Acórdão nº 50024125920188215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50024125920188215001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001697355
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002412-59.2018.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Marca

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

APELANTE: ANGELA MALLMANN CARDOSO (AUTOR)

ADVOGADO: LUCIANO MALLMANN CARDOSO (OAB RS109564)

APELANTE: JOSE LAENIO CARDOSO (AUTOR)

ADVOGADO: LUCIANO MALLMANN CARDOSO (OAB RS109564)

APELADO: FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA (RÉU)

ADVOGADO: Gabriela Vitiello Wink (OAB RS054018)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANGELA MALLMANN CARDOSO e JOSÉ LAÊNIO CARDOSO contra a decisão de improcedência proferida nos autos da ação de cobrança de direitos autorais, movida em face de FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA.

Em suas razões recursais (fls. 350/363 - evento 7 - OUT 13 E 14), alegaram que a empresa apelada é uma gigantesca montadora, que não poderia proceder campanha publicitária sem a autorização expressa dos apelantes, os verdadeiros detentores da imagem.

Afirmaram que o apelado não utilizou somente a foto obtida pelos apelantes, mas sim toda a curiosidade que desperta em muitos cidadãos da aventura de rodas de carro pelas Américas a bordo de uma caminhonete que possui toda estrutura de uma casa, assim, não se pode afastar o poder individual de criação dos apelantes, bem como os direitos que recaem sobre esta criação.

Sustentaram que o simples fato da usurpação da exclusividade que compete à pessoa com relação à sua imagem caracteriza o ato ilícito, sendo desta forma sequer necessário aos autores de ocuparem-se com a prova do prejuízo sofrido, o que mesmo assim já fez quando demonstrou de forma inafastável que a ré explora até a presente data comercialmente a imagem dos autores e de sua expedição, sem o seu consentimento, deixando de satisfazer a contraprestação de forma equitativa a remuneração correspondente, o que justamente se postula através da presente ação.

Narraram que os apelantes desembolsaram todas as economias de uma vida inteira no intuito de realizar seus sonhos e posteriormente auferirem renda com a venda de seu projeto, o que então foi frustrado pela ré, quando utiliza de forma ilegal e arbitrária foto e contexto de uma viagem que em nada contribuiu.

Postularam o provimento do recurso para julgar procedente a demanda, devendo ser reconhecida a conduta ilícita da demandada.

Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da sentença de primeiro grau, versando sobre ação de cobrança de direitos autorais pelo procedimento ordinário.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo e dispensado de preparo em razão da gratuidade judiciária deferida, inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para a análise das questões de fundo suscitadas.

Mérito do recurso em exame

A postulante ingressou com ação indenizatória por danos morais e materiais em razão da utilização desautorizada de criações intelectuais de sua autoria pela demandada, representada por imagem do veículo utilizado sua expedição.

A parte ré, por seu turno, sustentou que houve a publicação de uma fotografia da caminhonete de propriedade do autor, lançada na FunPage "Ford Ranger" no Facebook, com o a concordância dos autores.

Preambularmente, cumpre destacar que a Constituição Federal ao dispor sobre a proteção à criação intelectual, estabeleceu em seu artigo 5º, XXVII, o que segue:

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

Nessa seara o direito do autor de determinada obra tem proteção constitucional, visando estimular a criatividade e originalidade, considerando o interesse social e econômico do país.

A par disso, em vista de uma maior proteção à autoria da criação, bem como a especificação e desenvolvimento da matéria, foi editada a Lei nº 9.610 de 1998, conhecida como Lei de Direitos Autorais, na qual é limitado o âmbito de atuação da proteção aos direitos do autor.

Tal regramento, em seu artigo 7º, disciplina sobre as obras intelectuais protegidas pela legislação, estabelecendo o que segue:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

[...]

VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

Assim, o direito do autor regula as relações jurídicas advindas da criação de obras intelectuais, estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências. Nesse sentido são os ensinamentos de Carlos Alberto Bittar1 que seguem:

As relações regidas por esse Direito nascem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitos respeitantes à sua face pessoal (como os direitos de paternidade, de nominação, de integridade da obra) e, de outro lado, com sua comunicação ao público, os direitos patrimoniais (distribuídos por dois grupos de processos, a saber, os de representação e os de reprodução da obra, como, por exemplo, para as músicas, os direitos de fixação gráfica, de gravação, de inserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros).

As obras protegidas são as destinadas à sensibilização ou à transmissão de conhecimentos, a saber, as obras de caráter estético, que se inscrevem na literatura (escrito, poema, romance, conto), nas artes (pintura, escultura, projeto de arquitetura, filme cinematográfico, fotografia) ou nas ciências (relato, tese, descrição de pesquisa, demonstração escrita, bula medicinal).

Ressalte-se que inobstante o autor alegue que tenham sido divulgadas, pela ré, fotografias de sua autoria, sem sua anuência, não juntou aos autos qualquer comprovação nesse sentido, ônus que lhe impunha e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 373, I, do Código de Processo Civil.

Verifica-se pelo conjunto probatório produzido em juízo, que o próprio autor publicou diversas fotos de seu veículo no perfil do Facebook da ré, enaltecendo as qualidades do veículo da marca Ford, publicando, inclusive, a fotografia objeto da lide, autorizando, portanto, de forma tácita, a postagem por parte da demandada.

Assim, os postulantes disponibilizaram as imagens na internet, ou seja, na rede mundial de computadores, cujo acesso é franqueado a todos, não fazendo constar qualquer tipo de logo, marca ou assinatura profissional que necessitasse o pedido de autorização para ser publicada. Isto é, deixaram a referida fotografia ao domínio público, não podendo agora cobrar indenização por direito autoral, sendo que os próprios autores publicaram a imagem no perfil da ré, com o objetivo de elogiar o veículo fabricado pela demandada.

Ademais, importante registrar que a apelada fez a indicação da autoria da imagem quando publicou a foto do carro dos autores em sua página na rede social, utilizando, tão somente, a imagem que foi publicada no perfil da fabricante pelos autores da fotografia.

Nesse sentido cabe colacionar os argumentos da culta Magistrada de primeiro grau, Dra. Patrícia Hochheim Thomé, as quais serviram de fundamento para a improcedência da demanda, cujas razões adoto como de decidir e transcrevo a seguir:

Da análise dos elementos coligidos nos autos, tenho como incontroverso o fato de a parte autora ter publicado em suas redes sociais fotografia capturada durante sua viagem ao Alasca, a qual foi divulgada na página da empresa ré no aplicativo "Facebook" (fls. 53/61).

A par disso, a controvérsia da demanda cinge-se a averiguar se a conduta da parte ré configura-se um ato ilícito e, em caso positivo, se houve dano e nexo causal de forma a exsurgir o dever de indenizar.

Antecipo, desde já, que não merece guarida a pretensão da parte demandante, conforme passo a explanar.

Com efeito, vislumbro que a parte autora divulgou em sua pagina do "Facebook" fotos de seu veículo durante a viagem realizada ao Alasca (fls. 53/51). De igual modo, os demandantes divulgaram outras fotografias de...

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