Acórdão nº 50024603820218210078 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50024603820218210078
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002602987
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002460-38.2021.8.21.0078/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Diego Alcino Pereira (23 anos de idade), dando-o como incurso pela prática dos delitos previstos no artigo 33, caput (duas vezes) e art.35, ambos da Lei nº 11.343/06, c/c art.12 da Lei nº 10.826/03, conforme seguintes fatos delituosos:

"FATO 01:

ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO

A partir de data não precisada nos autos, até o dia 04 de outubro de 2021, nas cidades de Veranópolis e Vila Flores, o denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA associou-se à adolescente Liziane Andrade Ciello, para o fim de praticar, reiteradamente, o crime de tráfico de drogas, previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06.

FATO 02:

CORRUPÇÃO DE MENORES

Nas mesmas condições de tempo e local do fato anterior, o denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA corrompeu ou facilitou a corrupção da adolescente Liziane Andrade Ciello, então com 15 anos de idade (nascida em 20.08.2006), com ela praticando o crime de tráfico de drogas.

FATO 03:

TRÁFICO DE DROGAS

No dia 04 de outubro de 2021, por volta das 15h50min, na Avenida Osvaldo Aranha, Centro, em Veranópolis/RS, o denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com a inimputável Liziane Andrade Ciello, trazia consigo e transportava, para fins de venda ou entrega ao consumo alheio, aproximadamente 67,15g (sessenta e sete vírgula quinze gramas) de Cocaína, sob a forma de 4 porções, alcalóide extraído da planta do gênero erythroxylum coca (auto de apreensão AUTOCIRCUNS 5, evento 1 e laudos de constatação PERÍCIA6, evento 1), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

FATO 04:

TRÁFICO DE DROGAS:

No dia 04 de outubro de 2021, por volta das 16h, na Linha Aimoré, 647, em Vila Flores/RS, o denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com a inimputável Liziane Andrade Ciello, tinha em depósito e guardava, para fins de venda ou entrega ao consumo alheio, aproximadamente 1.128,99g (um quilograma, cento e vinte oito gramas e noventa e nove centigramas) de Cocaína, sob a forma de 1 porção, alcalóide extraído da planta do gênero erythroxylum coca; aproximadamente 169,61g (cento e sessenta e nove vírgula sessenta e um gramas) de Cocaína, sob a forma de 6 porções, alcalóide extraído da planta do gênero erythroxylum coca; e ainda, aproximadamente 18,84g (dezoito vírgula oitenta e quatro gramas) de Maconha, sob a forma de duas porções, droga esta que possui o tetrahidrocanabinol, princípio ativo da Cannabis Sativa, (auto de apreensão AUTOCIRCUNS 5, evento 1 e laudos de constatação PERÍCIA6 e PERÍCIA7, evento 1), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

FATO 05

POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO:

Nas mesmas condições de tempo e local do FATO 4, o denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com a inimputável Liziane Andrade Ciello, possuía e mantinha sob sua guarda, nas dependências de sua residência, o revólver, marca Rossi, calibre 38, nº de série E23189708, (oito) projéteis calibre 38, intactos, e um projétil, calibre 380, intacto (auto de apreensão AUTOCIRCUNS 5, evento 1), tudo de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS AOS FATOS:

A partir de informações prévias acerca do envolvimento do denunciado e sua companheira Liziane Andrade Ciello com o tráfico de drogas na região, sendo responsáveis pelo armazenando e distribuindo das drogas a mando de Jonas de Vargas, líder da facção criminosa conhecida como “OS ABERTOS”, inclusive se utilizando do veículo VW/Saveiro, placas alfanuméricas IOP9E23 para fazer a entrega de drogas na região, a guarnição da Força Tática da Brigada Militar, em patrulhamento de rotina, avistou o veículo do denunciado estacionado próximo a um conhecido ponto de tráfico de drogas, razão pelo qual foi ele abordado. Na oportunidade, os policiais visualizarem a adolescente Liziane Andrade Ciello, possivelmente retornando ao veículo após efetuar a entrega de drogas em um ponto de tráfico. Ao revistar o automóvel quatro porções de Cocaína, pesando aproximadamente 67,15g (sessenta e sete vírgula quinze gramas), ocultas sob o painel do automóvel. Após a apreensão o denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA afirmou que possuía mais drogas em sua residência, na cidade de Vila Flores/RS, pelo que todos se deslocaram para o local. Já em Vila Flores e tendo a entrada na residência franqueada por familiares do denunciado, os policiais efetuaram buscas na residência, acompanhados pela irmã de DIEGO, oportunidade em que apreenderam o restante da droga descrita no fato 04 e a arma e munição descritas no fato 05, além de R$ 6.000,00 (seis mil reais) em espécie, além de materiais para embalagem da droga e um caderno contendo anotações acerca da venda de drogas".

O denunciado DIEGO ALCINO PEREIRA foi preso em flagrante delito, tendo sido a custódia convertida em prisão preventiva em 05/10/2021 (evento 18).

A denúncia foi recebida em 03/11/2021 (Evento 3 – DESPADEC1).

Após instrução do feito, sobreveio sentença (Evento 68 – SENT1) julgando parcialmente procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 33, § 4º, c/c o artigo 40, incisos IV e VI, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 06 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, em regime semiaberto.

Inconformada, a defesa apelou. Preliminarmente, alega a ocorrência de violação domiciliar por parte dos agentes públicos, pois as autoridades ingressaram na residência sem o cometimento do morador. Acrescenta que, conforme recentemente decidido pelo e.STJ no HC 616.854/RS, é necessário o registro, por parte dos policiais, da autorização para ingresso no domicílio. Argumenta, neste sentido, que, ainda que a irmã do réu tivesse franqueado a entrada dos policiais, ela não reside no local, sendo, portanto, ilícito o ingresso no domicílio. No mérito, sustenta que as provas produzidas são insuficientes para autorizar a condenação do réu por tráfico de drogas. Afirma que as substâncias apreendidas destinavam-se ao consumo pessoal do acusado, o qual se trata de usuário de drogas. No que se refere à corrupção de menores, aduz que não restou minimamente comprovado que a adolescente estivesse traficando. Quanto à posse irregular de arma de fogo, destaca que o armamento era destinado à proteção pessoal do réu. Pugna pela absolvição, com fundamento no 386, incisos II, V ou VII, do CPP. Subsidiariamente, requer a aplicação da privilegiadora do § 4º do artigo 33 da Lei de Tóxicos em seu grau máximo, pois alega que houve bis in idem quando o juízo valorou negativamente a natureza e a quantidade de drogas apreendidas na primeira e na terceira fase da dosimetria da pena (Evento 82 – RAZAPELA2).

O Ministério Público também interpôs recurso de apelação (Evento 84 – APELAÇÃO1). Nas razões, busca o afastamento da forma privilegiada do crime de tráfico de drogas pois, embora primário, Diego tem contra si elemento desabonatório consistente nos relatos dos agentes policiais indicando ser ele integrante de facção criminosa, conforme narrado nas fases policial e judicial. Pugna ainda, seja o réu condenado pelo delito de associação para o tráfico (Evento 83 – RAZAPELA1).

Foram oferecidas recírprocas contrarrazões pelo Parquet (Evento 85 – CONTRAZAP1) e pela Defesa (Evento 103 – CONTRAZAP1).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso ministerial e improvimento do recurso defensivo (Evento 7, PARECER1).

VOTO

Preliminarmente, a defesa do acusado sustentou a ilicitude da prova produzida, pois demonstrada a violação domiciliar sem a expedição de mandado de busca e apreensão, a caracterizar prova ilícita. Acrescenta, ainda, que não houve a autorização da irmã do réu para o ingresso na residência.

Sem razão.

O crime de tráfico de drogas é permanente, sendo que em casos de flagrante não há que se falar em invasão de domicílio pela ausência de determinação judicial prévia, conforme se infere da redação da garantia fundamental insculpida no art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal, que dispõe: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial." Assim, em que pese não desconheça a existência de crítica doutrinária a respeito do tema, permanece íntegro o entendimento perante as Cortes Superiores acerca do caráter permanente do crime de tráfico de drogas, sendo, por tal razão, relativizado o mandamento preconizado pelo art. 5º, inc.XI da Carta Magna.

Importante destacar que a matéria foi abordada em sede de recurso representativo da controvérsia, oportunidade em que o STF assentou o entendimento sobre a possibilidade de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, desde que amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, indicativas que a ação policial ocorreu em hipótese de flagrante delito, como é o caso dos autos, senão vejamos:

“Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT