Acórdão nº 50022004520218210050 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50022004520218210050
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002135342
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002200-45.2021.8.21.0050/RS

TIPO DE AÇÃO: Aposentadoria

RELATORA: Desembargadora MATILDE CHABAR MAIA

APELANTE: ANGELO CESAR DIDONE (IMPETRANTE)

APELADO: MUNICÍPIO DE SERTÃO (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ANGELO CESAR DIDONÉ em face da sentença do evento 24 dos autos de primeiro grau, que denegou a segurança impetrada contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE SERTÃO.

Em suas razões (evento 31 dos autos de primeiro grau), alega que o juízo a quo deixou de analisar a questão concernente à Lei Municipal nº 2.235/15, que autorizava a permanência do servidor aposentado pelo regime geral de previdência social no cargo público.

Afirma que a vacância era uma faculdade do Município, porém, uma vez não exercida, criou-se segurança jurídica relativamente à não exoneração. Diz que a intenção do legislador foi regular situação ocorria frequentemente, pois após a exoneração muitos servidores requereram a reintegração e o Município teve de arcar com o pagamento da remuneração devida.

Ressalta que, nos termos do entendimento consagrado pelo STF no tema 1150, a aposentadoria só implica vacância do cargo se houver previsão nesse sentido na lei local. Aduz que a Lei Municipal nº 2.235/15 foi editada posteriormente e, portanto, revogou tacitamente o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais na parte em que previa a aposentadoria como vacância do cargo art. 33, V).

Salienta que a Lei Municipal nº 2.235/15 não previa faculdade do administrador, sendo cogente ao autorizar a não exoneração do servidor aposentado pelo regime geral, revogando as normas em sentido contrário. Reitera que a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal leva em conta a existência de lei local prevendo a vacância do cargo pela aposentadoria.

Assevera que no caso dos autos não há previsão legal de que a aposentadoria seja hipótese de vacância. Destaca que o tema 1150 harmoniza-se e dá interpretação a casos de aposentadoria de servidores públicos anteriores à Emenda Constitucional nº 103/19, quanto a ser hipótese de vacância do cargo.

Aduz que a nova redação do art. 37, § 14, da Constituição da República, dada pela EC 103/19, prevê que a aposentadoria concedida com utilização de tempo de contribuição de cargo, emprego ou função pública acarretaria o rompimento do vínculo que gerou o tempo de contribuição utilizado pelo segurado, porém o dispositivo não se aplica às aposentadorias concedidas pelo regime geral de previdência social antes de 12/11/2019, segundo a dicção expressa do art. 6º da EC 103/19.

Argumenta que o Supremo Tribunal Federal, no tema 1150, estabeleceu que as aposentadorias anteriores à emenda, independentemente do regime previdenciário, seriam caso de vacância apenas quando houvesse previsão na lei local. Pondera que, embora não recepcionada pelo novo entendimento dado pela EC 103/19, a Lei Municipal nº 2.235/15 gerou efeitos jurídicos que não podem ser modificados de forma retroativa, pois, mesmo que uma lei não seja recepcionada pela constituição, os efeitos gerados no tempo enquanto era considerada constitucional ou válida, permanecem, visto que se aplicam aos fatos que ocorreram durante sua vigência.

Ressalta que ate a entrada em vigor da EC 103/19 a aposentadoria voluntária pelo regime geral de previdência social não causava a vacância automática do cargo efetivo ocupado pelo servidor e a sua permanência no cargo não colidia com texto constitucional. Defende a observância da segurança jurídica.

Diz que a Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade e que o ato de exoneração é ilegal. Discorre sobre a evolução legislativa quanto ao regime previdenciário dos servidores do Município de Sertão, concluindo que desde 1999 passaram a filiar-se ao regime geral e que a partir de 2015 o legislador afastou a aposentadoria pelo RGPS como causa de vacância do cargo. Defende a inaplicabilidade do tema 1150 do STF aos servidores de Sertão aposentados antes da Emenda Constitucional nº 103/19.

Reputa citra petita a sentença por não ter analisado o argumento relativo à ausência de processo administrativo prévio à exoneração. Giza que o caso dos servidores de Sertão possui peculiaridades, pois, além da ausência de lei prevendo que aposentadoria enseja a vacância, há lei municipal que, até a entrada em vigor da EC 103/2019, autorizava a manutenção do servidor no cargo público que ocupava.

Afirma que o juízo a quo igualmente não analisou o tópico relativo à segurança jurídica e discorre sobre o ponto. Grifa a irretroatividade da Emenda Constitucional nº 103/19 e a ausência de modulação dos efeitos da decisão do tema 1150.

Requer o provimento do recurso.

O Município apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença (evento 39).

No evento 6, a parte apelante postula a antecipação da tutela recursal.

O Ministério Público manifesta-se pelo improvimento do apelo, em parecer da ilustre Procuradora de Justiça, Dr.ª Magali Ferreira Manhart (evento 12).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

A controvérsia diz respeito à possibilidade de o servidor público estatutário estável e vinculado ao regime geral de previdência social permanecer nos quadros de servidores ativos do Município após obter aposentadoria voluntária pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Denegada a segurança, recorre o impetrante, suscitando, inicialmente, preliminar de nulidade da sentença, por ser citra petita.

Com efeito, da leitura da sentença se observa que não foram analisadas pelo juízo a quo as alegações do impetrante relativas à segurança jurídica e à ausência de processo administrativo antes da sua exoneração, mostrando-se citra petita.

No entanto, não é caso de desconstituição da decisão, pois incide na espécie o disposto no art. 1.013, § 3º, III, do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485 ;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.

§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação.

Assim, passo ao exame do mérito.

Destaco que o mandado de segurança é ação constitucional destinada à proteção de direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de direito privado no exercício de atribuições do Poder Público, conforme dispõe o inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal.

Referida ação possui rito célere, por cingir-se à demonstração da liquidez e certeza do direito, que por sua natureza, possa ser de pronto demonstrado por prova inequívoca. Consoante lição de Hely Lopes Meirelles,

Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. 25 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. P. 36-37)

No caso vertente, tenho que não há direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segurança.

De início, destaco que compartilho do entendimento de que a concessão do benefício da aposentadoria pelo regime geral de previdência não acarreta a extinção do vínculo funcional do servidor com a Administração Pública, na medida em que somente passa a perceber o benefício previsto na legislação previdenciária (Lei nº 8.213/91) por ter completado os requisitos para a concessão do benefício.

Ou seja, do ponto de vista da relação funcional, no caso de concessão da aposentadoria pelo INSS não haverá o rompimento do vínculo entre o servidor e a Administração Municipal, de modo que inexiste óbice para a sua permanência no exercício do cargo, sequer incidindo a vedação contida no parágrafo 10 do art. da Constituição da República1.

Esse o entendimento que vinha sendo adotado pelo e. Supremo Tribunal Federal, a exemplo das decisões proferidas no ARE 1208165, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/05/2019; RE 1164193 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 14/03/2019; ARE 1182444, Rel. Min. Ricardo...

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