Acórdão nº 50022203620218210050 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50022203620218210050
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001940921
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002220-36.2021.8.21.0050/RS

TIPO DE AÇÃO: Demissão ou Exoneração

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: RITA DE CASIA PISSETTI (IMPETRANTE)

APELADO: MUNICIPIO DE IPIRANGA DO SUL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por RITA DE CASIA PISSETTI contra a sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE IPIRANGA DO SUL, cujo dispositivo está assim redigido:

"Desse modo, DENEGO A ORDEM do mandado de segurança.

P.R.I.

Oportunamente, arquive-se com baixa."

A parte autora apela (Ev. 40) a inexistência de lei local válida e que trate da vacância do cargo em caso de aposentadoria pelo RGPS. Alude que a aposentadoria referida na Lei Municipal nº 612/03 é a prevista no artigo 40, § 1º, III, "a", da Constituição Federal, isto é, a aposentadoria convencional do servidor público, não possuindo relação com aquela prevista nas Leis Federais n.º 8.212 e 8.213, ambas de 1991, que foi a aposentadoria concedida à parte autora. Não se pode dar interpretação idêntica para casos diversos, o que fere a legalidade e a isonomia. Refere que a EC nº 103/19 não retroagiu seus efeitos, além do que o fato de a aposentadoria ter sido concedida anteriormente à entrada da EC 103 atrai o comando do artigo 6º. Invoca o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução do Código Civil. Alega que o Município de Ipiranga do Sul, quando da aposentadoria da apelante, não possuía (como ainda não possui) Regime Próprio de Previdência Social, sendo cogente aos servidores municipais a filiação e obtenção de aposentadoria pelo RGPS (INSS). Todavia, o juízo de origem deixou de analisar o pedido no ponto, o que caracteriza a sentença como "citra petita". Defende ser improcedentes os argumentos de que o Tema 1.150 do STF se sobrepõe ao disposto no artigo 6º da Emenda Constitucional nº 103/19. Alude que a sentença é igualmente "citra petita", pois não analisou a alegada "ausência de processo administrativo que enseja a nulidade da exoneração", conforme Súmula 20 do STF, bem como pela alegada violação da segurança jurídica e pedido de interpretação diversa ante a ausência de modulação dos efeitos da decisão. Requer, preliminarmente, o reconhecimento de que o "julgamento do juízo singular se deu citra petita" e, no mérito, o provimento do recurso.

Em contrarrazões (Evento 34), o Município afirma que a pretensão da parte apelante esbarra no Tema 1150 do STF, onde reafirmada a "constitucionalidade das disposições contidas em legislação local, no sentido que a aposentadoria, independente do regime de previdência, gera a vacância do cargo, sendo, inclusive, dispensável qualquer ‘processo administrativo’, pois decorre da própria LEI, que, inclusive, impõe um dever/agir ao gestor público". Menciona o previsto no art. 35, V, da Lei nº 612/2003. Cita precedentes. Requer o desprovimento do apelo.

O Ministério Público, por meio de parecer do Procurador de Justiça Eduardo Roth Dalcin, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Evento 7).

VOTO

I – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

O apelo é tempestivo e foi recolhido o preparo. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

II - PRELIMINAR.

A preliminar de sentença "citra petita" confunde-se com o mérito e assim será analisada.

III - MÉRITO.

Cabimento do Mandado de Segurança

O artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, prevê:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente estabelece:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica. A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, Ação Popular, ... 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 36-37):

“... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”

A partir da regulação constitucional e da própria Lei nº 12.016/09, também se exige a presença de ilegalidade ou abuso de poder. Ao examinar tais expressões, M. Seabra Fagundes, em obra clássica (O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Atual. Gustavo Binenbojm. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322) sobre o tema do controle dos atos administrativos, destacou a abrangência do conteúdo “ilegalidade” tanto em relação à ilegalidade infraconstitucional, como a oriunda de violações de dispositivos constitucionais, sendo até desnecessária a referência ao abuso de poder. De qualquer modo, conforme Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 1142):

“O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.

“Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.”

A situação dos autos, em tese, admite a utilização do mandado de segurança.

A Situação Concreta dos Autos

A inicial da ação refere o seguinte:

"Como comprovam os documentos anexos, a impetrante era servidora pública do Município de Ipiranga do Sul, RS, ocupante do cargo de FONOAUDIÓLOGA, desde 12/06/2012, portaria de nomeação 2412, tendo sido contratada com incorporação pelo regime estatutário.

O Município de Ipiranga do Sul não optou pelo Regime Próprio de Previdência Social (PS), apesar de ter tido alguns períodos de sua instituição.

Nessas condições, a impetrante contribuía para o INSS (RGPS) e na condição de contribuinte para a Previdência Social comum é que requereu e teve concedida aposentadoria por tempo de contribuição, NB 188.102.709-8, que lhe foi conferida em 31/07/2019.

A vinculação previdenciária da autora dava-se exclusivamente perante o INSS, à falta de regime próprio de previdência dos servidores no Município.

Todavia, em 03/09/2021, a impetrante foi exonerada por intermédio da Portaria Municipal nº 3880/2021 “em face da inativação do mesmo importar em vacância do cargo, a teor do Tema 1150 do STF”."

A sentença denegou a segurança, observando o decidido pelo STF no Tema 1150, aduzindo que o "...servidor público aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social, com previsão de vacância do cargo em lei local, não tem direito a ser reintegrado ao mesmo cargo no qual se aposentou ou nele manter-se, por violação à regra do concurso público e à impossibilidade de acumulação de proventos e remuneração não acumuláveis em atividade".

Registro que a jurisprudência desta Câmara sobre o tema tinha outro sentido, assim como o entendimento que até então vinha sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em vários acórdãos, assim fiz referência ao posicionamento do STF:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DECORRENTES DE APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL COM REMUNERAÇÃO DE CARGO PÚBLICO. PRECEDENTES. CONTRARRAZÕES APRESENTADAS. VERBA HONORÁRIA MAJORADA EM 1%, PERCENTUAL O QUAL SE SOMA AO FIXADO NA DECISÃO AGRAVADA, OBEDECIDOS OS LIMITES DO ART. 85, § 2º, § 3º E § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015, COM A RESSALVA DE EVENTUAL CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(ARE 914547 AgR, Relator(a): Min.
CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 09/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 26-08-2016 PUBLIC 29-08-2016)

A decisão aludida não se trata de entendimento isolado, pois ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.020.183-RS, j. 16.02.2017, Rel. Min. Dias...

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