Acórdão nº 50022164420208210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50022164420208210014
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002149130
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002216-44.2020.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: MARIA LINDOMAR MATOS DE SOUZA (AUTOR)

APELADO: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)

RELATÓRIO

MARIA LINDOMAR MATOS DE SOUZA apela da sentença proferida nos autos da ação revisional ajuizada em face de CREFISA S.A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, assim lavrada:

MARIA LINDOMAR MATOS DE SOUZA ajuizou pedido de revisão de contrato em face de CREFISA SA CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, sustentando, em resumo, ter realizado contratos de empréstimos pessoais com a demanda que possuem cláusulas abusivas, as quais pretende revisar. Afirmou que os juros remuneratórios aplicados, a capitalização mensal são abusivos, motivo pelo qual devem ser revisadas estas cláusulas, sendo os juros remuneratórios calculados pela taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil. Insurgiu-se, também, contra a comissão de permanência, cobrança de IOF e tarifas bancárias. Requereu a concessão de tutela de urgência para que fosse determinada a suspensão das cobranças relativas aos empréstimos em sua conta-corrente e para que a ré se abstivesse de inscrever o nome da autora em órgãos de proteção ao crédito. Pugnou pela procedência dos pedidos para o fim de revisar as cláusulas impugnadas. Requereu, ainda, a concessão da Gratuidade Judiciária. Juntou documentos (Evento 01).
Foi deferido o benefício da gratuidade da justiça e deferida a tutela de urgência (Evento 3).

Citada, a instituição financeira ré apresentou contestação, tecendo considerações sobre a sua atividade e o pacta sunt servanda.
Sustentou a legalidade dos juros remuneratórios aplicados, entre outros fatores, pela inaplicabilidade da taxa média do BACEN, e da contratação realizada. Discorreu sobre a legislação aplicável ao caso. Invocou o princípio da boa-fé contratual. Destacou, ainda, a legalidade da capitalização dos juros, da comissão de permanência, da cobrança de IOF e de tarifas, bem como da previsão de honorários advocatícios e outras despesas para a cobrança judicial da dívida. Sustentou a impossibilidade de repetição do indébito. Requereu a fixação de honorários em favor da demandada a serem pagos pela autora. Postulou pela a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (Evento 9)
Não houve apresentação de réplica, tendo decorrido o prazo da parte autora sem manifestação.

Vieram os autos conclusos para sentença.

Relatei.
Passo a fundamentar e a decidir.

O caso é de julgamento antecipado do mérito, nos termos do inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil.
O feito seguiu regular tramitação e se encontram presentes as condições da ação e os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo.
Desse modo, inexistindo preliminares a serem apreciadas, tampouco nulidades a serem sanadas, passo ao mérito da demanda.
2) Mérito
Pretende a parte autora, em apertada síntese, a revisão dos contratos de empréstimo firmados com a ré, arguindo, para tanto, a existência de cláusulas abusivas, as quais pretende revisar.

2.1) Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor
O caso é de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme dispõe o §2º do art. 3º, do mencionado diploma:
“§2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (grifei).
Outrossim, a Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça assim dispõe:
“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Por fim, sublinho que o simples fato de as partes terem firmado contrato de adesão não possui ilegalidade, porquanto referido contrato é expressamente previsto no art. 54 do CDC.
2.2) Do limite da revisão
Inicialmente cumpre esclarecer que é inviável a apreciação, de ofício, das cláusulas contratuais, nos termos da Súmula 381 do STJ (
"Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas").
Dessa forma, em relação às cláusulas impugnadas, serão analisadas apenas aquelas para as quais há pedido expresso na inicial, quais sejam: juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária, multa contratual e comissão de permanência.

2.3) Dos juros remuneratórios
O pedido formulado na inicial se baseia na suposta onerosidade excessiva promovida pelo réu em razão da incidência de juros no patamar superior à taxa média de mercado.

Conforme verifico, no contrato firmado entre as partes foi prevista a taxa de juros remuneratórios, por exemplo, de 987,225 ao ano e CET de 1.074,83% ao ano, o que e incontroverso nos autos.

O entendimento majoritário de nosso Tribunal de Justiça e dos Tribunais Superiores, no que atine ao juros remuneratórios, refere-se à inexistência (como regra geral) de fundamento constitucional ou legal para a limitação pretendida.

Destaco que os fundamentos constitucionais utilizados para embasar as teses nas quais se sustenta a revisão dos juros remuneratórios foram derrogados: No julgamento da ADIN-4-7-DF, onde restou definido que o §3º do art. 192 da CF/1988 não é auto-aplicável, e, posteriormente, definitivamente soterrados com o advento da Emenda Constitucional n.º 40, de 29.05.2003, que suprimiu do texto constitucional o referido §3º do art. 192.

Com relação à Lei de Usura, também não se mostra cabível questionamento algum, haja vista que o Supremo Tribunal Federal, por meio da edição da Súmula 596, sedimentou entendimento no sentido de que:
As disposições do Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.”
E a jurisprudência do STJ se sedimentou no sentido de que o fato de ultrapassar a taxa de 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, que somente vai se caracterizar, se a taxa pactuada ou aplicada no contrato, ultrapassar sobremaneira a taxa média cobrada pelas instituições financeiras em operações da espécie.

E, ainda, segundo o entendimento pacificado do Colendo STJ, a limitação dos juros com base em tal motivação depende de produção de escorreita prova, a cargo da parte autora, a qual deve demonstrar a ocorrência da abusividade ou onerosidade excessiva alegada, modo a discrepar substancialmente daquelas cobradas pelo mercado para operações e datas semelhantes, ficando ressalvados os contratos com legislação específica (cédulas e notas de crédito rural, industrial e comercial).

Tal orientação se encontra na leitura combinada dos Enunciados de Súmulas n. 296 e 382, ambas do STJ, in verbis:

Súmula 296: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.

Súmula 382: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Já a Lei n.º 4.595/64, Lei do Sistema Financeiro Nacional, mantém-se vigente desde sua edição, mesmo depois do prazo inserido no art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT/88), posto que editadas as normas necessárias para tanto.
No caso concreto, verifico que os juros remuneratórios ajustados pelas partes são bastante elevados, chegando, em dois contratos, a patamares equivalentes a 987,225 ao ano e CET de 1.074,83% ao ano.

Não obstante isso, a autora não demonstrou a taxa média de mercado praticada à época, em operações de natureza às contratadas, o que impede que se adote um parâmetro para apurar eventual abusividade a partir de aplicação de taxas desproporcionalmente acima das permitidas pelo BACEN.

Logo, improcede o pleito, no caso.

2.4) Da capitalização dos juros.

Acerca da capitalização dos juros, revendo posicionamento anteriormente adotado, passo a adotar as teses fixadas no julgamento do Resp n. 973.8270-RS, julgado em 08 de agosto de 2012, acórdão de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, conforme segue:

1) É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, em vigor como MP nº 2.170-01, desde que expressamente pactuada;

2) A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

No caso sub judice, o contrato em questão foi celebrado após 31/03/2000, ou seja, sob a égide da referida norm, sendo absolutamente lícita, pois, a capitalização mensal de juros prevista expressamente na cláusula segunda, item II.2, do Contrato, EV. 9 - OUT7.
2.5) Da comissão de permanência e da cobrança cumulada com outros encargos
Analisando os contratos colacionados aos autos, não constatei a cobrança de comissão de permanência, o que, contudo, ausente cumulação com outro indício de correção monetária, seria lícito.

Comissão de permanência é uma taxa de correção monetária, unilateral, fixada pela Associação Nacional de Bancos e Instituições de Desenvolvimento do crédito – ANBID.

Então, se trata de um índice aleatório, que deixa uma das partes contratantes a mercê da outra, que não pode discutir tais taxas.
Além disso, a comissão de permanência usualmente é aplicada pelos bancos cumuladamente com a correção monetária e demais encargos.
Assim, entendo possível a incidência de comissão de permanência, desde que pactuada, e, excluídos os demais encargos moratórios, remuneratórios e multa contratual.
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT