Acórdão nº 50024229520198210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 31-01-2023

Data de Julgamento31 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50024229520198210013
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002869808
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002422-95.2019.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: GIOVANO JOSE MARCINIAK (AUTOR)

APELANTE: IVETE TEREZINHA MARCINIAK (AUTOR)

APELANTE: JOSE MARCINIAK (AUTOR)

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

GIOVANO JOSÉ MARCINIAK, IVETE TEREZINHA MARCINIAK, e JOSÉ MARCINIAK e RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. apelam da sentença que, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por aqueles em face da concessionária, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 51, SENT1):

Diante do acima exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por JOSÉ MARCINIAK, IVETE TEREZINHA MARCINIAK e GIOVANO JOSÉ MARCINIAK em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para os fins de:

a) CONDENAR a ré a pagar à parte autora, a título de danos morais, o valor total de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à unidade consumidora, corrigido monetariamente (IGP-M) a contar da data de prolação dessa sentença (Súmula nº 362 do STJ), e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, contados do fato danoso (01.10.2017 - momento em que os direitos da personalidade foram efetivamente atingidos), nos termos da Súmula nº 54 do STJ. Tal montante deverá ser divido em iguais proporções entre todos os autores;

b) CONDENAR a parte ré a efetuar reparos necessários para o regular fornecimento de energia elétrica;

c) JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de indenização por danos materiais e de concessão de crédito na fatura da unidade consumidora.

Face à sucumbência recíproca, deverá a parte ré arcar com 60% das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da autora, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação e distribuídos na mesma proporção das custas, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. A outra parte da sucumbência fica a encargo da parte autora, cuja exigibilidade resta suspensa, em razão da gratuidade da justiça concedida.

A RGE, preliminarmente, sustenta a "nulidade da sentença" por ter sido condenada à realização de melhorias na rede de energia, sem a indicação do que precisa ser feito. Entende que Ivete e Giovano não têm legitimidade para figurar no polo ativo, tendo em vista que a unidade consumidora é de titularidade de José, devendo ser extinto o feito. No mérito, defende a inexistência de prova do dano moral. Discorre a respeito do temporal que atingiu os municípios gaúchos em outubro de 2017, indicando dados, informações e notícias do ocorrido. Ressalta a excepcionalidade da situação, afirmando que não houve descaso com os autores. Aduz que o evento climático configura caso fortuito, não ensejando indenização por danos morais. Destaca o julgamento do incidente nº 71006310130. Pontua que os prazos para o restabelecimento do serviço (art. 176 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL) dizem respeito a contextos de normalidade em que há interrupção por causa transitória. Assevera que o pedido de indenização é descabido pela inexistência de ato ilícito praticado, elemento indispensável. Diz que a falta de energia elétrica é mero aborrecimento. Colaciona julgados. Caso seja mantida a condenação, argumenta que os juros de mora devem incidir desde a data do arbitramento da indenização ou da citação. Tece considerações acerca dos investimentos e melhorias na prestação do serviço no Estado. Pugna pelo provimento do recurso, com a reforma da sentença. (Evento 58, APELAÇÃO1)

Os demandantes alegam ter ocorrido cerceamento de defesa, afirmando que parte da prova emprestada do processo nº 5002236-72.2019.8.21.0013, deferida pelo juízo, não foi juntada antes da sentença. Postulam a majoração da indenização pelos danos morais. Destacam as finalidades da reparação e as circunstâncias do ocorrido, trazendo fotos. Noticiam a má prestação do serviço pela concessionária. Salientam que a interrupção no fornecimento de energia perdurou por 9 (nove) dias. Afirmam que são pequenos produtores rurais e a falta de energia elétrica afeta diretamente a sua subsistência, uma vez que dependem da venda do leite, dos suínos e das demais atividades rurais. Argumentam que a interrupção do serviço ultrapassou meros transtornos e aborrecimentos do cotidiano. Ressaltam que tiveram que transportar água para os animais e para o uso pessoal, diante da impossibilidade de utilização da bomba elétrica. Aduzem que perderam todos os alimentos e suprimentos que durariam para várias semanas, considerando a distância dos mercados. Sustentam que continuam ocorrendo interrupções e oscilações, tendo em vista a falta de manutenção da rede na região. Colacionam julgados. Entendem que o valor arbitrado não é suficiente, devendo a indenização não ser inferior a R$ 10.000,00 para cada autor, a fim de garantir a reparação e a punição pelos danos causados. Pedem a condenação da concessionária ao pagamento de indenização pelos danos materiais, argumentando que foram listados somente os alimentos com valores mais expressivos e tabelados. Requerem a concessão de crédito na fatura referente ao período sem o serviço, conforme disposto no art. 152, §§ 1º e 2º, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL. (Evento 59, APELAÇÃO1)

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 66, CONTRAZAP e Evento 67, CONTRAZAP1).

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento dos recursos e o afastamento das preliminares. No mérito, manifesta-se pelo desprovimento do apelo da ré e pelo parcial provimento do apelo dos autores, no sentido de condenar a concessionária ao pagamento de indenização pelos danos materiais (Evento 8, PROMOÇÃO1).

É o relatório.

VOTO

Desde logo adianto o não acolhimento das preliminares, o desprovimento do apelo da RGE e o parcial provimento do apelo dos autores.

No caso, ainda que, tecnicamente, o deferimento da prova emprestada devesse aguardar a juntada do último depoimento, não há falar em cerceamento de defesa, porquanto os documentos e depoimentos juntados pela parte autora antes da sentença são suficientes para o julgamento.

Quanto à alegação de ilegitimidade ativa de Ivete e Giovano, formulada pela RGE, e aqui já adentrando na análise do próprio mérito, com o que essa alegação se confunde, tenho que não merece acolhimento.

De início, cumpre destacar que a relação entre a concessionária fornecedora de energia elétrica e o usuário enquadra-se perfeitamente em típica relação de consumo, devendo ser aplicadas ao caso as normas de proteção ao consumidor.

Com efeito, não há dúvidas de que as partes dos contratos de energia elétrica, ou seja, concessionária e usuário, amoldam-se aos conceitos de “fornecedor” e “consumidor” estampados pelo Código do Consumidor. Isso porque os usuários de serviços públicos, no caso, de energia elétrica, podem e devem ser considerados “consumidores” de serviços, uma vez que utilizam os serviços públicos como destinatários finais (art. 2°, caput, do CDC). Já as concessionárias que prestam serviços públicos, especificamente fornecimento de energia elétrica, enquadram-se no conceito de “fornecedor”, visto que distribuem e comercializam serviços a um número indeterminado de pessoas, de forma habitual e mediante remuneração, pois seus usuários pagam pelo fornecimento do serviço, sendo a atividade, inclusive, voltada ao lucro. Assim, tem-se que a relação existente entre as partes configura relação de consumo.

No caso, a responsabilidade da Concessionária fornecedora de energia elétrica é objetiva, visto que ela responde pela reparação dos danos causados aos consumidores na prestação do serviço, independentemente da existência de culpa, conforme dispõem os arts. 37, § 6°, da CF, e 14, caput, do CDC.

Ainda que a unidade consumidora esteja registrada em nome apenas de José, os demais demandantes revelam-se legitimados para integrar o polo ativo da demanda, já que se trata de consumidores por equiparação (artigo 17 do CDC), pois residem no mesmo endereço e utilizam a energia elétrica prestada pela ré.

Caracterizada a relação de consumo, a inversão do ônus da prova se opera automaticamente (ope legis), tornando-se desnecessária a análise da vulnerabilidade do consumidor, que, no caso, é presumida.

E, no presente feito, a Concessionária não se desincumbiu de demonstrar a prestação adequada do serviço, nem mesmo a alegada ausência de dano causado aos consumidores.

A distribuidora é responsável, além das obrigações que precedem o início do fornecimento, pela prestação de serviço adequado a todos os seus consumidores, assim como pelas informações necessárias à defesa de interesses individuais, coletivos ou difusos, bem como serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Outrossim, a atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, assim como a melhoria e expansão do serviço (artigo 140, §§1º e 2 º da Resolução nº 414/10 da ANEEL).

Compulsando os autos, cumpre destacar que se trata de consumidores cuja unidade consumidora é qualificada como rural. Assim, o restabelecimento de energia elétrica deve-se dar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT