Acórdão nº 50021878720218210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023
Data de Julgamento | 15 Fevereiro 2023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50021878720218210004 |
Órgão | Vigésima Quarta Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002974924
24ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5002187-87.2021.8.21.0004/RS
TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado
RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS
APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)
APELADO: LUIS EDUARDO LUCENA (AUTOR)
RELATÓRIO
FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpôs apelação cível em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação revisional que lhe move LUIS EDUARDO LUCENA, que assim constou na parte dispositiva:
(...)
ISSO POSTO, com base no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos da ação ordinária movida por LUIS EDUARDO LUCENA contra FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para limitar os juros remuneratórios à taxa de 24,3%, 20,8%, 17,2%, 16,2%, 16,2% e 16,2% ao ano, consoante fundamentação. Condeno a requerida, ainda, à compensação/restituição dos valores pagos a maior pela parte autora, em razão da determinação acima mencionada, também nos termos da fundamentação.
Igualmente, determino que sejam retificadas as informações lançadas nos sistemas de controle de pagamento do IPERGS referentes aos contratos nº 1368260001, 3471120000 e 6124750000 para que a previsão de vencimento da última prestação dos empréstimos ocorram em 20/02/2024, 20/07/2025 e 20/11/2026 quando deverão ser cessados os descontos da remuneração da parte autora quanto a essas avenças.
Diante do decaimento mínimo da parte autora, condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, forte nos art. 85, §2º e art. 86, parágrafo único, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, nada sendo requerido, baixe-se.
Juíza de Direito Dra. Marina Wachter Goncalves, 2ª Vara Cível da Comarca de Bagé
Em suas razões de apelo, a parte ré sustenta:
a) a ausência de abusividade da taxa de juros remuneratórios incidente nos contratos, devendo ser mantida hígida a contratação nos termos pactuados entre as partes. Argumenta que o consignado gaúcho tem peculiaridades, pois as instituições financeiras não controladas pelo Poder Público possuem custo maior para atuar no mercado, o que eleva a taxa aplicada nas operações. Defende a disponibilização de novo parâmetro para o caso do consignado em tela, com o afastamento da taxa divulgada pelo Bacen. Pleiteia a observância de até uma vez e meia a taxa média como parâmetro para aferir a abusividade. Por fim, insurge-se contra os honorários fixados na origem, pugnando pela sua modificação. Pede provimento.
Não foram oferecidas contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal, vindo, então, conclusos para julgamento.
Foram cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
É o relatório.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
O recurso é tempestivo e preparado, estando preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal.
RELAÇÃO CONTRATUAL SUB JUDICE
Trata-se de ação revisional que tem por objeto:
Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 1368260001, no valor de R$ 1.573,89, datada de 29/01/2018, com a incidência de juros remuneratórios de 5,34% ao mês e 86,80% ao ano. Ao período da inadimplência, prevista cobrança de juros de mora de 1% ao ano e multa contratual de 2%. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 5);
Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 3471120000, no valor de R$ 16.328,49, datada de 12/06/2019, com a incidência de juros remuneratórios de 6,10% ao mês e 103,51% ao ano. Ao período da inadimplência, prevista cobrança de juros de mora de 1% ao ano e multa contratual de 2%. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 6);
Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 5847212, no valor de R$ 28.185,32, datada de 22/07/2020, com a incidência de juros remuneratórios de 3,55% ao mês e 51,99% ao ano. Ao período da inadimplência, prevista cobrança de juros de mora de 1% ao ano e multa contratual de 2%. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 7);
Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 5956730, no valor de R$ 19.750,21 datada de 30/09/2020, com a incidência de juros remuneratórios de 2,84% ao mês e 39,94% ao ano. Ao período da inadimplência, prevista cobrança de juros de mora de 1% ao ano e multa contratual de 2%. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 8);
Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 6124750000, no valor de R$ 14.110,06 datada de 30/09/2020, com a incidência de juros remuneratórios de 2,71% ao mês e 37,83% ao ano. Ao período da inadimplência, prevista cobrança de juros de mora de 1% ao ano e multa contratual de 2%. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 9);
Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 7223980002, no valor de R$ 2.300,47 datada de 25/02/2021, com a incidência de juros remuneratórios de 5,50% ao mês e 90,12% ao ano. Ao período da inadimplência, prevista cobrança de juros de mora de 1% ao ano e multa contratual de 2%. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 10).
ENCARGOS DA NORMALIDADE
No tocante aos juros remuneratórios, as orientações do Superior Tribunal de Justiça, extraídas do julgamento do Recurso Especial n. 1.061.530/RS, datado de 22/10/2008, enfrentado para os efeitos do art. 1.036 do CPC são:
(...)
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO. 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
(...)
Neste norte, impende referir que este colegiado adotou como um dos parâmetros para apuração da existência de abusividade na contratação, a taxa média de mercado registrada pelo Banco Central do Brasil – BACEN, à época da contratação, e em conformidade com a respectiva operação, somada ao percentual de 30% (trinta por cento), considerada como margem tolerável.
Além disso, também devem ser analisadas as peculiaridades inerentes ao caso concreto, de modo que deve haver criteriosa ponderação em relação ao tipo de operação de crédito contratado, a época em que firmado o contrato, o valor disponibilizado ao consumidor, bem como o prazo de pagamento e/ou financiamento, os custos inerentes à captação de recursos, a capacidade econômica do contratante, as garantias eventualmente exigidas, e ainda, a imprescindível análise do perfil de risco de crédito do contratante.
Portanto, a taxa média de juros divulgada pelo Bacen é apenas um referencial a ser ponderado para fins de constatação da prática abusiva dos juros, contudo, não impõe um limite que deve ser obrigatoriamente observado pelas instituições financeiras, na medida em que esta deve ser aplicada somente na hipótese de comprovação de cobrança exorbitante de juros.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA ABUSIVA. REVISÃO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, à conclusão de cobrança abusiva, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a cobrança abusiva (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento concreto. 3. No caso dos autos, a Corte de origem concluiu pelo caráter abusivo da taxa de juros remuneratórios porque fixada em valor exorbitante em relação à média de mercado, em contratos assemelhados. A modificação de tal entendimento é inviável em sede de recurso especial, nos termos das Súmulas 5 e 7 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1579114/RS AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2019/0269776-7, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 08/08/2022 Data da Publicação/Fonte DJe 19/08/2022) grifei
Com efeito, para aferir-se a abusividade ou não, dos juros remuneratórios contratados pelas partes, é necessário traçar um paralelo entre as taxas pactuadas e aquelas divulgadas no site do Banco Central do Brasil https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do? method=prepararTelaLocalizarSeries, conforme segue:
OPERAÇÃO | DATA DA CONTRATAÇÃO |
TAXA PACTUADA | MÉDIA BACEN | +30% | |
1 | Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo Consignado servidor público) nº 1368260001, no valor de R$ 1.573,89. Juntado o contrato (evento 40 - contrato 5); |
29/01/2018 |
5,34% ao mês 86,80% ao ano |
1,83% ao mês |
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