Acórdão nº 50022311820218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50022311820218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001731484
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002231-18.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: RONALDO SOARES DA SILVEIRA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra RONALDO SOARES DA SILVEIRA, com 22 anos de idade à época do fato, dando-o como incurso nas sanções do artigo 157, § 2º, inciso VII, com incidência do artigo 61, incisos I e II, alínea "j", ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

"No dia 01 de julho de 2020, por volta das 00h00min, na Av. Borges de Medeiros, n.° 1115, nesta cidade, o denunciado RONALDO SOARES DA SILVEIRA subtraiu, para si, mediante grave ameaça, na utilização de uma faca (não apreendida), com visível poder intimidante, contra a vítima Daniel Oliveira, a importância de R$ 40,00 (quarenta reais) e 02 (duas) facas – avaliadas em R$60,00, conforme auto de avaliação indireta, pertencentes ao estabelecimento comercial Banca do Ben.

Na ocasião, a vítima relata que o denunciado, morador de rua das redondezas, entrou na banca onde ofendido trabalha e lhe ameaçou com o uso de uma faca, exigindo-lhe que entregasse o dinheiro do caixa e duas facas, o que foi atendido pela vítima.

O ofendido esperou até o dia seguinte, após encontrar com seu empregador, para fazer a ocorrência. Posteriormente, a guarnição localizou o indivíduo, encaminhando-o para a DPPA. Entretanto, devido ao lapso temporal, não foi lavrado o auto de prisão em flagrante.

A vítima reconheceu o denunciado como sendo o autor do roubo 01 (uma) das facas restou apreendida e, posteriormente, restituída. Posteriormente, sobreveio representação da Autoridade Policial de prisão preventiva, conforme processo n.° 50573084620208210001, sendo localizado no dia 25/11/2020 e posteriormente encaminhado ao Presídio Estadual de Cachoeira do Sul.

O réu é reincidente, conforme Certidão Judicial Criminal."

Após representação da autoridade policial, foi decretada a prisão preventiva do indiciado em 10.09.2020 (Evento 11 dos autos nº 50573084620208210001), resultando cumprida em 25.11.2020 (Evento 25, doc. OFICIO/C1, fl. 06, dos autos nº 50573084620208210001).

A denúncia foi recebida em 12.01.2021 (Evento 3 dos autos originários).

Citado (Evento 6 dos autos originários), apresentou o acusado resposta escrita à acusação através de Defensor Público (Evento 13 dos autos originários).

Durante a instrução, foi ouvida a vítima, uma testemunha e interrogado o réu, sendo concedida a liberdade provisória ao acusado (Eventos 41 e 77 dos autos originários).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados nos eventos 81 e 84 dos autos originários.

Sobreveio sentença, considerada publicada em 15.09.2021 (Evento 86 dos autos originários), julgando procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 157, § 2º, inciso VII, do Código Penal, às penas, de 06 anos e 04 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 10 dias-multa, à razão mínima. Foi decretada a prisão preventiva do condenado (Evento 86 dos autos originários).

Irresignada, a defesa interpôs apelação, suscitando, preliminarmente, o reconhecimento de causa excludente da culpabilidade, eis que o acusado era dependente químico à época do fato e praticou o delito sob efeito de entorpecentes, não possuindo consciência da ilicitude do ato. No mérito, alegou insuficiência probatória, resumindo-se à palavra da vítima, a qual entende deve ser considerada com reservas e cautela, diante de seu interesse no deslinde do feito, pelo que requereu a absolvição. Subsidiariamente, pediu o afastamento da majorante do emprego de arma branca, ante a não apreensão da suposta faca utilizada pelo agente no cometimento do crime. Quanto às penas, requereu o redimensionamento da pena-base ao mínimo legal, afastando-se, sob fundamentos genéricos, a valoração, sob negativa da vetorial antecedentes, ou, mantida, a redução do quantum de aumento imposto; o afastamento da agravante de reincidência, pois seu reconhecimento viola o princípio non bis in idem; a aplicação de regime inicial aberto; e a isenção da pena de multa, visto a condição de hipossuficiência do apelante (Evento 100 dos autos originários).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (Evento 103 dos autos originários).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso da defesa (Evento 07 destes autos).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Da preliminar de exclusão da culpabilidade.

Assim, foi afastada, na sentença, a preliminar referida:

"(...)

I) DA PRELIMINAR:

Em sede preliminar a defesa alegou a excludente de culpabilidade, porquanto o acusado não teria pleno conhecimento dos atos praticados em razão da dependência química que o acomete, razão pela qual postulou sua absolvição com fundamento no art. 386, VI, do CPP.

Em seu depoimento, a vítima mencionou que no momento do roubo, o réu lhe exibiu uma faca dizendo que estava "possuído" e que precisava de dinheiro, além do que nas redondezas todos sabiam que Ronaldo era viciado e usuário de drogas.

No entanto, não foram produzidas provas no sentido de que o acusado padece de dependência química tamanha, a ponto de ocasionar transtornos psiquiátricos aptos a corroborar a afirmação de que não conseguia expressar sua vontade ou sabia que sua ação não constituía crime.

Não veio aos autos qualquer prova técnica nesse sentido, capaz de determinar que no momento da ação Ronaldo não ostentava discernimento.

Ademais, dentro do campo da culpabilidade, não há falar em inexigibilidade de conduta diversa. O fundamento, dentro do âmbito da exclusão da culpa (culpabilidade entre nós) só pode ser desenvolvido em situações em que o agente não dispõe de outro caminho senão aquele que lhe furta a capacidade de motivação normativa; e arrasta-lhe irresistivelmente para sua prática, “roubando-lhe toda a capacidade de se comportar diferentemente”1.

Daí dizer que o comportamento do acusado não se enquadra em causa que venha a albergar renúncia à censurabilidade penal, razão pela qual a preliminar arguida vai rejeitada.

(...)"

Com efeito, a dependência química, sequer demonstrada nos autos, por si só, não afasta a imputabilidade ou a culpabilidade do agente, nem o dolo da conduta, nada sendo produzido pela defesa ou verificado pelo juízo de origem a levantar dúvida sobre a capacidade do réu de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento.

Além disso, o uso voluntário de drogas ou de bebida alcoólica não afasta a imputabilidade penal do agente, nos termos do artigo 28, inciso II, do Código Penal, nem, por si só, reduz a reprovabilidade da conduta a justificar isenção ou redução de pena.

Nesse sentido, os julgados deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO-CRIME. ROUBO MAJORADO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. RESISTÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. 1. CRIME DE RESISTÊNCIA (2º FATO). EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. PENA CONCRETIZADA NA SENTENÇA. (...) 4 ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE DOLO. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. INIMPUTABILIDADE PENAL. NÃO RECONHECIMENTO. Dolo de subtração plenamente demonstrado nos autos. A dependência em drogas e álcool não importa em ausência de dolo, tampouco afigura-se excludente de culpabilidade, a não ser que demonstrada ser proveniente de caso furtuito ou força maior e causadora de comprometimento da higidez mental do agente. Teoria da actio libera in causa adotada pelo Código Penalart. 28, II e §§ do CP – e pela Lei de Drogas – art. 45. Elementos probatórios coletados na instrução processual que não permitem concluir, de forma cabal, que o incriminado, por ocasião do evento, tinha comprometida a consciência dos seus atos ou não possuía a plena capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta e de determinar-se conforme esse entendimento. Prova dos autos que não sugere comprometimento, seja da capacidade volitiva, seja da higidez mental do réu, ao revés, o laudo psiquiátrico legal realizado pelo Instituto Psiquiátrico Forense, em virtude da instauração de incidente de insanidade mental, concluiu ser o apelante inteiramente capaz de entender o caráter delituoso dos seus atos e de se determinar de acordo com este entendimento. Tipicidade afirmada. DE OFÍCIO, DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE QUANTO AO CRIME DE RESISTÊNCIA (2º FATO), PREJUDICADO O APELO, NO PONTO. QUANTO AO DELITO DE ROUBO MAJORADO (1º FATO), REJEITADA A PRELIMINAR. NO MÉRITO, IMPROVIDO O APELO.(Apelação Criminal, Nº 70082495292, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 26-08-2020) Grifei.

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE ENFRENTAMENTO DE TODAS AS TESES DEFENSIVAS AVENTADAS EM SEDE DE MEMORIAIS. REJEIÇÃO. (...) DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM FACE DO USO DE DROGAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE NÃO CONFIGURADA. A afirmação de que o réu era usuário de drogas não é suficiente para comprovar a sua inimputabilidade, como pretendido por sua defesa técnica. A dependência química (drogadição) que exclui a culpabilidade é a que retira do indivíduo sua capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato e autodeterminação de acordo com esse entendimento (inimputabilidade), fazendo-se imperativo que fique cabalmente comprovada nos autos através de exame médico-legal de verificação de insanidade mental – que deverá ser provocado por indícios claros e induvidosos de que o acusado padece de tal doença –,...

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