Acórdão nº 50022745520178210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 13-07-2022

Data de Julgamento13 Julho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50022745520178210013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002284060
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5002274-55.2017.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Violação aos Princípios Administrativos

RELATOR: Desembargador FRANCESCO CONTI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: MUNICÍPIO DE JACUTINGA (AUTOR)

APELANTE: BTN - TRANSPORTES LTDA - ME (RÉU)

APELANTE: EDSON TORTELLI (RÉU)

APELANTE: FLORI NAZZARI (RÉU)

APELANTE: NP TRANSPORTES LTDA (RÉU)

APELADO: EDEGAR ANTONIO MENIN (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por EDSON TORTELLI, FLORI NAZZARI, BTN TRANSPORTES LTDA. ME e NP TRANSPORTES LTDA., nos autos da ação por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo primeiro em face dos segundos e de EDEGAR ANTONIO MENIN, contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 3, PROCJUDIC23, fls. 14/29, origem):

Ante o exposto:

a) Julgo IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face de EDEGAR ANTÔNIO MENIN.
Sem honorários.
b) julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face de EDSON TORTELLI, FLORI NAZZARI, NP TRANSPORTES LTDA.
e BTN TRANSPORTES LTDA. para, reconhecendo a prática de atos de improbidade administrativa, aplicar:
b.l) aos réus EDSON TORTELLI e FLORI NAZZARI a suspensão dos direitos políticos por 03 (três) anos, o pagamento de multa civil no equivalente a 05 (cinco) vezes o valor da remuneração percebida por cada um desses demandados na época em que formalizado o contrato nº 2237/2011, valores corrigidos monetariamente pelo IGP-M, e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 03 (três) anos; e
b.2) às requeridas NP TRANSPORTES LTDA.
e BTN TRANSPORTES LTDA., a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócias majoritárias, pelo prazo de 03 (três) anos.
Diante da sucumbência mínima do Ministério Público, caberá aos réus EDSON TORTELLI, FLORI NAZZARI, NP TRANSPORTES LTDA.
e BTN TRANSPORTES LTDA. pagar as custas e despesas processuais.
Sem honorários.

Opostos embargos de declaração, que foram desacolhidos (evento 3, PROCJUDIC24, fls. 3/4, origem).

O Ministério Público, em suas razões (evento 3, PROCJUDIC23, fls. 32/39, origem), alegou que a assinatura dos contratos de locação de veículos de transporte escolar, com o recebimento do valor pactuado, redundou em ato que importa em enriquecimento ilícito dos servidores Flori e Edson, que recebiam remunerações como motoristas e ainda conduziam os próprios veículos locados por intermédio das empresas que faziam parte. Disse que houve cometimento de improbidade caracterizadora de lesão ao erário. Refutou a tese do ex-Prefeito de que os processos foram conduzidos pela Comissão de Licitações sem interferência sua, porquanto a homologação é ato privativo do Prefeito, sobre o qual detém responsabilidade. Afirmou não ser crível que, numa cidade do porte de Jacutinga, o Prefeito desconhecesse os nomes dos sócios das empresas vencedoras das licitações e seus vínculos. Defendeu que há enriquecimento ilícito, pois não houve justa causa para auferimento das quantias percebidas pela prestação de serviços de transporte escolar concomitantemente com a remuneração laborativa. Requereu o provimento do recurso.

Edson, Flori, NP Transportes e BTN Transportes, em seu recurso (evento 3, PROCJUDIC24, fls. 9/38, origem), sustentaram que a sentença é ultra e extra petita em relação às empresas BTN e NP, pois o Ministério Público não requereu a condenação das mesmas na inicial. Alegaram que os réus eram meros motoristas, ocupavam cargos sem qualquer espécie de ingerência sobre o processo licitatório. Mencionaram que a BTN era a única empresa de transporte no Município de Jacutinga, e que a proposta ofertada era em média 35% inferior à segunda melhor. Referiram que a NP não foi criada para fraudar processo licitatório, tendo sido aberta pelos sócios Leoni e Pedro de forma lícita. Teceram considerações acerca da prova testemunhal colhida, mencionando a parcialidade na condução da audiência pelo juízo. Reforçaram que a NP foi constituída somente por Leoni e Pedro. Subsidiariamente, postulou a redução das penalidades, afastando-se a suspensão de direitos políticos e de proibição de contratar com o Poder Público. Requereu o provimento do apelo.

Apresentadas contrarrazões por Edegar (evento 3, PROCJUDIC23, fls. 49 e seguintes, origem) e por Edson, Flori, NP Transportes e BTN Transportes (evento 3, PROCJUDIC24, fls. 41 e seguintes, origem), que alegaram preliminar de não conhecimento do apelo do MP.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo dos réus e pelo provimento do apelo do Ministério Público (evento 7).

Intimadas as partes para que se manifestassem sobre a incidência da Lei nº 14.230/21 ao caso concreto (evento 9).

BTN Transportes, NP Transportes, Edson e Flori postularam a aplicação da Lei nº 14.230/21, com o afastamento da condenação por violação aos princípios, considerando a revogação do inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429/92 (evento 19).

O Ministério Público postulou o reconhecimento da irretroatividade da Lei nº 14.230/21 ou, subsidiariamente, a suspensão do feito até o julgamento do Tema nº 1.199 do STF (evento 29).

A Procuradoria de Justiça opinou pela impossibilidade de retroação da referida lei (evento 27).

VOTO

De início, rechaço a preliminar de não conhecimento do apelo do Ministério Público. Em que pese o pleito de condenação dos réus Edson, Flori, NP Transportes e BTN Transportes por ato que importa em enriquecimento ilícito e lesão ao erário se funde essencialmente nos argumentos lançados em memoriais, estes são suficientes a infirmar, em tese, a sentença no que diz respeito ao mencionado enquadramento.

Portanto, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos.

A questão trazida a lume diz respeito a pleito de condenação de servidor público pelo cometimento de ato de improbidade administrativa.

Segundo o Ministério Público, os réus Flori e Edson - servidores ocupantes de cargos de Motorista do Município de Jacutinga -, por meio das empresas BTN Transportes Ltda (da qual eram sócios) e posteriormente por meio da NP Transportes Ltda (com a utilização de "laranja"), firmaram contrato com o Município de Jacutinga para a prestação de serviço de locação de veículos para transporte escolar em 2011 e 2012, respectivamente.

Alega o MP que, por serem servidores municipais, não poderiam as empresas dos réus Flori e Edson ser contratadas pelo Município, conduta vedada pelo art. 9º, III, da Lei nº 8.666/93, então vigente1.

Ainda, quanto ao réu Edgar, então Prefeito Municipal, narra o MP ter sido responsável por frustrar a licitude do Convite 15/2011 (do qual vencedora a BTN Transportes) e da Tomada de Preços 05/2012 (da qual licitada a NP Transportes).

O Ministério Público postulou a condenação dos réus Flori, Edson, BTN Transportes e NP Transportes pela conduta prevista no arts. 9º, XI, e subsidiariamente na conduta do art. 10 VIII, e subsidiariamente na conduta do art. 11, I, da Lei nº 8.429/92, em sua redação original2.

Já o réu Edgar, postula o MP sua condenação pela conduta prevista no art. 10, I3 e VIII, e subsidiariamente na conduta do art. 11, I, do mesmo diploma.

Antes de adentrar o mérito, deve ser afastada a preliminar de sentença ultra petita.

Em que pese o pedido final formulado na inicial tenha sido formulado para "condenar os demandados FLORI NAZZARI E EDSON TORTELLI em benefício das empresas BTN TRANSPORTES LTDA., e NP TRANSPORTES LTDA.,pela prática de ato de improbidade administrativa tipificados no inciso XI, do art. 9° e, subsidiariamente, nos inciso VIII, do, artigo 10, e inciso I, do art. 11, todos da Lei n° 8.429/92, sujeitando-o às penas previstas no art. 12, inc. I da lei de improbidade administrativa e/ou, subsidiariamente, nas sanções do art. 12, inc. II ou III, do mesmo diploma legal, bem como condenar o demandado EDGAR MENIN nos atos de improbidade administrativa previstos nos incisos I e VIII, do artigo 10 e, subsidiariamente, inciso I, do art. 11 com o sancionamento previsto no art. 12, Inc. II e, subsidiariamente, nas penas do art. 12, inc. III da Lei n° 8.429/92" (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 17, origem), a interpretação do pedido deve ser analisada a partir do conjunto da postulação, observando-se a boa-fé4.

Assim, levando em conta que a inicial arrola como réus, além de Edgar, Edson e Flori, as empresas NP Transportes e BTN Transportes, e considerando a narrativa fática e jurídica, inclusive com a menção à possibilidade de condenação dos "réus não-servidores públicos" prevista no art. 3º da Lei nº 8.429/92, não há como se reconhecer que a condenação das pessoas jurídicas apontadas configure vício ultra petita.

Ainda, impera a definição da legislação aplicável ao caso concreto, considerando o advento da Lei nº 14.230/21 que estabeleceu "novo sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa", com expressa previsão de que "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Por tal passo, a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador resulta na necessidade de reconhecimento da retroatividade da norma mais benéfica ao réu, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a...

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