Acórdão nº 50021995020218210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 10-02-2022

Data de Julgamento10 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50021995020218210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001560943
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002199-50.2021.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

APELANTE: PATRICK SCORSATTO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra PATRICK SCORSATTO, dando-o como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei de Drogas, pela prática do seguinte fato delituoso:

FATO DELITUOSO:

No dia 29 de janeiro de 2021, por volta das 14h30min, na Rua Dirceu Sander, nº 694, bairro São Cristóvão, em Passo Fundo, o denunciado PATRICK SCORSATTO vendia, expunha a venda, transportava, trazia consigo e guardava, para fins de comércio, 01 (uma) porção pequena de cocaína e 10 (dez) pontos de LSD (conforme auto de apreensão das fls. 10-12 do evento 28), drogas que causam dependência física e psíquica (laudos de constatação da natureza da substância das fls. 28 e 30 do evento 28), sem autorização e em desacordo com determinação legal.

Na ocasião, policiais militares receberam denúncia com imagens do status do WhatsApp utilizado pelo denunciado (fls. 35-36 do evento 28), que mostravam um tijolo de maconha e um envelope contendo LSD.

Os militares, diante dessa notícia e da prévia suspeita de que o denunciado dedicava-se ao tráfico de drogas em sua residência, deslocaram-se até lá. Quando visualizou a guarnição, o denunciado imediatamente correu para o interior de sua casa e quebrou com as mãos o celular que portava, sendo, então, abordado e submetido a revista pessoal e domiciliar.

Foram localizados R$ 325,00 (trezentos e vinte e cinco reais) em espécie, distribuídos em notas de diversos valores, e uma cartela com 10 (dez) pontos de LSD na carteira do denunciado, bem como 01 (uma) porção pequena de cocaína (balança não registrou peso) e outros 04 (quatro) celulares sobre a cômoda do quarto do agente.

A denúncia foi recebida em 18 de fevereiro de 2021.

Após regular trâmite processual, sobreveio sentença de procedência da ação penal, para condenar o acusado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei de Drogas, à pena de 07 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, 670 dias-multa.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação.

Em suas razões, alega, em preliminar, nulidade da prova por violação de domicílio. No mérito, requer a absolvição, ante a insuficiência probatória. Postula a desclassificação para o delito previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Em caso de manutenção da condenação, pede a aplicação da causa de redução prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas e, por consequência, a revogação da prisão preventiva. Requer e a isenção da pena de multa e das custas.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Nesta instância, o Dr. Procurador de Justiça opinou pela rejeição da preliminar e desprovimento do recurso.

Registra-se que esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

VOTO

Quanto à autoria, o juízo singular condenou o acusado pela prática do delito de tráfico de entorpecentes. Destaco trechos da sentença acerca da descrição da prova oral:

JULIO CESAR ALVES policial militar, em depoimento afirmou que: já vinham recebendo denúncias de que no local havia venda de drogas, drogas sintéticas, maconha e cocaína. Por ser perto de uma escola, começaram a passar mais vezes pelo local, no dia do fato o acusado estava em frente à casa e ao visualizar a polícia entrou correndo para dentro da residência em atitude suspeita. Ao chegarem mais próximo, o acusado correu para o interior da residência, foram atrás, quando o réu entrou, chegaram na sala e o acusado quebrou seu telefone na frente dos policiais. No dia da denúncia anônima receberam alguns prints comprovando a venda através de Whatsapp de LSD. Ao chegarem na sala o acusado quebrou o celular. Em revista pessoal foi encontrado na carteira dele....

JEAN MICHEL BUENO BARTOLOMEI, policial militar, em depoimento afirmou que: tinham várias denúncias de tráfico nas proximidades do colégio. No dia do fato receberam fotos do status do Whatsapp onde continham fotos de maconha e outras drogas. Ao dirigirem-se ao local onde o indivíduo foi localizado, e ao tentarem proceder a abordagem deste, o acusado correu para dentro da residência, durante a abordagem o réu tirou o celular de seu bolso e quebrou...

PATRICK SCORSATTO, réu, em interrogatório afirmou que: os fatos não são verdadeiros, afirma que estava dentro de casa, deitado, a porta da casa estava aberta. Os policiais militares "do nada, entraram correndo, procurando droga, me pegaram deitado na cama".....

Com a vênia do juízo sentenciante, é de ser reconhecida a ilicitude da prova por violação de domicílio.

Destaco que é preciso haver percepção “ex ante” da situação de flagrância. Este é o núcleo da minha posição. Significa dizer que não é a apreensão de drogas [posterior] que convalidará a abusiva entrada [anterior] na casa alheia.

Neste sentido, na orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 603616, apreciando o tema 280 da sistemática da repercussão geral, a Corte Suprema consignou expressamente que “não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida”. Assentado que a melhor interpretação é sempre a sistemática, parece inviável, na linha da fundamentação do STF, aventar que a simples natureza de crime permanente (de algumas modalidades de tráfico) autoriza, sem qualquer outra consideração, o ingresso dos policiais no domicílio.

Evidente que, na identificação e distinção das diversas constelações fáticas hábeis a sustentar a percepção externa da situação de flagrância (fundadas razões), há amplo espaço para a densificação doutrinária e jurisprudencial.

Reconheço que a questão é tormentosa; em muitas situações fáticas, de grande relevância institucional e, claro, endoprocessual. Mais, significa, uma vez reconhecida, em prol da garantia, desconsiderar uma evidência real de fatos graves que se desvelou (drogas, no caso). Ainda assim, parece-me a melhor solução. O Poder Judiciário vela pelas regras básicas do jogo e, passar por cima da violação diante da constatação, posterior, à revelia de prévia autorização judicial, de que, sim, consumava-se crime permanente:

(i) é esvaziar a garantia;

(ii) acaba por premiar a aventura, quando não o desmando policial;

(iii) endossa a inércia de um sistema de segurança ineficiente;

(iv) e torna, a sociedade como um todo, em tempos de cólera, ainda mais insegura, à mercê da urgência policial do momento.

O que se extrai do RE 603.616?

EMENTA:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso (grifei).

VOTO MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR):
“O presente recurso extraordinário trata dos limites da cláusula de inviolabilidade do domicílio. A jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal afirma sem ressalvas que as autoridades podem ingressar em domicílio, sem a autorização de seu dono, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente....

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