Acórdão nº 50022329120218210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50022329120218210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002006145
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5002232-91.2021.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio Simples (art. 121 caput)

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por ROGÉRIO MARQUES em face de decisão que pronunciou este por incurso na sanção do artigo 121, §§ 2º, incisos II, III e VI, e 2º-A, inciso II, do Código Penal (evento 88, SENT1).

Eis o teor da acusação:

Em data e hora não precisadas nas investigações, mas no período compreendido entre o dia 04 de janeiro de 2021, por volta das 21h29min, e o dia 06 de janeiro de 2021, por volta das 14h30min, em um terreno baldio, localizado na Rua Vinte de Setembro, n.º 830, Bairro Centro, no Município de Bagé/RS, o denunciado ROGÉRIO MARQUES matou a vítima Duda Life.

Na ocasião, o denunciado dirigiu-se à Praça da antiga Estação Rodoviária, bairro Centro, nesta Cidade, onde manteve contato com a vítima, conhecida como Duda Life, que fazia ponto no local, contratando a realização de um “programa” sexual, mediante pagamento.

Ato contínuo, deslocaram-se até um terreno baldio, onde a vítima fez sexo oral no denunciado, o qual, após, praticou sexo anal com ela.

Na sequência, o denunciado, após desacerto relativo ao valor do “programa” sexual, desferiu, de inopino e com "animus necandi", múltiplos golpes com instrumento corto-contundente (barra de ferro) na cabeça da vítima, bem como introduziu um galho de árvore no ânus dela, conforme Laudo Pericial n.º 4612/20213 , causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial n.º 5251/20214 , que apontou como causa mortis “traumatismo crânio encefálico”

O delito foi praticado por motivo fútil, oriundo de desacerto relativo ao valor pelo “programa” sexual, motivo ínfimo e desproporcional para reação tão brutal e violenta.

O crime foi cometido com emprego de meio cruel, porquanto o denunciado atacou a vítima com extrema violência, golpeando-a, na cabeça, com múltiplos golpes com instrumento corto-contundente (barra de ferro), bem como introduziu, no ânus dela, um galho de árvore, o que lhe impingiu intenso e desnecessário sofrimento, revelando uma brutalidade fora do comum, em contraste com o mais elementar sentimento de piedade.

O delito foi praticado, ainda, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, a qual, desarmada, foi surpreendida e atacada de inopino pelo denunciado, que lhe desferiu múltiplos golpes com instrumento corto-contundente (barra de ferro) na cabeça, dificultando qualquer reação defensiva.

Ademais, o crime foi cometido contra mulher transgênero, com menosprezo e discriminação à condição de transexual da vítima.

O Ministério Público pretende a admissão da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (evento 104, RAZRECUR1).

Rogério, por sua vez, busca a absolvição sumária, ao argumento de que agiu em legítima defesa. Subsidiariamente, requer a desclassificação diante do excesso culposo na legítima defesa. Por fim, caso mantida a pronúncia, postula o afastamento das qualificadoras (evento 107, PET1).

Com as contrarrazões (evento 109, CONTRAZ1 e evento 112, CONTRAZ1), vieram os autos a esta instância, onde exarou promoção o Procurador de Justiça (evento 8, PARECER1), manifestando-se no sentido do desprovimento do recurso defensivo e do provimento daquele interposto pelo Ministério Público.

VOTO

Colhe-se que ROGÉRIO MARQUES se encontra pronunciado pelo homicídio de Reinoldo Scarton Almeida Moraes, de nome social Duda Life, cujo corpo foi localizado, sem vida, no dia 06 de janeiro de 2021, registrando o laudo de local do crime que aquele foi encontrado com um "galho proveniente da vegetação ao redor introduzido na região anal (...) em decúbito lateral esquerdo com o tronco sobre o braço e antebraço esquerdo. O braço direito seguia a linha do tronco porém não encostando no mesmo, antebraço direito flexionado em 90 graus na altura do cotovelo e mão dirita poiada sobre um tijolo. Membros inferiores juntos e apoiando o direito sobre o esquerdo, sendo: membro inferior esquerdo flexionado em cerca de 90 graus na altura do quadril e flexionado em cerca de 90 graus na altura do joelho e membro inferior direito flexionado em cerca de 45 graus na altura do quadril e 45 graus na altura do joelho. A cabeça estava levemente inclinada à esquerda e a face lateral esquerda em contato com o solo" ( fls. 23/35 - evento 1, DOC1).

E realizado o exame de necropsia, concluiu o médico perito que "a causa mortis foi de traumatismo crânio encefálico", registrando o laudo precitado, ainda, a existência de múltimas lesões na vítima ("presença de hematoma traumático arroxeado em região frontal e partietal esquerda, lesão corpo contusa em região occipital de formato estrelado com arrancamento de couro cabeludo (...) lesão incisa em supercílio direito com 2 centímetros, dematoma arroxeado em região periorbicular esquerda (...) extensa área de hematoma arroxeado acompanhado de escoriações punctórias em região anterior e posteiror do tórax (...) hematoma arroxeado acompanhado de escoriações em toda extensão do quadril à esquerda e face externa da coxa esquerda (...) escoriações em dorso da mão direita, pequena equimose arroxeada em antebraços").

Assim posta a questão, tem-se que a absolvição sumária exige demonstração da presença da alegada circunstância que exclui o crime ou isenta de pena - ônus da defesa, pois à acusação incumbe a prova do fato e da autoria deste -, porquanto, diversamente do que ocorre na hipótese de decisão definitiva proferida por juiz singular, em que fundada dívida acerca da presença da excludente a antijuridicidade enseja solução absolutória, na fase do judicium accusationis, somente determina a sumária absolvição a efetiva demonstração de que agiu o réu ao abrigo de alguma das causa de exclusão do crime.

Em, no caso vertente a excludente da legítima defesa se encontra exclusivamente nas razões apresentadas pela defesa técnica, de modo que seu reconhecimento encontra óbice nas declarações do próprio acusado, que, ouvido em três oportunidades, ofereceu, em cada uma delas, versão diversa para os fatos que lhe são imputados.

Neste sentido, vê-se que, na fase das indagações, o acusado primeiramente recusou a ocorrência de qualquer desentendimento com a vítima e afirmou que ela não lhe cobrava para manter relação sexual, pois eram amigos ("Que de uns meses pra cá, o declarante tinha transado umas vinte vezes com Duda, mas ela nunca cobrou pelos programas. Que o declarante não pagou o programa, pois Duda não cobrou, já que eram amigos (...) Que quando saiu do terreno, Duda ainda estava viva. Que não teve qualquer desentendimento entre o declarante e Duda. Que não foi o autor do homicídio") - fls. 47/48 - evento 1, DOC1

Novamente ouvido, reconheceu que teria combinado com a vítima "de fazer um programa, que ficou acertado no valor de R$ 10,00" e que "depois do programa, Duda e o depoente passaram a discutir em virtude do valor, no que Duda queria que o depoente lhe pagasse R$ 20,00 e o depoente disse que só pagaria o acertado R$ 10,00", e que essa desavença evoluiu para embate físico, "quando achou uma barra de ferro ali mesmo e deu uma paulada na cabeça dele que caiu no chão" - fls. 49/50 - evento 1, DOC1)

Posteriormente, na fase judicial, Rogério afirmou que não conhecia a vítima, e teria sido a primeira oportunidade que manteve relação sexual com Duda, com quem teria discutido, efetivamente, em virtude do valor do programa ("fizemo o programa tudo, ai a discussão foi pelo dinheiro mesmo"); e, com relação à dinâmica dos fatos, explicou que a barra de ferro referida estava em poder da vítima, que com aquele instrumento teria lhe agredido antes que ele se apoderasse do artefato, com o qual o acusado, tendo-o em sua posse, desferiu um único golpe contra região periférica do corpo de Duda, que não teria resultado lesionada e que estaria fisicamente bem quando ele deixou o local ("quem começo a agressão foi ela, que eu tenho a marca no braço também, que ela me corto também (...) ela estava com a barra de ferro (...) aí aconteceu que eu revidei, eu dei uma paulada nela também, mas eu só dei uma que eu fui embora, eu não fiquei no terreno ali (...) não foi na cabeça, foi entre o braço e pescoço, o ombro assim").

Mais, questionado a respeito do segundo depoimento prestado na fase das indagações, e do fato de o óbito da vítima ter ocorrido em virtude de traumatismo cranioencefálico, bem assim acerca da circunstância de um pedaço de madeira ter sido...

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