Acórdão nº 50021886820188210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50021886820188210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001803593
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002188-68.2018.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: JAIR DIEGO HARTWIG (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JAIR DIEGO HARTWIG contra a sentença (Evento 3, doc. 3, fls. 19/26) que, nos autos da ação indenizatória movida em face de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

"(...) ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido da AÇÃO INDENIZATÓRIA movida por JAIR DIEGO HARTWIG contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D.

Por sucumbente, condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil. (...)"

Nas razões (Evento 3, doc. 3, fls. 29/38), reporta a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Insurge-se contra o reconhecimento de culpa concorrente, na medida em que a concessionária de energia não se desincumbiu de comprovar que não deu causa aos danos, tendo apresentando tão somente meras expectativas de que poderia chover. Diz que o restabelecimento da energia se deu fora do período razoável de 48 horas estabelecido pela ANEEL, oportunidade em que não ocorreu nenhum evento climático capaz de inviabilizar a prestação do serviço. Tece considerações sobre a responsabilidade objetiva da CEEE-D, ante a falha na prestação dos serviços e dos prejuízos suportados em decorrência disso. Advoga não ser obrigado a possuir um gerador, pois inexiste qualquer ajuste contratual nesse sentido. Outrossim, se possuísse um gerador, seria apenas por cautela e prudência em atenção ao deficiente serviço prestado pela parte ré. Defende amplamente comprovados os danos alegados, bem como reporta adequado o valor indenizatório de R$ 4.854,00 a título material. Postula pela majoração da verba honorária em favor de seu patrono, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC. Elabora tópico sobre os danos morais, apontando como sugestão de arbitramento a quantia de R$ 6.000,00. Colaciona legislação, doutrina e jurisprudência a seu favor. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para julgamento de procedência dos pedidos. Ao final, requer o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 3, doc. 3, fls. 44/48).

Vieram-me os autos.

O feito foi convertido em diligências, a fim de regularizar a representação da parte ré (Evento 6, nesta instância), o que restou devidamente cumprido (Evento 11, nesta instância).

Retornaram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso interposto, porquanto atendidos os seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, dispensado de preparo porquanto o autor litiga sob o pálio da AJG (doc1, fl. 17).

Antes de entrar no mérito propriamente dito, acho importante consignar meu entendimento sobre o assunto. Venho enfrentando essas questões envolvendo a perda de qualidade do fumo, por falta de energia, há muitos anos, desde quando ainda exercia jurisdição nas Turmas Recursais e, em razão disso, tive oportunidade de acompanhar, de alguma forma, a evolução da jurisdição gaúcha no trato dessa controvertida questão.

Em um primeiro momento, com base no Código do Consumidor, considerando a responsabilidade objetiva, e erigindo-se o pequeno produtor, embora use a energia elétrica como insumo para sua produção, à condição de consumidor, em face da teoria mista, acabou-se entendendo existir direito à indenização pela perda da qualidade do produto toda vez que demonstrado ter isso decorrido de interrupção no fornecimento de energia.

Nessa primeira fase, acolhiam-se laudos particulares ou de associações como prova e meio de quantificar o dano. Tal circunstância, inclusive, acabou gerando algumas distorções, ante a apresentação de laudos falsos, o que exigiu, ao menos no âmbito das Turmas Recursais, alterações de posicionamento para comprovação e quantificação do prejuízo, culminando com a Súmula nº 25 que, ante a dificuldade de análise da questão, firmou que aquela jurisdição especial (preservados os casos pendentes) não mais seria competente para o julgamento deste tipo de feito. A saber:

SÚMULA Nº 25 - Publicada no DJ, edição 4813, pág. 115 de 19.04.2012:

Os Juizados Especiais Cíveis são incompetentes para o conhecimento e julgamento das ações de reparação de danos decorrentes da oscilação ou suspensão do fornecimento de energia elétrica na atividade de secagem de fumo, ressalvados os processos já em curso no primeiro e segundo graus. Aplica-se o disposto nesta Súmula a contar de sua publicação, revogando-se a Súmula 22 das Turmas Recursais Cíveis.

Em assim sendo, essa matéria está sendo julgada única e exclusivamente pelo Tribunal de Justiça.

Como já externei em outras questões similares envolvendo indenização em face da falta de energia elétrica, entendo que esse tipo de situação, principalmente aquelas envolvendo pretensão a reparação por danos morais - por falta de luz em determinadas localidades - não deveria ser examinada sob a ótica individual, pois além da experiência estar mostrando que esse tipo de intervenção em nada tem ajudado para a melhoria do serviço, não temos a menor condição de enfrentar esse tipo de litígio individualmente. Acaba-se por abarrotar o Judiciário com milhares de ações, a quase totalidade sob o abrigo da gratuidade, não permitindo, inclusive, um controle de quem foi efetivamente prejudicado.

Esse tipo de ocorrência, até como solução para melhoria do serviço, deveria ser enfrentada, de início e principalmente, pela ANEEL; e, caso houvesse a efetiva necessidade de intervenção judicial, que se fizesse através de ações coletivas, valorando-se não a perda individual, mas sim, por exemplo, com a condenação de indenização por danos morais coletivos alcançados àquela coletividade prejudicada.

Já no que diz respeito à questão das indenizações por danos materiais, envolvendo fumicultores e pequenos produtores rurais, diante da perda da qualidade da produção por falta de energia, entendo que urge revisão da posição hoje adotada pela jurisprudência dominante.

Sempre respeitando entendimento diverso, mas acho que efetivamente estamos deixando de considerar uma série de situações importantes que envolvem esse tipo de demanda.

No ano de 2015, por iniciativa do colega Eugênio Facchini Neto, o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do RS, no Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos, realizou palestra acolhendo os vários setores envolvidos nessa espécie de situação, desde representante de associação dos fumageiros, até as empresas de energia elétrica, e ali, após ouvir as manifestações, pude firmar convicções que já vinha consolidando com o enfrentamento sistemático desse tipo de litígio.

Com o brilhantismo de sempre, em seu voto na Apelação Cível nº 70069954626, o Desembargador Facchini transcreveu parte do que foi dito pelos painelistas e que bem demonstra todo o contexto que envolve a questão da falta de energia na produção do fumo e de outras culturas, pelo que, até, como forma de embasar meu posicionamento sobre a matéria, permito-me transcrever parte do referido voto:

“...o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul promoveu, em 04 de dezembro de 2015, um painel sobre essa questão, do qual participaram representantes das pessoas e entidades diretamente interessadas: Marco Antonio Dornelles, Engenheiro Agrônomo, representando a AFUBRA - Associação dos Fumicultores do Brasil; Gustavo Arend, Engenheiro, representando a ABRADEE - Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica; Fabiano Koff Coulon, Advogado, representando o IDERS - Instituto de Direito e Economia do R.G.S., e Cristiano Heineck Schmitt, Advogado, representando o Brasilcon - Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor.

Ao solicitar a realização do painel, assim justifiquei o pedido: “Contam-se aos milhares os processos judiciais envolvendo a responsabilidade civil das concessionárias de energia elétrica movidos por fumicultores. Pretendem estes a reparação por perdas da produção do fumo em razão da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem. Os fumicultores usam estufas que são movidas a energia elétrica. Tais pretensões são normalmente acolhidas. Muitas vezes, então, há condenação da concessionária de energia elétrica ao pagamento de uma indenização. Todavia diante do aumento do número de processos judiciais e da elevação das pretensões indenizatórias, impõe-se aprofundar o debate sobre até que ponto é razoável repassar tais custos para as concessionárias diante da alternativa de se exigir que os fumicultores estejam preparados para tais intempéries, porque seriam previsíveis, já que acontecem todos os anos, adquirindo geradores de energia que possam ser ativados em caso de interrupção da luz. Quais são os custos de tais providências? Qual a razoabilidade de tal exigência? É justo sempre repassar a outros os riscos inerentes à determinada atividade? É possível exigir-se de quem não pode sofrer interrupção do fornecimento de energia elétrica em sua atividade profissional que esteja preparado para as inevitáveis interrupções? Os hospitais, por exemplo, possuem esses geradores, porque, do...

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