Acórdão nº 50021849720208210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50021849720208210027
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001803803
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002184-97.2020.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: ROBERTO FARIAS PINHEIRO MACHADO (AUTOR)

APELADO: AGEMED PLANOS DE SAUDE - EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de Recursos de Apelação interpostos por ambas as partes contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação ajuizada por ROBERTO FARIAS PINHEIRO MACHADO em face da AGEMED PLANOS DE SAÚDE - EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, na qual o autor objetivava a condenação da requerida ao custeio do procedimento de parto de sua filha; ao pagamento dos exames realizados; e ao pagamento de indenização por danos morais.

Segue transcrição do dispositivo da sentença:

Dado o exposto, JULGO PARCILAMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Roberto Farias Pinheiro Machado para o fim de:

a) CONDENAR a parte demandada ao pagamento do valor de R$ 480,00 em função dos exames realizados, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a data do pagamento; e

b) CONDENAR a parte demandada ao pagamento de indenização à título de danos morais no valor de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar da data da publicação dessa sentença e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Diante da sucumbência recíproca, atribuída em maior parte à autora, diante do valor postulado a título de danos morais e da indenização pelo valor gasto com o parto, condeno-a ao pagamento de 75% das custas e de honorários advocatícios ao procurador da ré, que fixo em R$ 800,00, com base no artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil. A parte ré arcará com o restante das custas e com o pagamento de honorários em favor do procurador da parte autora, que fixo em 15% sobre o valor total da condenação, atualizado, com base no § 2º do mesmo dispositivo legal. Suspensa a exigibilidade em virtude do deferimento do benefício da gratuidade judiciária deferido às partes.

Em suas razões recursais, a parte autora reprisou todos os fatos descritos na inicial, réplica e manifestações, consignando, ao final, que devido a não prestação dos serviços por parte da AGEMED e as inúmeras ligações realizadas por seus associados em busca dos seus serviços, a própria ANS suspendeu a venda de planos de saúde por parte da apelada por conta das inúmeras reclamações recebidas a respeito, logo, afigura-se injusta a decisão que o obriga a pagar por algo que não recebia a meses (desde setembro de 2019). Ressaltou que se os serviços não eram prestados não há o que se falar na cobranças das faturas. Por fim, requereu a reforma da sentença, com a total procedência dos pedidos elencados na inicial.

A parte ré, por sua vez, em suas razões recursais, inicialmente, pugnou pela concessão da gratuidade judiciária, na medida em que decretada sua liquidação extrajudicial e, também, por possuir prejuízo acumulado na ordem de R$ 432.418,639. No mérito, asseverou que a parte autora realizou procedimentos particulares e em momento algum realizou o pedido de reembolso, apresentando um passo a passo a ser feito pelo autor. Assim, referiu ausência de ato ilícito, na medida em que não foi instada a reembolsar os valores gastos pelo autor. Aduziu que não poderia o autor ter deixado de adimplir o plano, sem formalizar o pedido de cancelamento, consoante descrito no contrato. Mencionou não estar configurado o dano moral e, subsidiariamente, pugnou pela redução do quantum arbitrado. Por fm, requereu o provimento do recurso.

Apenas a parte autora apresentou contrarrazões.

Os autos subiram.

Distribuídos, vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos Recursos de Apelação.

Inicialmente, destaco que a gratuidade judiciária à operadora de saúde demandada já foi deferida na origem, quando da prolação da sentença, e, inexistindo impugnação à concessão, encontra-se prejudicado o pedido reeditado nas razões recursais da parte ré.

Conforme relatado, a matéria controvertida nos autos, devolvida a este grau de jurisdição, refere-se ao pedido de custeio, pela operadora do plano de saúde demandada, dos exames pré natais e do parto realizado pela filha do autor, além do pedido de cancelamento do plano e de indenização por danos morais.

Consoante consta na inicial, o autor, em 05/08/2018 aderiu ao contrato de plano de saúde operado pela ré, incluindo dependentes, pagando de forma assídua as mensalidades correspondentes.

Não obstante, o autor assevera que, em setembro de 2019 necessitou realizar exames, tendo procurado a sede da requerida localizada no Município de Santa Maria, a qual estava fechada, com aviso para que fosse contatado o 0800 da AGEMED.

O autor relata que, ao entrar em contato e ter acesso à lista de médicos conveniados, descobriu que mais nenhum profissional atendia pelo seu plano, e nem mesmo o hospital então conveniado estava mais cadastrado.

Assim, referiu que a única opção ofertada no atendimento telefônico da ré era no sentido de que deveria realizar as consultas, exames e procedimentos de forma particular e, após, solicitar o reembolso.

Com a gravidez da filha do autor em outubro de 2019, a qual era dependente do plano, e diante da tentativa frustrada de consultar médicos credenciados, bem assim diante da impossibilidade de arcar com as mensalidades do plano de saúde e as consultas particulares para posterior reembolso, o autor aderiu ao plano de saúde da Unimed Santa Maria.

E, sob o argumento de que não poderia arcar com a mensalidade de dois planos de saúde, a partir do mês de dezembro de 2019, o autor deixou de pagar as mensalidades do plano de saúde da AGEMED.

Ocorreu que o novo contrato de plano de saúde possuía o prazo de carência de 300 dias com relação parto de sua filha e, considerando se tratar de gravidez de risco, o autor ingressou com a presente demanda objetivando fosse a requerida condenada a custear as despesas do parto.

Para dirimir a controvérsia, destaco o posicionamento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, condensado, inicialmente, na Súmula 469, e agora na atual Súmula 608, no sentido de que Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”

No que respeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, mister observar o disposto no artigo 4º, que, ao estabelecer a Política Nacional das Relações de Consumo e os princípios que devem ser respeitados, prioriza a proteção dos interesses econômicos e a transparência e harmonia das relações de consumo – entre consumidores e fornecedores.

Logo, considerando o disposto na própria Lei consumerista, a qual se aplica apenas de forma subsidiária à Lei Especial, conforme previsão do artigo 35-G da Lei dos Planos de Saúde (EAREsp 988.070/SP), a transparência e a harmonia da relação, que deve ser interpretada como aquilo que foi previamente acordado entre as partes, deve prevalecer.

Relativamente ao direito aplicável, destaco que, por se tratar de contrato regulamentado, incide à espécie o disposto no artigo 13 da Lei nº 9.656/1998, que condiciona a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde, em casos de inadimplemento da mensalidade por período superior a sessenta dias, à prévia notificação do segurado até o quinquagésimo dia de inadimplência.

In verbis:

Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.

Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas:

(...)

II – a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e

(...)

No que respeita ao inadimplemento por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, a própria parte autora, em sua narrativa, afirma que a partir do mês de dezembro de 2019 deixou de pagar o plano, tendo a requerida enviado notificação em 06/02/2020, informando a necessidade de regularização, sob pena de cancelamento do plano (Evento 1, E-mail11).

Deve ser considerado que a notificação acerca da rescisão do contrato pelo inadimplemento existiu e, dessa forma, produziu efeitos, os quais não foram negados em momento algum pelo autor. E, mais, sequer a parte autora teve interesse de purgar a mora, prontificando-se de pagar as mensalidades em atraso desde dezembro/19. Pelo constexto probatório e fatos narrados é certo que o autor não tinha mais interesse em continuar com o plano ora demandado, tanto que contratou outro, e certo que não tem qualquer intenção de pagar as parcelas em atraso - o que não nega - que poderia lhe assegurar direito ao custeio do parto de sua filha.

A notificação encaminhada pela ré, somado ao fato das declarações constantes na inicial, relativas à contratação de um novo plano, mormente porque o plano administrado pela requerida não estava suprindo suas necessidades, demonstram que, tacitamente, o autor desistiu do plano de saúde contratado junto a ré, o que pode ser considerado a partir de 07/02/2020, data limite para o pagamento dos débitos atrasados, constante na notificação prévia (Evento 1, NOT11).

Sendo assim, entendo que a interpretação da magistrada...

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