Acórdão nº 50022673120208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50022673120208210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001605723
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002267-31.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: FABIO AROCHA PEREIRA (AUTOR)

APELADO: MALTA NEVES ENGENHARIA LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por FABIO AROCHA PEREIRA contra a sentença de improcedência proferida nos autos da "ação de obrigação de fazer cumulada com perdas e danos e indenização por dano moral" contra MALTA NEVES ENGENHARIA LTDA.

Fins de evitar indesejável tautologia, colaciono relatório da sentença (evento 64):

"Vistos, etc...

FABIO AROCHA PEREIRA ajuizou a presente ação de obrigação de fazer cumulada com perdas e danos e indenização por dano moral contra MALTA NEVES ENGENHARIA LTDA. Diz o autor ter firmado com a ré contrato de empreitada global, no valor de R$ 71.000,00, tendo por objeto a construção de um imóvel de alvenaria, situado nesta cidade, na Rua Leopold Brod, nº 6844, interior 64, no Bairro Três Vendas, dentro do Programa Minha Casa Minha Vida. Afirma que o prazo para entrega da obra era de quatro meses, conforme conversa de WhatsApp mantida com o engenheiro responsável, Sr. André Silveira Neves. Sustenta que a obra não foi entregue no prazo previsto e apresenta diversos vícios de construção. Afirma que a ré e o engenheiro não verificaram a habitabilidade do local e iniciaram a construção do imóvel sem que fosse realizada a instalação de água e luz, nem liberado o habite-se.

Afirma que a obra foi entregue somente em dezembro de 2019, com 8 meses de atraso. Descreve os vícios de construção do imóvel. Sustenta a responsabilidade da construtora pelos defeitos verificados. Entende caracterizado dano moral. Alega a má qualidade do material empregado na obra. Invoca o CDC. Requer a procedência da ação, com a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material, a ser quantificado através de perícia técnica, bem como ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na reforma do imóvel conforme indicado pelo perito, e indenização a título de lucros cessantes, no valor de 0,5% por mês de atraso, calculada sobre o valor de mercado do imóvel, a ser apurado em cumprimento de sentença, ao pagamento de R$ 10.000,00, decorrente da cláusula prevista para o caso de desistência do aderente, mais indenização por dano moral, no valor de R$ 17.750,00. Postula, ainda, o benefício da justiça gratuita. Anexou os documentos constantes do Evento 1.

Foi deferido o benefício da justiça gratuita (Evento 3).

Contestou a ré (Evento 23), requerendo a retificação do polo passivo para que conste como requerida MALTA NEVES FUNDAÇÕES LTDA. Afirma que a obra foi totalmente executada e o imóvel está em condições de ser habitado, uma vez que o engenheiro da Caixa Econômica Federal, que realizou a vistoria técnica, atestou a conclusão. Alega que as instalações das redes de energia elétrica e água não eram de sua responsabilidade. Nega a culpa pelo atraso na entrega do imóvel. Sustenta que todos os reparos necessários na obra já foram realizados. Diz que o habite-se não foi expedido em razão de débito do autor relativo ao IPTU. Rebate as demais Processo 5002267-31.2020.8.21.0022/RS, Evento 64, SENT1, Página 1 alegações da inicial. Impugna o pleito indenizatório. Requer a improcedência da ação, reputando-se o autor litigante de má-fé. Anexou os documentos constantes do Evento 23.

Houve réplica (Evento 29).

Em audiência (Evento 62), inexitosa conciliação, foi inquirida uma testemunha.

As partes apresentaram memoriais (Eventos 59 e 60).

É o relatório. Decido".

Ato contínuo, foi proferido o dispositivo nos seguintes termos:

"Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação. Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários, arbitrados em 10% do valor da causa, atendidos os critérios legais disponíveis. Suspendo a execução das verbas da sucumbência, ante o benefício da gratuidade processual.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se".

Em suas razões recursais (evento 69), a parte autora/apelante requereu a reforma da sentença. Disse que a parte recorrida alegou que o atraso se deu por causas externas a serem imputadas ao Poder Público, ao mau tempo e à multa de IPTU, a qual teria impedido a liberação do Habite-se, o que foi acatado pelo juízo a quo, sem levar em consideração as provas trazidas pela parte autora, tanto documental quanto produzidas em audiência. Aduziu que a sentença entendeu que não houve descumprimento contratual e nem ilícito praticados pela recorrida, pois, em síntese, ela teria corrigido os vícios e entregue a obra. Discorreu sobre a jurisprudência, salientando que o prejuízo é presumido em caso de atraso na obra. Salientou se tratar de relação de consumo. Reiterou que a obra não atrasou porque houve atraso na liberação do Habite-se, conforme quis fazer parecer a parte recorrida, mas sim, porque apresentou diversos vícios, não sendo aprovada pela vistoria da CEF, sendo necessário que diversas etapas fossem refeitas, o que admite a parte recorrida. Disse que, se a obra tivesse sido executada dentro das normas técnicas exigidas, por certo não haveria atraso. Reiterou que o engenheiro e sua construtora foram, sem dúvidas, responsáveis pelo atraso na obra. Afirmou que, tratando-se da concretização de direito social fundamental, atraso de oito meses não pode ser considerado razoável, até porque, como demonstrado, a jurisprudência do TJRS não admite atrasos na entrega da obra contratada. Pugnou pelo provimento do apelo, com o julgamento de procedência dos pedidos da inicial.

Sobrevieram contrarrazões (evento 75).

Subiram os autos a este Tribunal de Justiça, sendo distribuídos a minha Relatoria.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido indenizatório, em que a parte autora/apelante alega que a ré/apelada não cumpriu integralmente com o acordado, relatando atraso na entrega da obra e vícios na construção, que comprometeram a qualidade do produto.

Sobreveio sentença de improcedência da ação, contra a qual se insurge a parte autora.

Pois bem.

No nosso sistema jurídico não há restrição para contratar, bastando para tanto a manifestação livre de vontade para que a relação jurídica se forme.

No entanto, certos requisitos devem ser observados quando da contratação, dentre eles, deve-se atentar para os princípios da função social do contrato e da boa-fé, conforme aludem os art. 421 e 422, ambos do CC/021.

O art. 422 do Código Civil, ao definir que os contratantes são obrigados a observar a probidade e a boa-fé, tanto na conclusão do contrato, quanto na sua execução, veio a reforçar a ideia do pacta sunt servanda.

Por outro lado, o art. 422 do diploma legal precitado, com o emprego de expressões vagas, permitiu que o juiz verificasse, ao analisar o caso concreto, se as partes contratantes obedeceram ao princípio da boa-fé ao contratar, ou se algum dos contratantes utilizou-se da má-fé, viciando, assim, o negócio jurídico entabulado entre as partes.

Portanto, é indispensável nesse tipo de contratação, a confiança recíproca, ou seja, a segurança de ambas as partes, no que tange ao cumprimento do pactuado.

Incontroverso nos autos que as parte celebraram contrato de empreitada global (fls. 188/189), cuja obrigação da ré era, conforme CLÁUSULA PRIMEIRA:

"Executar para o contratante, imóvel residencial a ser construído na Avenida Leopoldo Brod nº 6844, interno 64, matrícula 73.058, do Registro de Imóveis de Pelotas, com área de construção de 45,05 m² (quarenta e cinco metros quadrados). Serviços a serem prestados:

a) Projeto Arquitetônico e complementares para aprovação na Prefeitura e Caixa Econômica Federal, feitos pela contratada ou por terceirizado por esta;

b) Entrega, acompanhamento e liberação da construção junto aos órgãos públicos;

c) Ser proponente junto ao financiamento junto à Caixa Econômica Federal, entregando toda documentação solicitada;

d) Execução da obra sob forma de Empreitada Global, ou seja, com fornecimento de material e mão-de-obra;

e) Entrega do imóvel pronto e com condições totais de habilibilidade".

Conforme lição do jurista Hamid Charaf Bdine Júnior 1, o contrato de empreitada é o contrato pelo qual um dos contratantes (empreiteiro) se obriga a concluir determinada obra em favor do outro (dono da obra), mediante remuneração determinada ou proporcional ao que for concluído, sem que se estabeleça relação de subordinação entre eles, fornecendo pessoalmente o material utilizado ou recebendo-o do proprietário”.

Desta forma, o objeto desse tipo de negócio jurídico é a obra concluída, e não a atividade desenvolvida, ou seja, é "a realização de uma obra a ser paga por aquele que irá recebê-la 2.

Quanto ao prazo, o contrato foi firmado em 30 de julho de 2018, com prazo de entrega para 180 dias, "contados da liberação para início" podendo ser prorrogado em hipóteses específicas previstas na CLÁUSULA QUARTA, como, ocorrência de caso fortuito ou força maior (a).

Assim, como o contrato com a agente financiadora (CEF) foi firmado em outubro de 2018 (fls. 29/45), tem-se que a partir de então passou a contar o prazo, pois este é o termo inicial para liberação dos recursos.

Nesse sentido, a troca de mensagens à fl. 53 corrobora a informação de que o prazo passou a contar da assinatura do contrato com a Caixa, com termo final, portanto, em abril de 2019.

No caso, é fato incontroverso que houve atraso na entregaa do imóvel, todavia, a construtora ré tenta imputar a mora a circunstâncias alheias a sua vontade, como a demora dos entes públicos em realizar as...

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