Acórdão nº 50023961820218210049 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50023961820218210049
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003294434
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002396-18.2021.8.21.0049/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

APELADO: NEUSA TERESINHA SENGER SCHMIDT (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL apela da sentença proferida nos autos da ação indenizatória ajuizada por NEUSA TERESINHA SENGER SCHMIDT, assim lavrada:

Vistos, para sentença.
NEUSA TEREZINHA SENGER SCHMIDT, qualificada na inicial, propôs AÇÃO INDENIZATÓRIA contra o BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, igualmente identificado, narrando que é casada com o Cezar Gilvan Schmidt, o qual se aposentou recentemente e manteve sua conta bancaria junto a instituição requerida, a qual disponibilizou a ele um aplicativo no celular para fazer suas transações eletrônicas.

Disse que por diversas vezes o requerido oferecia serviços e até atendimentos via telefone, sendo que a pandemia intensificou o atendimento remoto, o que consequentemente deveria exigir maior segurança por parte dos prestadores de serviço.

Mencionou que no dia 20/07/2021, o marido da requerente recebeu uma ligação do número 0555562304917.
Ao atender a ligação, uma mulher se identificou como sendo funcionária do requerido e pedindo para que o marido da requerente confirmasse uma compra que teria sido feita nas lojas americanas, bem como um PIX no valor de R$ 450,00 que teria feito. O marido requerente abriu o aplicativo e disse que não teria feito o PIX e nem a compra.
Aduziu da conta do seu marido foram realizadas 4 (quatro) transferências bancárias, sendo elas todas no valor de R$ 49.999,99 (quarenta e nove mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos).
Duas dessas transferências foram realizadas no dia 20/07/2021 e outras duas no dia 21/07/2021, sendo que duas transferências foram para uma conta em nome marido da requerente na Caixa Econômica Federal e outras duas TED para terceiros desconhecidos.
A conta da requerente também foi invadida e transferiram para terceiros o valor de R$ 49.999,99 (quarenta e nove mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos).

Referiu que o banco mencionou que provavelmente teria sido vítima de um golpe e que não teria o que fazer.

Postulou pelo ressarcimento do valor de R$ 49.999,99.
Efetuou os requerimentos de estilo, valorou a causa e juntou documentos.
Citado, o demandado apresentou contestação, alegando, em síntese, que nenhuma evidência de fraude interna foi encontrada pelo banco na transação impugnada pela autora.
Aduziu que O Banco em momento algum participou dos eventos decorrentes do golpe sofrido, sequer realizou ligações onde solicitou a informação de senhas ou realização de procedimentos cibernéticos. Tampouco entra em contato com clientes via whatsapp ou orienta à instalação de aplicativos. Não possui qualquer participação nos fatos narrados pela autora, sequer podendo se cogitar a possibilidade de omissão ou fraude bancária. Mencionou que a transferência ocorreu mediante digitação de senha pessoal e intransferível cedida remotamente pelo esposo da autora, através de acesso remoto concedido a terceiro estranho, atendendo à orientação do próprio estelionatário. Discorreu sobre as excludentes de responsabilidade e danos materiais. Requereu a improcedência do pedido. Juntou documentos.
Houve réplica.
Foram ouvidos os correntistas lesados e a representante do banco.

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais.

É o relatório. Decido.
Inexistindo preliminares a serem analisadas, passo, de imediato, a análise do mérito.

Inicialmente cabe salientar a incidência do CDC, uma vez que se trata de uma relação de consumo.
Nesse sentido, ocorre a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6°, inciso VIII, do CDC.
A realização da transferência do valor da conta-corrente da parte autora para terceiro, uma operação de R$ 49.999,99 restou incontroversa.

O que as partes discutem é a responsabilidade pelo prejuízo destas transferências.

Transcrevo, incialmente, a prova oral:
Neusa Schimidt, narrou que nunca autorizou ninguém para mexer em sua conta, e quando olhou o extrato havia a transferência, nunc a passou senha para ninguém.
Não tinha acesso pelo computador ou por aplicativo à conta. Ficou sabendo quando foi tirar um extrato. O marido que fez o Boletim de Ocorrência. Não sabe como foi realizada a transferência.
Cesar Schimidt, ocorreu que recebeu ligação para confirmar que haviam mexido na minha conta, um débito na loja americanas e pix, e fez a conferência que não tinha os débitos na conta.
Mais tarde viu que tinha movimentação em sua conta de valores altos. O Banco controla as movimentações. Foi uma ligação, disse ser da central de atendimento do Banrisul. Fez a conferência entrando no aplicativo do Banco e viu que não tinha o débito. Mais tarde começou a sair o dinheiro. Fez a consulta imediatamente quando falava com a pessoa. O acesso no aplicativo foi no mesmo celular que estava falando com a pessoa. Não falou ou passou a senha para quem falava ao telefone. Essas movimentações é movimentação eletrônica. No que se refere a autora Neusa tinha o acesso ao aplicativo. Não acessou a conta da esposa enquanto falava com o atendente. A sua conta consultou pelo telefone. No outro dia foi ao Banco comunicar as transferências.
Janine Cheffer da Rosa, supervisora da agência de Frederico Westphalen, o código BDX é uma transferência bancária pela internet, pelo aplicativo.
Tentativas existem várias, geralmente as pessoas deram acesso, não sendo falha no aplicativo. É necessária a senha para realizar a transferência pelo aplicativo. Na época era 50 mil reais por dia as transferências, desde que não fosse para o mesmo CPF. Ele possuía o limite. No momento em que habilitou o aplicativo teria esse limite. O limite era padrão, poderia ser reduzido. A conta do Cesar era em FW a da Neusa acredita que seja de FW. Acredita que na habilitação do aplicativo o sistema liberou a movimentação diária. Foi encaminhada para a Central do Banco documentação e Boletim de Ocorrência. O banco tenta repatriar os valores e as vezes não se tem sucesso.
De direito, estabelece o artigo 927, parágrafo único do Código Civil que:
"Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
Assim, entendo que o banco réu, ao disponibilizar a possibilidade de transações através do sistema de internet banking, ainda que para facilitar para os clientes, sabe que estes dispositivos também oportunizam a prática de variadas fraudes.
É consabido que é dever da instituição financeira proporcionar segurança aos seus clientes, bem como prevenir a ocorrência de danos quando da utilização dos serviços disponibilizados.
A atividade desenvolvida pelo Banco, ao disponibilizar aplicativos para acesso à internet sem certificado digital ou outro meio de autentição à prova de fraudes implica em risco para os direitos dos correntitas, devendo o requerido indenizar independentemente de culpa.

Quando o demandado permite a realização de operações bancárias via internet, já assume o risco de sua atividade, e se permite ainda a fraude através de seu site, tem de suportar os riscos e os danos decorrentes.

Veja-se que os estelionatários não tiveram acesso à conta corrente do autor somente em razão de realizar o acesso no momento da aplicação, já que não acessou a conta de sua esposa, que também foi invadida, mas sim, pela fragilidade do sistema.

Ademais, a movimentação na conta da autora foi de grande monta, sem que a instituição financeira tomasse o cuidado de verificar a regularidade das transferências.

Ocorrendo a falha na prestação do serviço, o demandado deve se responsabilizar pelos danos materiais suportados pelo consumidor em razão do próprio risco que sua atividade econômica produz.
Riscos estes que não podem ser transferidos agora à cliente, ora autora, quando vítima de fraude praticada por terceiros.
De mais a mais, a Súmula 479 do STJ estabelece:
"As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
Logo, sendo esse o caso dos autos, deve prosperar o pedido da parte autora de restituição dos valores indevidamente transferidos, isto é, o valor de R$ 49.999,99, relativo as transferências eletrônicas não autorizadas pela autora,.

Nesse sentido:

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FRAUDE BANCÁRIA. SUBTRAÇÃO DE DADOS APÓS O RECEBIMENTO DE SMS REQUISITANDO ATUALIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 479 DO STJ. ATUAÇÃO DE TERCEIROS QUE NÃO ELIDE A RESPONSABILIDADE DA RÉ, QUE RESPONDE PELOS RISCOS DA ATIVIDADE DESENVOLVIDA. DEVER DE RESTITUIR CONFIGURADO. 1. Cuidam-se os autos de ação na qual narrou a autora que foi vítima de fraude praticada por terceiros, após ter recebido SMS requisitando acesso ao APP do banco Santander, para atualização e desbloqueio de segurança. 2. Incontroverso que a parte autora foi vítima de fraude praticada por terceiro. 3. A interceptação dos dados pessoais da parte autora, conforme se verifica da inicial, ocorreu dentro do próprio ambiente digital do banco réu, relatando a autora que após o ingresso no aplicativo foi exibida uma janela, com seus dados bancários, solicitando a inserção de uma foto do seu cartão de segurança, para fins de desbloqueio. 4. Logo, considerando que os dados foram solicitados durante o acesso ao aplicativo bancário, não há como exigir que a autora suspeitasse da...

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