Acórdão nº 50023760920208210034 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50023760920208210034
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002277191
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002376-09.2020.8.21.0034/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: ADEMIR DA SILVA NEVES & CIA LTDA (AUTOR)

APELANTE: BANCO DO BRASIL S/A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

ADEMIR DA SILVA NEVES & CIA LTDA e BANCO DO BRASIL S/A apelam de sentença proferida nos autos da ação de revisão contratual que o primeiro move em face do segundo, assim lavrada:

Vistos.
ADEMIR DA SILVA NEVES CIA LTDA – ME (ADECAR) propôs ação de revisão de contrato em face do BANCO DO BRASIL S/A.
Narrou que é uma pequena revenda de veículos automotores que sempre cumpriu com suas obrigações em relação às instituições financeiras. Pugnou pela concessão da justiça gratuita. Informou que pretende a revisão de toda a relação contratual que a autora manteve com a ré. Sustentou que a previsão de juros com base no índice dos Certificados de Depósito Bancário – CDI é ilegal. Mencionou que os contratos prevem juros que discrepam muito da média de mercado. Salientou que os contratos discutidos cumularam, para o período da inadimplência, a incidência de comissão de permanência, com outros encargos moratórios. Manifestou que a redação das cláusulas que informam a capitalização dos juros é de difícil entendimento e não atende aos requisitos do CDC. Discorreu sobre a tarifa de abertura de crédito e quanto os honorários extrajudiciais. Aduziu a ilegalidade do seguro prestamista. Requereu a aplicabilidade do CDC. Pediu o encerramento da conta-corrente. Sustentou a descaracterização da mora. Dissertou sobre a prova pericial e do valor incontroverso. Postulou pela procedência da demanda. Acostou documentos (evento 1).
Concedida AJG (evento 3).

Citado, o demandado contestou o feito.
Preliminarmente, impugnou a concessão da justiça gratuita. Sustentou que a inicial é inepta. No mérito, aduziu a impossibilidade de revisão devido ao pacta sunt servanda. Sustentou a legalidade da correção pelo CDI e dos honorários extrajudiciais. Referiu que não há que se falar em nulidade do seguro prestamista. Manifestou a inaplicabilidade do código de defesa do consumidor. Discorreu sobre a prova pericial. Dissertou sobre os juros remuneratórios e os juros capitalizados. Mencionou a legalidade das tarifas de concessão de crédito. Discorreu acerca dos encargos de mora, juros moratórios e multa contratual. Afirmou que não há que se falar em devolução de valores, porque todos os encargos cobrados foram embasados no contrato firmado entre as partes Pugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos (evento 6).
Houve réplica (evento 9).

Intimadas, as partes para que digam as provas que pretendem produzir (evento 11).
A parte autora requereu a realização da prova pericial (evento 16). O demandado quedou-se silente (evento 18).
Mantida AJG. Acolhida a preliminar de inépcia, oportunizado prazo de 20 dias para acostar os cálculos (evento 20).
Juntado os cálculos (evento 27).

Dado vista ao requerido (evento 29).

Conclusos para sentença.

É o relatório.
Decido.

Ab initio, ressalta-se que se está diante de uma típica relação de consumo entre as partes, o que impõe um tratamento diferenciado à lide deduzida em juízo, especificamente em relação ao ônus probante da matéria ventilada. Os litigantes encaixam-se com perfeição nos conceitos de fornecedor (artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor) e consumidor (artigo 2º do mesmo diploma). Dessa forma, é inequívoca a relação consumerista no caso em apreço.
Convém referir que as normas do Código de Defesa do Consumidor são normas de ordem pública e interesse social.
Tais normas são elencadas como direitos fundamentais, com mandamento expresso (artigo 5º, inc. XXXII da Constituição Federal). Para dar efetividade a esses direitos, sobreveio o Código de Defesa do Consumidor, em evidente publicização do direito privado que visa assegurar as normas protetivas constitucionais no âmbito das relações privadas, revelada como a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
A legislação consumerista brasileira confere uma série de prerrogativas ao consumidor visando equilibrar a relação de consumo, porque desigual na origem, ou seja, tratando-se de relação de consumo, a disposição do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, dispõe sobre a facilitação da prova em favor da parte hipossuficiente.

De outra banda, mesmo que operada a inversão do ônus probatório, a parte demandante não fica isenta de trazer um mínimo de elementos comprobatórios do seu direito, ou seja, de demonstrar o fato constitutivo do seu direito, em consonância com o artigo 373, inciso I, do Diploma Processual Civil.

Nesse sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. COMÉRCIO DE DADOS PESSOAIS. SPC MERCADO. AUSÊNCIA DEMONSTRAÇÃO MÍNIMA DO DIREITO ALEGADO. Nos termos do art. 333, I, do Código de Processo Civil (CDC), à parte autora incumbe o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. Assim, nada obstante a possibilidade de inversão do ônus probatório em demandas que versam sobre relação de consumo, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, compete à parte demandante realizar, ainda que minimamente, prova dos fatos alegados. No caso dos autos, entretanto, a autora não logrou êxito em comprovar, mesmo de forma mínima, a divulgação ou o comércio de seus dados pessoais, por parte da requerida. Hipótese em que a peça vestibular foi redigida de forma absolutamente genérica, não havendo indício de divulgação de dados, ou mesmo tentativa de solução do problema pela via administrativa. Deste modo, a reforma da sentença de procedência é medida que se impõe. Ônus sucumbenciais redistribuídos. Apelo da autora desprovido. Apelo da ré provido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70064090244, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 15/04/2015).

A matéria que é objeto desta demanda passou pela análise do Superior Tribunal de Justiça para fins de aplicação das normas atinentes ao julgamento dos recursos repetitivos. Valendo-se deste mecanismo, o STJ identificou os Recursos Especiais 1.061.530-RS, 1.063.343-RS, 973.827-RS e 1.251.331-RS como representativos da controvérsia de massa acerca de questões comumente ventiladas nas chamadas ações revisionais que tratarem do gênero “contratos de mútuo bancário”, atribuindo-lhe os efeitos da lei dos recursos repetitivos. O primeiro deles (1.061.530-RS) consolidou a jurisprudência acerca dos seguintes temas que normalmente são discutidos em ações revisionais como a presente, a saber: a) juros remuneratórios; b) caracterização da mora; c) juros moratórios; d) inscrição e/ou manutenção de restrição em cadastros de inadimplentes; e e) disposições de ofício. O segundo (1.063.343-RS) tratou da validade da cláusula que institui a comissão de permanência, desde que limitada aos encargos contratados no período de normalidade da operação, o terceiro (973.827-RS) tratou da legalidade do pacto de capitalização dos juros, desde que expressamente previsto no instrumento do contrato e o quarto (1.251.331-RS) decidiu acerca da possibilidade de encargos como TAC. TEC e tarifa de cadastro, além da possibilidade de financiamento do IOF.
Destaque-se, primeiramente, a inexistência de qualquer limitador para que os juros remuneratórios não ultrapassem a taxa de 12 % ao ano, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 40/2003.
A propósito, a Súmula Vinculante nº 07 reflete posicionamento do STF no sentido de que a aplicação da limitação imposta pelo revogado § 3º do art. 192 da CF dependia da edição de lei complementar. No âmbito do STJ, com o julgamento do Recurso Especial 1.061.530-RS e a edição da súmula nº 382, foi sedimentado o entendimento de que os juros remuneratórios, quando pactuados acima de 12 % ao ano, não pressupõem abusividade, até porque as instituições financeiras não estão sujeitas à limitação imposta pela Lei de Usura.
A parte autora pugnou a revisão dos juros remuneratórios nos contratos n° 043.714.904, 043.714.905, 043.715.002, 043.715.003, 043.715.205, 043.715.511 e 043.715.710.
Realizada a consulta no site do Banco Central do Brasil disponível em:https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Verificou-se que, não foi constatado abusividade nas taxas mensais e anuais contratadas, inclusive mostrando-se o valor próximo à média apurada pelo Banco Central.
As taxas de juros remuneratórias praticados pela instituição financeira foram de 25,23% a.a, no contrato 043.714.904; Juros de 25,23% a.a, no contrato 043.714.905; Juros de 21,84% a.a, no contrato 043.715.002; Juros de 23,28% a.a, no contrato 043.715.003.
Juros 25,23% a.a, no contrato 043.715.205. Juros de 23,47% a.a, no contrato 043.715.511. E juros de 21,26% a.a, no contrato 043.715.710.
E a taxa média praticada pelo mercado financeiro para contratos bancários envolvendo empréstimo bancário para pessoa jurídica, referente aos períodos de contratação, era de respectivamente, 16,59% a.a, 16,59% a.a, 16,48% a.a, 16,48% a.a, 15,27% a.a, 14,58% a.a, 15,39% a.a.
Logo, a taxa de juros aplicada pelo demandado, está plenamente compatível com os percentuais utilizados pelas instituições fornecedoras de crédito, não configurando nenhum excesso a sua aplicação por parte da requerida.

Ainda, a parte autora informa na petição inicial a taxa de juros fixada e o valor emprestado, fatos que demonstram que tinha perfeito conhecimento e entendimento do reflexo que acarretaria na soma final do seu débito.

Outrossim, pretende a parte autora que seja afastada a incidência da capitalização dos juros, pois não pactuado no contrato.

Nos contratos de abertura de crédito,
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