Acórdão nº 50022291020208210025 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Segunda Câmara Cível, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50022291020208210025
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001569747
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

12ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002229-10.2020.8.21.0025/RS

TIPO DE AÇÃO: Cheque

RELATOR: Desembargador PEDRO LUIZ POZZA

APELANTE: KREDITARE SECURITIZADORA S/A (REQUERIDO)

APELADO: R DOS SANTOS MACHADO (REQUERENTE)

RELATÓRIO

Inicio por adotar o relatório da sentença (Evento 80) da lavra da magistrada Carmen Lucia Santos da Fontoura.

R DOS SANTOS MACHADO, qualificada na exordial, ajuizou Ação Ordinária de desconstituição de débito c/c indenização por danos morais e repetição do indébito em face de KREDITARE SECURITIZADORA S/A e SHURY COMPONENTES PARA CALÇADOS - EIRELI, ambas igualmente qualificadas, relatando que habitualmente pactuava negócios com a primeira ré. Arguiu que em decorrência da relação havida entre as partes emitiu vários cheques pré-datados para corré Shury, acordando, contudo, que nas datas aprazadas faria o pagamento em espécie, e em contrapartida a demandada faria o recibo e devolveria os cheques. Apontou que em abril de 2020, dirigiu-se até a sede da empresa Shury para efetuar o pagamento do cheque nº 1203, oportunidade em que o representante da primeira ré comunicou o extravio do cheque datado para o dia 30 de Abril de 2020, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), bem como de outros dois cheques em seu em nome (números 1202 e 1204). Referiu o registro do Boletim de Ocorrência Online no dia 15 de Abril de 2020, cuja ocorrência restou firmada sob nº 8927/2020/400010. Defendeu a má-fé da primeira ré. Aduziu que os cheques indicados como extraviados foram repassados para a segunda ré, a qual mediante protesto intenta a cobrança de dívida já paga. Sustentou ter sido surpreendida com o protesto do cheque nº1203, com vencimento para 01 de Julho de 2020, no qual consta como credor atual a empresa Kreditare Securitizadora S/A. Narrou que ao contatar a segunda corré, esta comunicou que os cheques foram repassados pela empresa G. Calçados. Consignou a necessidade de desconstituição do débito. Explanou sobre a repetição em dobro do indébito e sobre danos morais. Teceu comentários acerca de seu direito, apontando os dispositivos sobre os quais alicerça seu pedido. Requereu, em sede de tutela antecipada de urgência a abstenção da ré em protestar pelo inadimplemento do cheque 1203, do Banco Banrisul, vencido em 30 de abril de 2020, no valor de 30.000,00 (trinta mil reais), bem como, com relação a inscrição de seu nome no rol dos inadimplentes. Por fim, requereu a procedência da ação e acostou documentos (Evento - 1).

Concedido o pleito liminar (Evento - 4).

Citada, a corré Kreditare apresentou contestação, arguindo, preliminarmente a inépcia da exordial. No mérito, aduziu atuar no segmento do fomento mercantil, onde firmou “Contrato de Cessão de Transferência de Direitos Creditórios, Responsabilidade Solidária e Outras Avenças n.º 272” com a empresa G DA SILVA CALÇADOS EIRELI ME, no dia 11/07/2019, para adquirir desta direitos creditórios da sua propriedade. Indicou que no dia 19/02/2020, a empresa G da Silva Caçados apresentou para desconto o cheque pósdatado n.º 1203, com vencimento em 30/04/2020, no valor de R$ 30.000,00 (trinta ml reais), cujo sacado refere-se a parte autora. Colacionou captura de tela referente à “Borderô e Declaração de Recebimento” de sua pactuação. Consignou que na data em que o cheque foi repassado, inexistiam restrições ao título. Contou que emitiu o cheque para desconto na data prevista para seu vencimento, contudo, houve o retorno do cheque da instituição financeira com advertência para não pagamento. Narrou que quando do retorno do cheque restou ciente de que um terceiro pertencente à cadeia de endossos (convenientemente o credor primitivo), procedeu a notícia de extravio do cheque n. 1203 na data de 16 de abril de 2020, meses após repassar o título a G. da Silva Calçados, que o repassou. Apontou que a partir desse momento exigiu o pagamento do sacador do título, o qual objetivava a devolução de toda a cadeia de endossatários. Reiterou sua posição na relação jurídica, de terceira de boa fé e credora titular dos recursos descritos no título de crédito. Explanou sobre a lei do cheque. Impugnou os documentos acostados aos autos com a exordial. Defendeu a necessidade de revogação da medida liminar. Teceu comentários acerca de seu direito. Por fim, fez requerimentos de praxe e requereu o acolhimento da preliminar suscitada ou a improcedência da ação. Acostou documentos (Evento - 25).

Houve réplica (Evento - 30).

Saneado o feito com afastamento da preliminar suscitada pela corré Kreditare (Evento - 32).

Citada a corré Shury, deixou transcorrer, in albis, o prazo para apresentação de contestação, sendo-lhe decretada à revelia (Evento - 44).

Manifestou-se a corré Kreditare requerendo a produção de prova oral (Evento - 49).

Designada audiência (Evento - 51), esta restou realizada (Eventos - 66 e 67).

Vieram os autos conclusos para sentença.

Sobreveio sentença de parcial procedência nos seguintes termos:

Diante do exposto, mantenho a tutela de urgência anteriormente deferida e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial, a teor do art. 487, I do CPC, para o fim de:

a) declarar a inexistência do débito relativo ao cheque nº 1203, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), datado para o dia 30/04/2021;

b) determinar o cancelamento dos protestos lavrado em razão desse título;

c) condenar a ré à devolução, em dobro, pelos valores pagos correspondente ao cheque nº 1203, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), datado para o dia 30/04/2021, valores esses que deverão ser corrigidos pelo IGP-M a contar do desembolso e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação; e

d) condenar a ré Kreditare ao pagamento de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) a título de dano moral, a ser corrigido pelo IGPM-FGV a partir desta data (Súmula 362 STJ) e acrescido de juros moratórios à razão de 1% a.m. desde a data do evento danoso (Súmula 43 STJ), que neste caso ocorreu quando do protocolo do protesto.

Face à sucumbência mínima da demandante (art. 86, parágrafo único do CPC), condeno as rés à integralidade do pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios aos patronos da autora, que fixo em 10% sobre o valor da ação, o qual deverá ser atualizado pelo IGP-M a contar desta data e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado desta decisão, nos termos do art. 85, §§ 2º, 6º e 16 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A corré KREDITARE SECURITIZADORA S.A, inconformada, apelou (Evento 85). Sustentou que a pretensão da autora de ver quitada a dívida representada pelo cheque, objeto do protesto, em razão de ter feito o pagamento diretamente ao credor originário, não prospera, uma vez que deveria ter observado os requisitos e cautelas, em especial o previsto no art. 321, do Código Civil.

Além disso, referiu que o cheque é título de crédito autônomo e individual, que, após a emissão, passa a produzir efeitos previstos tanto no Código Civil, quanto em lei própria, Lei 7.357/85.

Referiu que incontroversa a existência da dívida, não constando do cheque qualquer informação de que o crédito seria resgatado em dinheiro, sendo que se emitidos para garantia de forma diversa do pagamento, não deveriam circular, sendo dever da autora lançar tal informação no documento, de forma a prevenir terceiros, consoante arts. 887 e 888 do CC.

Disse que o cheque foi endossado em branco pela corré Shury à empresa G da Silva Calçados Eireli ME, que, por sua vez, via contrato, endosso em preto/nominalmente, repassou o título à apelante Kreditare, de tal sorte que a cártula adquiriu as características de autonomia e independência descritas no artigo 13, da Lei 7.357/85.

Aduziu a conduta culposa ou dolosa da autora, visto que inexiste prova idônea do pagamento do cheque, sendo o recibo anexado aos autos produzido unilateralmente, por empresa que se recusou a participar do processo, revel e omissa em todas as etapas, o que resulta inexistir confirmação em juízo de que a cártula fora de fato extraviada e o crédito pago em espécie, sendo impossível não vir a mente a imagem do consilium fraudis.

De toda a forma, afirmou que a partir do momento em que a autora tomou conhecimento que o cheque, por ter sido extraviado, não poderia ser resgatado, jamais deveria ter efetuado o pagamento, mormente em espécie, por saber que a quitação frente a terceiro é impossível.

E, tendo a autora dado causa ao protesto, não há falar em responsabilidade da apelante por eventuais danos.

Discorreu sobre a inexistência de dano, bem como impossível a aplicação do art. 940, do Código Civil, uma vez que nenhum pagamento foi efetuado à apelante, sendo que a invocação do referido artigo exige além da prova do pagamento, exige o ajuizamento de demanda para buscar quantia já paga, não tendo a ré demandado neste sentido.

Postulou o provimento do apelo para fins de que seja julgada improcedente a demanda, com a condenação da apelada aos ônus sucumbenciais pertinentes.

Contrarrazões (Evento 89).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Colegas, o apelo prospera em parte.

Cabível registrar, inicialmente, que embora tenha sido decretada a revelia da primeira demandada, SHURYS, inaplicáveis ao caso os efeitos da revelia, nos termos do art. 345, I, do CPC, o que, inclusive, constou da sentença.

Assim, não há falar em unilateralidade de eventual documento trazido aos autos pela parte autora e produzido pela ré revel.

Dito isso, verifica-se que consta dos autos que a empresa autora R DOS SANTOS emitiu cheques em favor da primeira demandada, empresa SHURYS COMPONENTES PARA CALÇADOS, pós-datados, tendo sido realizado o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT