não demonstrou a sua insuficiência de recursos, uma vez concedido o benefício da gratuidade, este deve ser rechaçado por meio de provas a serem trazidas pela parte contrária/impugnante, nos termos acima descritos, o que não veio aos autos.

Preenchidos, pois, os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos recursos, tempestivamente interpostos, dispensado o preparo pela autora em razão de litigar sob o amparo da gratuidade judiciária, ainda que de forma parcial, e com o devido preparo realizado pela ré, passando a analisá-los de forma conjunta.

No mérito, destaco que a falta de energia elétrica ocorrida das 10h do dia 30/10/2019 até as 19h30min do dia 31/10/2019 e das 18h do dia 06/01/2019 até as 16h30min do dia 07/01/2020 na propriedade da autora, tornaram-se questão incontroversa, considerando a matéria impugnada neste grau recursal.

A autora postula que seja reconhecida a responsabilidade integral da ré pelo prejuízo que sofreu, bem como o redimensionamento da verba sucumbencial e a integral concessão da gratuidade da justiça. A demandada, por sua vez, aduz a possibilidade da interrupção do serviço, requerendo, em suma, que seja reconhecida a culpa exclusiva da vítima como excludente da responsabilidade civil da companhia, com a consequente improcedência dos pedidos autorais.

De pronto, com o devido respeito ao entendimento do magistrado a quo, importa ressaltar que são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço as normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (artigo 14) e quanto à...

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