Acórdão nº 50023605220208210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50023605220208210035
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003089258
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002360-52.2020.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: VIA PORTO VEICULOS LTDA (RÉU)

APELADO: ROBERTO CARDOSO GONCALVES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por VIA PORTO VEÍCULOS LTDA em face da sentença proferida nos autos da ação indenizatória ajuizada por ROBERTO CARDOSO GONÇALVES.

Adoto o relatório da sentença:

ROBERTO CARDOSO GONCALVES ajuizou ação indenizatória em face de VIA PORTO VEÍCULOS LTDA. Relatou que, no dia 21/03/2020, adquiriu junto à concessionária ré o veículo Siena Attractive 1.4 na condição de taxista, adimplindo o montante de R$ 44.564,59. Disse que, em razão da pandemia de COVID-19, a ré solicitou a dilação de prazo para entrega do automóvel, o qual foi recebido pela concessionária somente em 12/05/2020. Aduziu que, no dia 15/05/2020, um funcionário da ré enviou-lhe fotografias que evidenciavam um arranhão profundo no teto do veículo; que, na oportunidade, foi informado que o veículo teria sido removido para Porto Alegre/RS para realização do reparo. Referiu que somente foi contatado para buscar o bem cerca de quinze dias depois, após várias cobranças. Sustentou que a conduta da ré causou-lhe abalo moral, vez que recebeu um veículo zero quilômetro avariado. Salientou que, no período de 15 a 27 de maio de 2020, ficou impossibilitado de trabalhar e obter renda, vez que não dispunha de seu veículo de trabalho; que, além disso, sequer poderia utilizar outro automóvel para exercer suas atividades, pois não possuiria a placa de taxista. No mais, teceu comentários acerca da matéria de direito que entende aplicável à espécie. Requereu, ao final, a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor equivalente a dez salários-mínimos bem como de indenização a título de lucros cessantes, observado o valor diário auferido de R$ 500,00. Intimado (evento 03), o autor comprovou sua hipossuficiência financeira (evento 06), pelo que foi recebida a inicial, deferida a benesse judiciária e determinada a remessa dos autos ao CEJUSC (evento 08).

Citada (eventos 22 e 23), a ré apresentou contestação. De início, alegou sua ilegitimidade passiva, vez que o autor efetuou compra direta com a fabricante do veículo, a fim de ver concedida a isenção de impostos para taxistas; que, dessa forma, o bem é faturado diretamente pela montadora, que recebeu o valor integral da compra. Concluiu, assim, que somente foi a concessionária escolhida pelo autor para encaminhamento do pedido de venda direta, tendo em vista que a fabricante somente entrega os veículos nas concessionárias da rede. Ainda, impugnou o pedido de gratuidade de justiça formulado pelo autor, salientando que, com proventos diários de R$ 500,00, conforme alega para fins indenizatórios, sua renda mensal excede o teto da benesse. No mérito, referiu que o atraso na entrega do veículo ocorreu por conta de força maior, tendo em vista o fechamento de todos os estabelecimentos em razão da pandemia de COVID-19, e invocou o artigo 393 do Código Civil. Referiu que o pleito de indenização por dano material é infundado, vez que o autor indica valores aleatórios e sem comprovação. Pontuou, ainda, que tal pedido beira a má-fé, tendo em vista a discrepância entre o valor que alega auferir e aqueles declarados perante a Receita Federal. Referiu que o autor já possuía veículo de trabalho e que o novo automóvel só poderia ser utilizado como táxi após seu registro junto ao órgão municipal competente. Salientou que o dano na carroceria do veículo ocorreu durante seu transporte e que é situação simples, que ocorre em muitos casos, tendo sido imediatamente resolvida pela fabricante com polimento. No mais, rebateu a tese de abalo moral. Requereu o acolhimento da preliminar arguida e, no mérito, a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documentos.

As partes postularam o cancelamento da audiência de autocomposição (eventos 25 e 28), o que foi indeferido (evento 33). Realizada a solenidade, a conciliação restou inexitosa (evento 33). Adiante, houve réplica (evento 43). Em saneamento, foi rejeitada a impugnação à gratuidade de justiça formulada pelo réu e determinada a intimação das partes para que indicassem o interesse na produção de provas (evento 46), oportunidade em que o autor requereu a colheita de prova oral (evento 50). Realizada audiência de instrução e julgamento, foi ouvida a testemunha Orlando Rodrigues Damaceno (evento 90). A parte autora apresentou alegações finais escritas (evento 93). Vieram os autos.

Sobreveio sentença de procedência, cujo dispositivo se transcreve:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ROBERTO CARDOSO GONÇALVES em face de VIA PORTO VEÍCULOS LTDA., para o fim de condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00 a título de indenização por danos morais, montante que deverá ser atualizado monetariamente desde a data de assinatura da presente decisão e acrescido de juros de mora de 1% desde 12/05/2020; ainda, arcará o réu com o pagamento de indenização por lucros cessantes, a qual será arbitrada por meio de liquidação de sentença. Sucumbente, arcará a parte ré com o pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do procurador que representa a parte autora, verba que fixo em 20% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil.

Foram opostos embargos de declaração pelo autor, os quais restaram desacolhidos.

A parte ré interpôs recurso de apelação. Em razões sustentou, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva, argumentando que a compra do veículo foi feita diretamente da fabricante FIAT, sendo a concessionária requerida apenas escolhida pelo autor para encaminhamento do pedido. Destacou que não houve relação de compra e venda ou de proveito econômico entre autor e a concessionária de veículos recorrente. Impugnou a gratuidade judiciária concedida ao demandante, sustentando não fazer jus ao benefício. No mérito, alegou que o autor postulou a condenação em lucros cessantes, todavia, não fez qualquer comprovação dos danos materiais alegados, devendo ser julgada improcedente a demanda no ponto. Insurgiu-se contra a determinação de arbitramento de valores em liquidação de sentença. Afirmou que o juízo de origem deixou de apresentar fundamentos para a condenação em danos morais. Ressaltou que o atraso na entrega do veículo ocorreu em razão da pandemia de Covid-19, e que o pleito de indenização por danos morais não prospera, visto que não houve comprovação de abalo moral. Destacou que o arranhado da carroceria do veículo ocorreu durante o transporte do fabricante, sendo que um simples polimento realizado em garantia pelo fabricante teria resolvido o problema, sendo que a carroceria do veículo tem garantia de fábrica de 5 (cinco) anos, sem qualquer tipo de prejuízo ao apelado. Pediu o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões.

Foi o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Recebo o recurso eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Preliminar de ilegitimidade passiva

Inicialmente, cabe frisar que a demandada é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda.

A parte requerida argumenta que a compra do veículo foi feita diretamente da fabricante FIAT, sendo a concessionária apenas escolhida pelo autor para encaminhar a compra para o fabricante e para efetivar a entrega do carro.

A respeito da questão, cabe trazer à tona a responsabilidade objetiva e solidária das empresas fornecedoras de produto, por força do disposto nos arts. 3º, §§ 1º e 2º, 14 e 18, do CDC:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

(...)

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...)

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

A melhor exegese dos arts. 14 e 18 do CDC indica que todos aqueles que participam da introdução do produto ou serviço no mercado devem responder solidariamente por eventual defeito ou vício, isto é, imputa-se a toda a cadeia de fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação. (REsp 1077911/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 14/10/2011).

No caso, a requerida realizou o atendimento do autor na concessionária, formalizou o pedido de compra à fabricante e entregou o veículo, além de...

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