Acórdão nº 50021612320218210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50021612320218210026
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003420429
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002161-23.2021.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD

APELANTE: SANTA BALBINA MATIAS DA SILVEIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por SANTA BALBINA MATIAS DA SILVEIRA por discordar da sentença que julgou improcedente a ação ordinária proposta contra o BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL. Constou no dispositivo da sentença ao evento 56, SENT1:

(...)
ANTE O EXPOSTO, fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos formulados na presente demanda declaratória e condenatória ajuizada por Santa Balbina Matias da Silveira em face do Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. - Banrisul.

Sucumbente, arcará a parte autora com o pagamento/reembolso da Taxa Única de Serviços Judiciais e das despesas processuais, bem como de honorários ao patrono do requerido, os quais fixo, considerando a natureza desta demanda, o grau de zelo e o trabalho desempenhado pelo profissional, o julgamento antecipado da lide e o tempo de duração do processo, em 15% (quinze por cento) do valor atribuído à demanda, atualizado, em atenção aos vetores do art. 85, §2°, do CPC. O valor dos honorários advocatícios deverá ser atualizado pelo IGP-M a partir desta data, bem como acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a contar do trânsito em julgado da sentença.

Resta suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, nos termos do art. 98, §3°, do CPC, pois foi concedida a gratuidade de justiça à demandante.

Sentença publicada e registrada pelo sistema.

Partes intimadas eletronicamente.

Com o trânsito em julgado, dê-se baixa eletrônica.

Nas razões recursais ao evento 60, APELAÇÃO1, após síntese dos fatos, alude a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. Destaca que, nos contratos anexados ao Evento 24, consta no campo despesas vinculadas à contratação a cobrança do seguro. Ressalta que os seguros foram firmados na mesma data dos empréstimos. Afirma que houve violação ao princípio do dever de informação. Colaciona precedentes. Discorre sobre os danos morais sofridos. Cita os Recursos Especiais nº 1.639.259/SP e 1.639.320/SP; o artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal; e os artigos 186 e 927 do Código Civil. Requer a condenação da parte adversa ao pagamento de danos morais no valor de R$ 5.000,00. Busca a repetição do indébito na forma dobrada. Postula pelo provimento do recurso.

Contrarrazões ao evento 64, CONTRAZ1.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Atendidos em parte os requisitos de admissibilidade, recebo o recurso.

Eminentes Colegas.

Seguro Prestamista. Venda Casada.

Inicialmente, oportuno ressaltar que a relação jurídica travada entre as partes está sujeita às regras dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois há a figura do consumidor e do fornecedor denominados pelos artigos 2º1 e 3º2 da Lei Consumerista.

Sobre o ônus da prova nas relações consumeristas, cita-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho3:

É universal o entendimento de que aos direitos materiais fundamentais devem corresponder as garantias processuais indispensáveis à sua efetivação. Sem as garantias processuais, os direitos materiais tornam-se normas programáticas, promessas não cumpridas, sem realidade prática na vida do consumidor.

A facilitação da defesa dos interesses dos consumidores decorre do reconhecimento de sua hipossuficiência fática e técnica – e, não raro, econômica –, o que acentua a sua vulnerabilidade, inclusive no âmbito do processo judicial. Esta garantia também é ampla e instrumental. Vale tanto para a esfera extrajudicial quanto para a esfera judicial, e não se restringe, apenas, à inversão do ônus da prova que, na hipótese, é tão somente um exemplo do princípio que se quer preservar.
(...)
Consciente das desigualdades existentes entre os sujeitos de uma relação jurídica de consumo e da vulnerabilidade processual que também caracteriza o consumidor, estabeleceu o art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, como direito básico deste, a facilitação da defesa dos seus interesses em juízo, inclusive com a possibilidade de ser invertido o ônus da prova, em seu favor e a critério do juiz, quando estiver convencido o julgador da verossimilhança das alegações daquele, ou, alternativamente, de sua hipossuficiência (em sentido amplo).

A finalidade do dispositivo em questão é muito clara: tornar mais fácil a defesa da posição jurídica assumida pelo consumidor, na seara específica da instrução probatória. Distanciou-se o legislador, assim, dos tecnicismos e das formalidades inúteis, conferindo autêntico caráter instrumental ao processo, na busca da verdade real e da solução justa da lide.

Isso porque, de regra e tradicionalmente, o ônus da prova de um fato ou de um direito é incumbência daquele que os alega. Daí o art. 373 do Código de Processo Civil (2015) dispor que ao autor compete a prova do fato constitutivo de seu direito (inciso I) e, ao réu, a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do alegado direito do autor (inciso II). Tal proposição é compreensível quando se está diante de partes em igualdade de condições e quando a causa verse sobre direitos disponíveis, o que não ocorre nas hipóteses subsumidas à legislação consumerista.

O Código de Defesa do Consumidor, destarte, rompendo dogmas e estabelecendo novos paradigmas para as relações entre desiguais, fê-lo, também, no que se refere à carga probatória, ora transferindo o ônus da prova ao fornecedor (inversão ope legis), do que nos dão exemplos os arts. 12, § 3º, 14, § 3º, e 38, ora admitindo que tal se opere por determinação do julgador (inversão ope judicis), conforme art. 6º, VIII.

Nessa segunda hipótese, o juiz pode inverter o ônus da prova quando entender verossímil a alegação do consumidor e/ou em face da sua hipossuficiência. Verossímil é aquilo que é crível ou aceitável em face de uma realidade fática. Não se trata de prova robusta e definitiva, mas da chamada prova de primeira aparência, prova de verossimilhança, decorrente das regras da experiência comum, que permite um juízo de probabilidade.

Conquanto não se esteja a discutir que, ordinariamente, os dispositivos sobre a produção de provas estão direcionados à formação da convicção do julgador e, assim sendo, constituiriam regras de julgamento, não se pode deixar de observar que as disposições sobre repartição do ônus probatório consubstanciam, de igual modo, parâmetros de comportamento processual para os litigantes, razão pela qual respeitáveis juristas nelas identificam regras de procedimento. A justificativa é simples: ao se dispensar o consumidor do ônus de provar determinado fato, supostamente constitutivo de seu alegado direito, está-se transferindo para o fornecedor o ônus da prova de algum outro que venha a elidir a presunção estabelecida em benefício do consumidor. Equivale dizer que, em relação ao consumidor, a inversão tem efeito de isenção de um ônus, mas, para o fornecedor, a inversão importa em criação de novo ônus probatório, que se acrescenta aos demais, como leciona o insigne Carlos Roberto Barbosa Moreira (Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, Revista de Direito do Consumidor, nº 22, p. 136).

Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor assegura ao consumidor, no seu artigo 6º, inciso II4, a liberdade de escolha e igualdade nas contratações; e veda, expressamente no artigo 39, inciso I5, o condicionamento do fornecimento de certo produto ou serviço a outra contratação, especialmente, nos casos de consumidores hipervulneráveis6.

Nessa linha, cita-se a lição de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves7:

Esse primeiro inciso do art. 39 proíbe a venda casada, descrita e especificada pela norma. De início, veda-se que o fornecedor ou prestador submeta um produto ou serviço a outro produto ou serviço, visando um efeito caroneiro ou oportunista para venda de novos bens. Ato contínuo, afasta-se a limitação de fornecimento sem que haja justa causa para tanto, o que deve ser preenchido caso a caso. Ampliando-se o sentido da vedação, conclui-se que é venda casada a hipótese em que o fornecedor somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço for adquirido.
Também com sentido elucidativo, a afirmação n. 9 constante da Edição n. 74 da ferramenta Jurisprudência em Teses do STJ, segundo a qual
“considera-se abusiva a prática de limitar a liberdade de escolha do consumidor vinculando a compra de produto ou serviço à aquisição concomitante de outro produto ou serviço de natureza distinta e comercializado em separado, hipótese em que se configura a venda casada” (Consumidor III, de 2017). Um dos precedentes que gerou a tese diz respeito ao fato de não poderem os cinemas obrigar os consumidores a adquirir as suas pipocas e refrigerantes, impedindo a entrada de telespectadores que compraram produtos de outros fornecedores (STJ – REsp 1.331.948/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – j. 14.06.2016 – DJe 05.09.2016). O exemplo será retomado mais à frente, com outro aresto, com mesma conclusão.

No caso em análise, entendo que merece provimento o recurso no ponto.

Analisando os autos, verifica-se que a Cédula de Crédito Bancário n.º 04100000000001938890 ao evento 24, CONTR4 e a Cédula de Crédito Bancário n.º 04100000000001938903 ao evento 24, CONTR5, preveem a cobrança de seguro prestamista concomitantemente à contratação dos empréstimos.

Pontuo, ainda, que a apólice n.º 77.000.784, ao evento 24, CONTR4,- Páginas 9 a 12,...

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