Acórdão nº 50021857420198210041 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50021857420198210041
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002212342
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002185-74.2019.8.21.0041/RS

TIPO DE AÇÃO: Tráfico de drogas e condutas afins (Lei 11.343/06, art. 33, caput e § 1º)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Canela/RS, o Ministério Público denunciou JEAN PEDRO DA SILVA, com 19 anos de idade na época do fato (nascido em 15/4/1999), pelo suposto cometimento do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

É o teor da denúncia (evento 3, PROCJUDIC1,fls. 2/4):

Desde data incerta até o dia 06 de fevereiro de 2019, por volta das 16h, em residência localizada à Rua da Pedreira, nesta cidade de Canela/RS, o denunciado JEAN PEDRO DA SILVA teve em depósito, para comercializar com terceiros, 01 (uma) bucha de cocaína, pesando, aproximadamente, 3,8g (três vírgula oito gramas) e 20 (vinte) pedras de crack, pesando, conjuntamente, 6,4g (seis vírgula quatro gramas), substâncias causadoras de dependência físico-psíquica (Auto de Apreensão da fl. 56 e Laudo de Constatação da Natureza da Substância fl. 71), constante na relação de substâncias e produtos de uso proscrito no Brasil (Portaria SVG/MS n.° 344/98), sem autorização, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na ocasião, o denunciado manteve na residência a droga ilícita para fins de mercancia, oportunidade em que, em cumprimento de mandado de busca e apreensão, restaram localizados, no interior do quarto do increpado, os entorpecentes supramencionados, assim como, 02 (duas) balanças de precisão, 01 (uma) lâmina e plásticos circulares, oportunizando-se a apreensão desses."

Por oportuno, trago à colação o relatório da sentença lavrada pelo Magistrado unipessoal, Dr. Vancarlo Andre Anacleto (evento 3, PROCJUDIC4,fls. 20/28), que bem sintetizou a marcha processual:

"Foi homologado o auto de prisão em flagrante, sendo concedida liberdade provisória ao acusado (fls. 33/36).

Notificado, o acusado apresentou defesa prévia (fl. 102).

A denúncia foi recebida em 10/05/2019.

Foi realizada a instrução do processo, com a oitiva das testemunhas da acusação, sendo também colhido o interrogatório do réu (fls. 124/125). Nenhuma outra diligência foi requerida.

Declarada encerrada a instrução, o Ministério Público ofereceu memoriais (fls. 127/131), pugnando pela procedência da ação penal, condenando-se o réu nos termos da denúncia.

A defesa requereu, ao seu turno, o reconhecimento da ilicitude da prova, referindo que os policiais não possuíam mandado de busca e apreensão, sustentando também que o depoimento dos policiais derivou de prova ilícita, devendo, portanto, haver a absolvição do réu pela inexistência de prova do fato."

Adveio sentença, publicada em 17/10/2021 (data do primeiro ato cartorário, ausente certidão de publicação lançada no feito), que julgou PROCEDENTE a DENÚNCIA para CONDENAR o réu JEAN PEDRO DA SILVA, como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, à pena privativa de liberdade de 5 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, bem como à pena de multa de 500 dias-multa, à razão de 1/30 do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato; concedido o direito de apelar em liberdade.

As reprimendas foram estabelecidas nos seguintes termos pelo Sentenciante:

“[...]

Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal e as especiais do artigo 42 da Lei n.° 11.343/06, tem-se que: a) a culpabilidade do condenado não excede o ordinário; b) o réu não possui maus antecedentes; c) não há elementos a desabonar a conduta social do réu; d) quanto à personalidade do agente, sem tons dissonantes; e) o motivo do delito não se mostrou claro; f) o crime foi praticado em circunstâncias normais, nada sendo digno de nota; g) com relação às consequências, estas não foram além das inerentes ao tipo penal; h) em razão da natureza do delito, não há se falar em comportamento da vítima; i) quanto à quantidade da substância apreendida em poder do réu, não a tenho como expressiva; e b) nocivo o entorpecente apreendido.

Diante de tais considerações, não há como afastar-se do apenamento mínimo, sendo que lhe fixo a pena base em CINCO ANOS DE RECLUSÃO, restando esta definitiva na ausência de outra causa de aumento e diminuição da pena.

A pena de multa resta fixada em 500 dias-multa, valendo cada dia multa 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, nos termos do artigo 43 da Lei n.° 11/343/06, em razão das condições econômicas do condenado.

Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por pena alternativa.

Tendo em vista o entendimento consolidado, afirmando a inconstitucionalidade da fixação do regime fechado para crimes de tráfico sem o preenchimento dos requisitos para tanto, o cumprimento da pena deverá ocorrer em regime inicial SEMIABERTO.

Concedo ao réu o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado.

[...].”

Irresignada, a Defesa Constituída recorreu (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 45). Em seu arrazoado, pugnou pela absolvição do acusado por insuficiência probatória. Subsidiariamente, requereu a desclassificação da contuda para o delito presvisto no artigo 28 da Lei 11.343/06 (evento 3, PROCJUDIC4,fls. 46/50).

O réu foi pessoalmente intimado da sentença condenatória (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 4/5).

Apresentadas as contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 15/17), os autos vieram remetidos a esta Corte.

Neste grau de jurisdição, em parecer exarado pelo Dr. Ubaldo Alexandre Licks Flores, Procurador de Justiça, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (evento 8, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Materialidade e autoria do crime de tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei 11.343/06)

Cabe registrar, inicialmente, que para a configuração do ilícito penal previsto no artigo 33, caput, da Lei nº. 11.343/06 é necessário que o agente pratique, sem autorização ou em desacordo com determinação legal, qualquer um dos 18 verbos descritos no tipo penal em apreço (importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas), ainda que de forma gratuita.

Nesse sentido, o agente que tem em depósito, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, entorpecentes para os fins de traficância, como no caso, incorre nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

Ademais, é de se ter presente que, para a perfectibilização do ilícito penal previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06, prescinde seja o agente flagrado no exato momento em que fornece materialmente a substância proscrita para terceiro, bastando, para que se caracterize o tráfico, a presença de circunstâncias seguras – tais como a quantidade de droga, variedade, modo de acondicionamento, informações prévias acerca da ocorrência de tráfico no local e envolvimento anterior com o comércio ilícito -, a demonstrar sua destinação ao comércio ilegal (MARIANO DA SILVA, 2016)1.

Pois bem.

A materialidade do crime descrito na denúncia restou devidamente demostrada nos autos pelo registro de ocorrência nº 564/2019/150416 (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 10/15) e pelos respectivos autos de prisão em flagrante (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 8/9) e de apreensão de 1 aparelho celular, 2 balanças de precisão, 1 prato, 1 lâmina, 1 tesoura, 20 pedras de crack, pesando aproximadamente 6,40g e 1 porção de cocaína, pesando aproximadamente 3,80g (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 16/17), pelo laudo preliminar de constatação da natureza das substâncias (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 33), bem como pelos Laudos Toxicológicos nºs 33891/2019 e 33887/2019 (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 3/6) e pela prova oral colhida em Juízo.

Registra-se que os laudos apontaram que, nos materiais periciados, foi constatada a presença de COCAÍNA, substância psicoativa presente em drogas conhecidas como crack, merla, cocaína e oxi, de uso proscrito no Brasil, segundo a Portaria nº 344 da SVS/MS, de 12/05/1998.

A autoria, por sua vez, revelou-se incontroversa.

No aspecto, com o escopo de evitar desnecessária tautologia, homenageando o trabalho do nobre Colega a quo, Dr. Vancarlo Andre Anacleto, peço vênia para transcrever o resumo da prova oral procedido na sentença, realizado com precisão e propriedade:

JACKSON SCHULLER CASTRO, policial civil, lembrou que, há um tempo atrás, recebeu a informação de que o réu estava vendendo crack na casa dos fundos, para seu vizinho Izaqueu, de apelido “Keu”. No dia dos fatos, foi informado de que havia usuários comprando e consumindo drogas no local. Dirigiram-se até a residência, onde abordaram o acusado e encontraram cocaína dentro de uma gaveta, uma quantidade de crack atrás de um quadro e alguns pedaços em um prato. Abordaram alguns usuários que estavam na residência, os quais lhe confirmaram que ele vendia drogas no local. Encontraram uma balança de precisão no forro da casa. Questionado, esclareceu que o traficante comum de crack não embala mais as pedras, e sim deixa a droga pronta e vai retirando com uma gilete os pedaços para vender diretamente aos usuários.

PEDRO AUGUSTO GONÇALVES ALVES, policial civil, referiu que existiria uma investigação em andamento contra Izaqueu no Bairro Santa Marta. Este comandaria diversos pontos de tráfico, dentre os quais o do acusado. No dia dos fatos, foram informados de que havia usuários e movimentação de drogas, sendo que se dirigiram até o local, oportunidade em que abordaram o réu e alguns usuários. Havia uma...

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