Acórdão nº 50023686520218210044 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50023686520218210044
ÓrgãoNona Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002980436
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002368-65.2021.8.21.0044/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: SILVERIO JOSE CARON (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

EMENTA

Apelação CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMARCA DE Encantado. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERÍODO DE JANEIRO E MARÇO DE 2021. CURA DO FUMO. DANO MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA DOS FATOS CONSTITUTIVOS. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO.

  1. A CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FORNECEDORA DE ENERGIA ELÉTRICA RESPONDE PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES, POR DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, DE FORMA OBJETIVA DE ACORDO COM O ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  2. PARA HAVER JUÍZO CONDENATÓRIO, HÁ NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DOS FATOS, POIS INCUMBE À PARTE AUTORA A PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO AFIRMADO (ART. 373, I).
  3. SITUAÇÃO DOS AUTOS EM QUE O CONTEXTO PROBATÓRIO NÃO SE MOSTRA SUFICIENTE A EFEITO DE FIRMAR JUÍZO CONDENATÓRIO RELATIVAMENTE AO ALEGADO PREJUÍZO MATERIAL, VISTO QUE RESTOU AUSENTE PROVA MÍNIMA SUFICIENTE A COMPROVAR O EFETIVO PREJUÍZO SOFRIDO COM O FUMO, considerando a resposta do ofício da Prefeitura Municipal de Anta Gorda/RS que demonstra não haver nenhuma movimentação de bloco de produtor rural da parte autora nos períodos de 01/01/2020 até 22/02/2022, conforme relatório analítico de movimentação anexado aos autos.
  4. SE NÃO BASTASSE, O AUTOR NEM SEQUER OBSERVOU AS NORMAS DO PROCEDIMENTO PARA RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS DECORRENTES DO USO DE ENERGIA ELÉTRICA DEFINIDOS EM RESOLUÇÃO DO AGENTE REGULADOR DO SETOR, NOTADAMENTE NO QUE SE REFERE À COMUNICAÇÃO DO EVENTO DANOSO E A OPORTUNIZAÇÃO DE VISTORIA DO FUMO AVARIADO, O QUE IMPEDE O ESTABELECIMENTO DA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO SEGURA A PERMITIR A RESPONSABILIZAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA DEMANDADA.
  5. Precedentes jurisprudenciais. SENTENÇA DE improcedência mantida.

RECURSO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por SILVERIO JOSE CARON, nos autos da ação de indenização por danos materiais ajuizada em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao procurador da requerida, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, conforme art. 85, §2°, do Código de Processo Civil, restando suspensa a exigibilidade em face da assistência judiciária gratuita deferida.

A parte autora, em seu recurso de apelação, defende fazer jus à reparação do prejuízo material reclamado. Refere que os danos estão comprovados pelas provas juntadas nos autos, sendo que o prejuízo foi apurado por um profissional da área e acompanhado de fotografias. Alega que as provas e alegações trazidas pelo recorrido, não merecem procedência uma vez que foram produzidas de forma unilateral, sendo inverídicas. Afirma que a prova produzida pelo recorrente não é frágil, não é tendenciosa, é convicta. Discorre sobre a responsabilidade objetiva da concessionária ré e a impossibilidade de penalizar o autor pela má prestação de serviços do réu. Requer o provimento do recurso para que seja julgando procedente o pedido deduzido na inicial, bem como o prequestionamento da matéria e a inversão do ônus sucumbenciais.

Apresentadas contrarrazões pelas partes, foram os autos remetidos a esta Corte e, após distribuição por sorteio, vieram a mim conclusos para julgamento.

É o relatório.

Decido.

2. Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Além disso, o recurso comporta julgamento monocrático, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXXVIII, da CF, e 932 do CPC, e 206, XXXVI, do Regimento Interno desta Corte, considerando o princípio da razoável duração do processo e que se trata de matéria há muito sedimentada no âmbito desta Corte, conforme adiante se verá.

Trata-se de recurso de apelação em ação que envolve direito do consumidor decorrente da interrupção no fornecimento de energia elétrica a cargo da empresa demandada, mediante alegação da parte autora de que sofreu prejuízo em razão da ausência de energia elétrica exatamente no período em que desenvolvia a atividade de secagem do fumo, em razão da perda da qualidade do produto. A falta de energia elétrica segundo a inicial teria se estendido entre as 09h20min do dia 26/01/2021 até às 17h35min do dia; entre as 10h40min do dia 02/03/2021 até às 11h30min do dia 04/03/2021; entre as 22h40min do dia 15/03/2021 até as 13h30min do dia 17/03/2021, o suficiente para a perda da qualidade do produto.

A sentença foi de improcedência da pretensão, forte no entendimento de ausência de prova acerca dos fatos constitutivos do direito da parte autora, bem como da demonstração pela demandada de ocorrência de eventos climáticos severos nos períodos referidos na inicial caracterizando força maior.

Pois bem.

Consigno que a responsabilidade da ré em reparar os prejuízos sofridos em razão da prestação dos serviços é objetiva, tanto por força do artigo 37, §6º da Constituição Federal, quanto pela incidência do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Tal responsabilidade decorrente da norma constitucional é em razão do serviço público de fornecimento de energia desempenhado pela ré, ao passo que, em relação à norma consumerista, é oriunda da relação de consumo mantida entre as partes, nos termos do art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90.

A doutrina de Rui Stoco não se afasta deste norte:

Portanto, a companhia de energia elétrica de geração ou distribuição, embora possa se constituir em sociedade de natureza privada, será sempre uma concessionária de serviço público, prestando-o por delegação do Estado.
Nessa condição, é alcançada pela disposição muito mais garantidora, do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ao dispor que
“as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Desse modo, essas empresas ficam enquadradas na teoria do risco administrativo, sendo, assim, objetiva a sua responsabilidade pelos danos causados a terceiros.

Evidente, não se descarta a incidência obrigatória do Código de Defesa do Consumidor, naquilo que favoreça e proteja a vítima, considerando que o fornecimento de energia elétrica para consumo enquadra-se nos conceitos ali estabelecidos, devendo a energia elétrica ser considerada como produto, posto que é um bem consumível ou fungível.

O CDC, por sua vez, no art. 22 preceitua: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

Em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade civil é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, somente isentando de responsabilidade o fornecedor que provar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima (consumidor) ou de terceiro (§ 3º do art. 14). Trata-se, na hipótese, de inversão legal do ônus da prova, na qual a ré possui o ônus de provar alguma das causas excludentes previstas no § 3º, do art. 14, do CDC, e não a inversão que pende de determinação judicial, prevista no inciso VIII do art. 6º da Norma Consumerista.

Estabelecido o regime de responsabilidade, passo ao exame do caso concreto.

E, no caso concreto, embora haja indícios de provas de que houve interrupção do serviço não obstante a negativa da concessionária, considerando as reportagens acostadas na réplica [Evento 11, NOT/PROP2 a NOT/PROP12] que indicam serem recorrentes as quedas de energia elétrica na região, entendo que, ao contrário de inúmeras outras demandas idênticas, não há prova mínima do fato constitutivo do direito dos autores no que se refere ao nexo causal e ao dano material postulado.

Com efeito, no caso em exame, pretende o autor a condenação da demandada ao pagamento no montante de R$ 51.947,01. Com a inicial, acostou pareceres técnicos que indicaram a perda de 1.301kg, 1.313kg e 1.385kg de fumo, respectivamente, nos períodos de interrupção indicados na inicial, os quais foram classificados nas classes BO1, cotadas ao preço de R$ 12,99 ao kg [Evento 1, LAUDO6/LAUDO8].

Remetido ofício, sobreveio informação da Prefeitura Municipal de Anta Gorda/RS de que não houve nenhuma movimentação de bloco de produtor rural da parte autora nos períodos de 01/01/2020 até 22/02/2022, conforme relatório analítico de movimentação anexado aos autos [Evento 32, ANEXO2]. Inclusive, o próprio autor já havia juntado na inicial o mesmo documento referente ao ano de 2020, no qual demonstra que não havia comercializado nenhum fumo naquele período [Evento 1, OUT12]. Ora, ao contrário do alegado, ao que restou comprovado nos autos, sequer houve comercialização do fumo pelo autor na safra de 2021.

E, intimado...

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