Acórdão nº 50023895120198211001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50023895120198211001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002339054
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002389-51.2019.8.21.1001/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: CENTRO CLINICO GAUCHO LTDA (RÉU)

APELADO: GUSTAVO MARTINS KOVALEK SANHUDO (AUTOR)

RELATÓRIO

GUSTAVO MARTINS KOVALEK SANHUDO ajuizou ação de obrigação de fazer contra CENTRO CLÍNICO GAÚCHO, alegando que foi diagnosticado com Paralisia Cerebral G80.0, apresentando importante atraso motor, na fala e sensorial, necessitando de tratamento com conceito neuroevolutivo Bobath, o qual é composto por equipe integrada de fisioterapeutas, psicoterapeutas ocupacionais e fonoaudióloga, relatando a negativa de liberação de atendimento pela ré para os tratamentos solicitados, liberando apenas os tratamentos de fisioterapia, terapeuta ocupacional e fonoaudióloga na Clínica Vivendo e Apreendendo que compõe sua rede credenciada, não havendo profissional habilitado com diploma para credenciar na fisioterapia pelo método Bobath, implicando em custo de tratamento, via particular, no valor de R$ 10.400,00 (...) mensais, que os genitores do autor não tem condições de pagar, eis que não conseguem arcar sequer com a fisioterapia, no valor de R$ 4.000,00 que posteriormente é reembolsada. Postulou a procedência da ação.

Sobreveio sentença que julgou procedente a ação, para o fim de julgar procedente a ação, para condenar a ré, a custear ao autor o tratamento com conceito neuroevolutivo Bobath, o qual é composto por equipe integrada de fisioterapeutas, psicoterapeutas ocupacionais e fonoaudióloga, mediante a quantidade de sessões solicitada pelo médico, e ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios da parte adversa, arbitrados em R$ 2.000,00 (...), nos termos dos arts. 85, § 2°, e 86, ambos do CPC.

A requerida apela, em suas razões reitera os termos da inicial aduzindo a efetiva ausência de cobertura do tratamento requerido, eis que ausente previsão no rol da ANS. Disse que o dispositivo da sentença deve ser retificado, porquanto o pedido do autor consistiu no fornecimento do tratamento na clínica CENEFFI, mas a sentença apenas ratificou a tutela provisória quanto ao fornecimento do tratamento, sem especificar uma clínica ou a equipe de profissionais para isso. Dessa maneira, alega que não se está diante de um julgamento de procedência dos pedidos autorais,mas somente de parcial procedência, não havendo, portanto, obrigação de fornecimento em um local específico. Postula, por fim, o provimento do recurso, reformando-se a sentença integralmente ou, sucessivamente, retificando-se a decisão.

Foram apresentadaas contrarrazões (evento 3 procjudic5).

Os autos vieram-me conclusos em 13/05/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de obrigação de fazer, através da qual a parte autora postula a cobertura de tratamento com conceito neuroevolutivo Bobath, uma vez que diagnosticado com Paralisia Cerebral G80.0, julgada procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos processuais recebo o apelo.

Com efeito, atento ao mutualismo e o sinalagma que representa o contrato de prestação de saúde suplementar, na busca permanente da manutenção de um serviço de saúde privado eficaz, útil e duradouro, com resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor, estou alterando minha posição, até então consolidada, para adotar a nova versão da jurisprudência da 4ª Turma do STJ, que, em overruling, no REsp.n. 1.733.013/PR, sustenta que a opção do legislador, através das Leis n.9656/1998 e 9961/2000, foi de disciplinar uma lista e eventos em saúde que constituirão referência básica, sendo que a ANS, na condição de Agência Reguladora, o incrementará com a incorporação de novas tecnologias. Esse rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar o direito à saúde com preços acessíveis, contemplando camada mais ampla e vulnerável da população. Assim, melhor ponderando, data venia, mas se afigura realmente impertinente continuar julgando no sentido de que as Operadoras/Seguradoras de Planos de Saúde são responsáveis pelo custeio de todo tipo de medicamento e tratamento prescrito pelo médico do paciente, independente de custo, benefício e eficácia. É imprescindível recolocar a exegese do assunto em patamares palatáveis e aceitáveis sob pena de conduzir à bancarrota os Planos de Saúde Suplementares, aliás, como já está acontecendo, justamente pelo deferimento de tratamentos/medicamentos de elevadíssimos custos, sem qualquer controle e limitação definida, que, ao final e ao cabo, será dividido entre os participantes, dificultando o acesso (preço e mensalidades elevadas) e, modo consequente, jogando a população em direção ao SUS ( Sistema Único de Saúde). A virtude, pois, está no meio termo - virtus medius - no sentido de alicerçar e defender o plano de referência mínimo, atualizado e sempre incorporado com novas tecnologias pela ANS que é, a final, a encarregada de fiscalizar a saúde financeira e a possibilidade de cobertura dos Planos Privados.

Em que pese o entendimento anterior quanto a aplicabilidade do CDC como norma prevalente aos contratos de plano de saúde, conforme súmula 608 do egrégio STJ, a partir do entendimento da taxatividade do rol dos tratamentos/medicamentos dispostos na ANS, necessário se faz um novo entendimento quanto a aplicabilidade do CDC que passa ao caudal natural e legal preconizado no art.35-G da Lei dos Planos, qual seja, a de aplicação subsidiária, isto é, naquilo que a lei específica silenciar, aplica-se destarte, as normas consumeristas. Destarte, à luz da legislação especial de regência, no confronto entre as regras específicas e as demais do ordenamento jurídico, deve prevalecer a regra excepcional. Nesse contexto o CDC não regula contratos específicos, em casos de incompatibilidade há a prevalência da lei especial pelos critérios da especialidade. Ademais, a lei n. 9.961/2000 que criou a ANS, posterior a publicação da Lei 8.078/1990 (CDC) garante ainda, à sujeição ao princípio da cronologia, estabelecendo no art. 4º, inciso III que detém legitimidade para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades.

Nesse sentido segue julgado do egrégio STJ, sic:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MEDICAMENTO IMPORTADO. ANVISA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. OBRIGATORIEDADE DE CUSTEIO. AFASTAMENTO. INFRAÇÃO SANITÁRIA. NORMAS PROIBITIVAS DO SETOR. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. LICENÇA POSTERIOR. DOENÇA COBERTA. TRATAMENTO IMPRESCINDÍVEL À RECUPERAÇÃO DO PACIENTE. ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DEVIDA. 1. A questão controvertida na presente via recursal consiste em definir se o plano de saúde deve arcar com os custos de medicamento importado sem registro na ANVISA, essencial para o êxito de tratamento oncológico (no caso, o Revlimid, para tratar mieloma múltiplo). 2. Estão excluídos das exigências mínimas de cobertura assistencial a ser oferecida pelas operadoras de plano de saúde os procedimentos clínicos experimentais e o fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados (art. 10, I e V, da Lei nº 9.656/1998). Incidência da Recomendação nº 31/2010 do CNJ e dos Enunciados nºs 6 e 26 da I Jornada de Direito da Saúde. 3. Nos termos de normativos da ANS, medicamento importado não nacionalizado é aquele produzido fora do território nacional e sem registro vigente na ANVISA. Por seu turno, o tratamento que emprega fármaco não registrado/não regularizado no país pode ser considerado de índole experimental. 4. A exclusão da assistência farmacêutica para o medicamento importado sem registro na ANVISA também encontra fundamento nas normas de controle sanitário. De fato, a importação de medicamentos e outras drogas, para fins industriais ou comerciais, sem a prévia e expressa manifestação favorável do Ministério da Saúde constitui tanto infração de natureza sanitária (arts. 10, 12 e 66 da Lei nº 6.360/1976 e 10, IV, da Lei nº 6.437/1977) quanto infração penal (art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal), não podendo a operadora de plano de saúde ser obrigada a custeá-los em afronta à lei. Precedentes. 5. As normas do CDC aplicam-se apenas subsidiariamente nos planos de saúde, conforme previsão do art. 35-G da Lei nº 9.656/1998. De qualquer maneira, em casos de incompatibilidade de normas, pelos critérios da especialidade e da cronologia, há evidente prevalência da lei especial nova. 6. Após o ato registral, a operadora de plano de saúde não pode recusar o tratamento com o fármaco indicado pelo médico assistente. Com efeito, a exclusão da cobertura do produto farmacológico nacionalizado e indicado pelo médico assistente, de uso ambulatorial ou hospitalar e sem substituto eficaz, para o tratamento da enfermidade significa negar a própria essência do tratamento, desvirtuando a finalidade do contrato de assistência à saúde (arts. 35-F da Lei nº Documento: 1766950 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2018 Página 1 de 6 Superior Tribunal de Justiça 9.656/1998 e 7º, parágrafo único, e 17 da RN nº 387/2015 da ANS). Precedentes. 7. Embargos de divergência rejeitados.(EAREsp 988.070/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/11/2018, DJe 14/11/2018.

Em procedimento de overruling, no julgamento do Recurso Especial 1.733.013/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, restou consolidado que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a custear tratamentos e/ou medicamentos não...

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