Acórdão nº 50022177220148210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50022177220148210003
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002149752
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002217-72.2014.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Habitação

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO: ALESSANDRA MACHADO KIEFFER (AUTOR)

RELATÓRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da ação declaratória ajuizada por ALESSANDRA MACHADO KIEFFER. Transcrevo o dispositivo sentencial (Evento3, Processo Judicial3, fl. 2):

Diante do exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, julgo PROCEDENTE o pedido aforado por ALESSANDRA MACHADO KIEFFER em face de COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – COHAB/RS para CONDENAR os réus ao cumprimento da obrigação consistente na transferência do imóvel para o nome da demandante, descrito no contrato de compra e venda e matrícula (fls. 17/19v), em 30 dias a contar da publicação da presente decisão, sob pena de incorrer em multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia, consolidável em 30 (trinta dias), nos termos do art.536, §1º, do CPC, sem prejuízo da conversão em perdas e danos (arts. 499 e 500, CPC), estas correspondentes ao montante das despesas concernentes à escritura e consectários.

Sucumbente, condeno os réus ao pagamento das custas processuais, 50% para cada demandado, e honorários advocatícios ao patrono do autor, de forma solidária, os quais fixo em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 85, §§2º e 8º, do CPC.

Retifico o valor da causa, de ofício, para o de alçada, uma vez que a finalidade da ação é a aquisição meramente da propriedade do bem1.

Em razões (Evento3, Processo Judicial3, fls. 23-29) o Estado, na qualidade de sucessor da extinta Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul - COHAB, pretende a anulação ou reforma da sentença. Argui, inicialmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois o processo transcorreu de forma prejudicial ao Estado, o qual somente tomou conhecimento do mesmo agora, em sede de cumprimento de sentença, sem que lhe fosse possibilitado se manifestar nos autos. Sustenta que a citação do Estado, suas autarquias e fundações públicas deve, necessariamente, ser realizada perante o órgão de advocacia responsável por sua representação processual, no caso pelo Procurador Geral do Estado, nos termos do art. 242, § 3º do CPC; art. 117, parágrafo único da Constituição Estadual e art. 12, I da Lei Complementar n.º 11.742/2002 (PGE). Entende, assim, que a citação de suposto representante da COHAB/RS é ineficaz, salientando que a Companhia inclusive estava extinta desde o ajuizamento da ação, ou seja, não possuía capacidade processual para ser demandada. Alega que, caso seja considerado que a COHAB tem capacidade processual, a citação foi efetivada por meio de carta AR (fl. 69), em desconformidade com o artigo 247, inciso III, do CPC, razão pela qual entende que merece ser extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso IV, do NCPC. Postula o provimento do apelo, a fim de que seja declarada nula ou reformada a sentença.

A parte autora, intimada, apresentou contrarrazões (Evento3, Processo Judicial3, fls. 35-40), pugnando, preliminarmente, pelo não conhecimento do apelo, por ser intempestivo, já que pretende reverter sentença já transitada em julgado e porque o recurso cabível contra decisões interlocutórias proferidas na fase de cumprimento de sentença é o agravo de instrumento. No mérito, entende que deve ser afastada a pretensão declaratória de nulidade da decisão em face da ausência de citação válida do Estado, pois consta na fl. 70 dos autos manifestação do Estado, através de Ofício 164/2015 da Secretaria de Obras, Saneamento e Habitação do Estado do Rio Grande do Sul, expressando o desinteresse no feito (fls. 113-118).

O Ministério Público ofertou parecer opinando pela rejeição da preliminar contrarrecursal de intempestividade do apelo, sob o fundamento de que "a Procuradoria-Geral do Estado tomou ciência da sentença somente ao retirar os autos em carga, em 24/09/2020". No mérito defendeu o provimento do recurso, a fim de que seja declarada a nulidade do feito, com a desconstituição da sentença, pois imperiosa a citação pessoal do Ente Público, através da PGE, para integrar o polo passivo da demanda, bem como para apresentar contestação.

VOTO

Eminentes Colegas.

Muito respeitando o parecer do digno representante do parquet, Dr. André Cipele, entendo que o recurso possui vícios de admissibilidade insanáveis, como se passará a demonstrar.

O presente processo foi interposto por ALESSANDRA MACHADO KIEFFER, em face da "Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul/SEHABS Secretaria de Habitação e Saneamento" (Evento 3, Processo Judicial1, fl. 2 dos autos originários) visando à transferência registral de imóvel adquirido junto à COHAB para seu nome.

O feito foi sentenciado em 08/10/2018. A sentença de procedência foi disponibilizada no DJE em 15/10/2018 (Evento 3, Processo Judicial3, fls. 4-5, dos autos originários). Transitada em julgado, foi instaurada a fase de cumprimento de sentença (de obrigação de fazer) em 30/05/2019 (Evento 3, Processo Judicial3, fls. 16-17 dos autos originários) e expedida carta de intimação à parte ré, Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul, recebida em 12/11/2019 (Evento 3, Processo Judicial3, fl. 20 dos autos originários).

Transcorrido o prazo para impugnação, foi dada vista à parte autora (DJE de 04/03/2020 (Evento 3, Processo Judicial3, fl. 21 dos autos originários), que não se manifestou.

Em 29/10/2020, então, aportou a presente apelação, pelo Estado do Rio Grande do Sul pretendendo a declaração de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, e da própria citação, pois realizada em nome de pessoa sem capacidade processual, já extinta, e sem observância da obrigatoriedade de citação pessoal dos representantes processuais do Estado.

Pois bem.

Inicialmente, não é possível se cogitar conhecimento de apelação interposta contra sentença proferida e transitada em julgado há mais de dois anos.

Com efeito, ainda que se cogite a possível nulidade processual absoluta, arguível a qualquer tempo, devem ser observados os procedimentos que o ordenamento põe à disposição das partes.

Na hipótese, estando o feito em fase de cumprimento de sentença, incumbia ao Estado, quando tomou ciência do processo, ao retirá-lo em carga, apresentar impugnação ao cumprimento de sentença alegando a referida nulidade, nos exatos termos do que dispõem os artigos 239, § 1º e 535 do CPC:

Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.

(...)

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;

II - ilegitimidade de parte;

(...)

A interposição da presente apelação, absolutamente intempestiva e inadequada, acabou, ademais, por suprimir uma instância, em violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, pois não foi oportunizada manifestação pelo juízo a quo.

Assim, não comporta conhecimento o presente recurso, seja porque intempestivo, inadequado ou em violação ao duplo grau de jurisdição, incumbindo ao Estado, inicialmente, submeter tal questão à apreciação do juízo a quo, seja por meio de exceção de pré-executividade ou simples petição nos autos do cumprimento de sentença, já que se está a tratar de nulidade não sujeita a preclusão ou, em outras palavras, de vício transrescisório (art. 278, parágrafo único e art. 280 do CPC2), não se olvidando também da possibilidade de manejo de ação específica para tal fim (querela nullitatis).

Neste sentido, precedente do STJ e do TJRS:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO IMPUGNADOS. AGRAVO NÃO CONHECIDO.
1. Não se conhece do pedido formulado, quanto à alegada nulidade absoluta do processo, sob pena de supressão de instância. Somente as instâncias ordinárias podem se pronunciar, de ofício, sobre matéria de ordem pública. Na instância especial não há como se dispensar o necessário debate acerca da questão controvertida. 2. É inviável o agravo interno que deixa de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada (CPC/2015, art. 1.021, § 1º).
3. O recurso mostra-se manifestamente inadmissível, a ensejar a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, no montante equivalente a 1% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º do citado artigo de lei.
4. Agravo interno não conhecido, com aplicação de multa.
(AgInt no AREsp n. 759.757/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 29/10/2018.)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CANCELAMENTO DE DESCONTOS EM FOLHA. DECISÃO MANTIDA. TRATANDO-SE DE COBRANÇA DE MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, NECESSÁRIA A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR DA DECISÃO, CONFORME DISPÕE A SÚMULA 410 DO STJ. NO ENTANTO, O AGRAVANTE BUSCA VER REFORMADA A DECISÃO QUE DETERMINOU SUA INTIMAÇÃO PARA EFETUAR O CANCELAMENTO DOS...

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