Acórdão nº 50021887620218210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50021887620218210132
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003187504
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002188-76.2021.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: VERA PALMIRA FRAGA DOS REIS (AUTOR)

APELADO: SUDAMERICA CLUBE DE SERVICOS (RÉU)

RELATÓRIO

VERA PALMIRA FRAGA DOS REIS ajuizou ação de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais em face de SUDAMERICA CLUBE DE SERVICOS, narrando, em síntese, que sofreu descontos em seu benefício previdenciário referente a suposto seguro de vida do qual teria contratado. Disse que o débito é inexistente e causou abalo moral ao autor. Requereu, em tutela de urgência, a exibição do contrato e a suspensão dos descontos em folha. Pediu, por fim, a declaração de inexistência de débito e a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais.

Sobreveio sentença de improcedência da ação, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atribuído à causa, forte no art. 85, §2, do CPC, restando suspensa, todavia, a sua exigibilidade em face de litigar sob o pálio da AJG (evento 45, SENT1).

Irresignada, a parte autora apelou no evento 51, APELAÇÃO1. Em suas razões, aduziu que inexiste relação jurídica entre as partes, afirmando que não compreendeu o que estava acontecendo, tendo acreditado que a ligação telefônica era apenas para confirmar seus dados. Alegou que não contratou seguro de vida com a parte ré. Em face de terem sido feitos descontos indevidos em sua conta bancária, sem o seu consentimento, sustentou que a parte ré deve reembolsar os valores debitados, consoante o art. 42, §único, do CDC. Requereu, assim, o provimento do recurso com a condenação da requerida ao pagamento de indenização a título de danos morais.

A parte autora apresentou contrarrazões no evento 55, CONTRAZAP1.

Os autos vieram conclusos em 19/12/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, ação de declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais decorrentes de descontos indevidos em seu benefício previdenciário, decorrente de contrato de seguro, julgada improcedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso de apelação.

1) Ausência de contratação

Inicialmente, mister ressaltar que a relação travada entre os litigantes é nitidamente de consumo, encontrando, portanto, amparo no Código de Defesa do Consumidor. Assim sendo, é aplicável à espécie o disposto no artigo 14 do Código Consumerista, in verbis:

Artigo 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Assim sendo, a responsabilidade, no caso em comento, é objetiva, ou seja, independe de prova da culpa do agente causador do dano, uma vez verificada a falha na prestação do serviço.

Ainda, incide na espécie, a inversão do ônus da prova, a teor do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual, uma vez alegada a inexistência de relação contratual, incumbe à parte ré comprovar a efetiva contratação entre as partes, ipsis litteris:

Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

No caso dos autos, observo que a parte ré não logrou êxito em comprovar a relação jurídica entre as partes, tendo desincumbido do ônus que lhe cabia, conforme o art. 373, II do CPC , pois sequer anexou aos autos contrato de seguro de vida que deu origem aos descontos na conta bancária da parte autora.

A respeito, são os seguintes julgados deste Tribunal de Justiça, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCONTO REALIZADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL: CABIMENTO. - Caso em que o autor contestou a contratação junto à entidade requerida, sendo ônus desta comprovar a regularidade do vínculo. Art. 429, II, do CPC. Obrigação probatória não desincumbida. - Repetição do indébito. Tese firmada pelo STJ: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo." (Embargos de Divergência no REsp. 1.413.542/RS). Ausência de perquirição quanto à ocorrência de má-fé na cobrança. Cabimento da devolução em dobro, na espécie. - Descontos indevidos em benefício previdenciário. Abatimento de importâncias em benefício previdenciário. Dano moral presumido, in re ipsa, sendo desnecessária prova do prejuízo. - Inexistindo critérios objetivos de fixação do valor para indenizar o dano moral, cabe ao magistrado delimitar quantias ao caso concreto. Valor arbitrado na sentença reduzido para R$ 3.000,00. - Responsabilidade civil extracontratual. Juros fixados desde o evento danoso. Súmula 54 do STJ. DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50112545620208210022, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 24-08-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SEGURO. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZADO. 1. O valor referente ao seguro foi descontado, devendo ser devolvidos em dobro os valores indevidamente pagos, pois não há justificativa razoável para a cobrança do seguro, consoante dispõe o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor 2. As cobranças indevidas de serviços são consideradas pequenos dissabores e contrariedades, normais da vida em sociedade, e, portanto, não geram o direito à indenização por dano moral. Inteligência do art. 333, inc. I, do Código de Processo Civil, artigos 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. 3. Incidência da correção monetária pelo IGP-M, a partir do vencimento de cada parcela, e dos juros legais a partir da citação, a teor do disposto no art. 219, caput, do Código de Processo Civil, a base de 1% ao mês, na forma do art. 406 do Código Civil, em conformidade com o disposto no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA, E DADO PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE RÉ.(Apelação Cível, Nº 70057870586, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em: 16-12-2013)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTESTAÇÃO DA ASSINATURA. DISPOSIÇÕES DO ART. 429, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INCUMBE A PARTE QUE PRODUZIU O DOCUMENTO DEMONSTRAR A SUA VERACIDADE. ENCARGO PROBATÓRIO DESATENDIDO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70082364373, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em: 30-04-2020)

Em que pese a contratação de serviços possa ser realizada por meio de ligação telefônica ou pelo meio virtual, tendo em vista a atual dinâmica social dos negócios, compreendo que a parte ré não logrou demonstrar de forma efetiva que o áudio anexado nos autos (evento 8, ÁUDIO5) corresponde realmente a uma contratação de seguro de vida, pois em nenhum momento houve a menção acerca de suposto número de apólice ou explicação sobre o tipo de seguro a ser contratado.

A partir do áudio em questão, assim, pode-se observar que a ligação telefônica deu-se de maneira rápida e superficial, servindo somente para o fim de informar os dados pessoais da demandante, sem nenhuma tratativa de contratação efetiva.

Ademais, cumpre ressaltar a idade da requerente, que já é pessoa idosa, contando com 68 anos de idade, o que requer por si só uma maior cautela e cuidado por parte do prestador de serviço, para que não haja possíveis mal-entendidos ou falta de compreensão pela parte do contratante, caracterizando, assim, uma violação do direito de informação, constante no art. 6, inciso III, do CDC.

Desse modo, dou provimento à apelação da demandante, reformando a r. sentença de origem, no ponto, uma vez que não comprovada a contratação entabulada pela parte autora.


2) Danos morais e quantum indenizatório

A demandada deveria ter tomado os devidos cuidados para evitar que fossem procedidos descontos indevidos no benefício previdenciário da requerente, referente ao contrato de seguro de vida que nunca contratou. Destarte, a cautela e a prudência devem ser fontes permanentes de atuação.

Mostra-se evidente que a situação vivenciada pela parte autora, que foi vítima...

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