Acórdão nº 50024626620188210028 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50024626620188210028
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002212699
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002462-66.2018.8.21.0028/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: GOSHME SOLUCOES PARA A INTERNET LTDA (RÉU)

APELADO: LETICIA BAUMGART LEONHARDT

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por GOSHME SOLUÇÕES PARA A INTERNET LTDA. em face da sentença (Evento 4, Processo Judicial 4, fls. 19/32) que, nos autos da ação cominatória cumulada com indenizatória por danos morais que lhe move LETICIA BAUMGART LEONHARDT, julgou procedentes os pedidos, determinando a exclusão definitiva do nome da autora do sítio eletrônico "JusBrasil" e condenando a demandada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar da data do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da mesma data.

Em suas razões (Evento 4, Processo Judicial 4, fls. 35/50; Processo Judicial 5, fls. 1/2), aduz a parte ré que o feito deve ser suspenso em virtude da tramitação do Tema nº 16, relativo a incidente de resolução de demanda repetitiva no qual houve o deferimento de efeito suspensivo estadual, ainda sem trânsito em julgado. Aponta para o entendimento firmado até o momento pelo TJRS, no sentido de reputar lícita a divulgação do conteúdo questionado. Defende que, ao contrário do sustentado pela parte autora, o documento divulgado não era sigiloso, porquanto se tratava de acórdão publicado no sítio eletrônico do TJRS para amplo conhecimento do público. Invoca jurisprudência do STJ sobre a matéria, afirmando que a parte autora carece de interesse de agir. Assevera que a sua atuação é distinta da de um veículo de imprensa comum, na medida em que não cria a informação, mas apenas fornece uma ferramenta para que se encontre aquilo que se está buscando na internet. Argumenta que há um fortíssimo interesse público na própria existência das ferramentas de busca, não devendo ser objeto de controle ou manipulação. Colaciona jurisprudência. Pondera que a remoção do conteúdo do buscador não satisfaz a pretensão autoral no sentido de ver seu nome desvinculado deste material, de modo que, caso entenda que a ferramenta de busca localizou informações pessoais falsas, sigilosas ou ilegítimas, deve direcionar o pedido a quem publicou tais informações; e se pretende que o conteúdo seja esquecido, deve direcionar a pretensão a quem mantém o arquivo na internet para consulta pública. Assim, alega que o feito deve ser extinto sem análise do mérito, ante a falta de interesse de agir da parte autora e ilegitimidade passiva de sua parte. Com relação ao mérito, sustenta que, enquanto ferramenta de busca, não pode ser responsabilizada por conteúdo publicado por terceiros nem obrigada a filtrar seus resultados. Assevera que, não tendo havido descumprimento de ordem judicial, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos invocados, o que afronta o disposto no artigo 19 do Marco Civil da Internet. Argumenta que a sentença não identificou de modo claro e preciso o documento a ser censurado, por meio da indicação da URL ou IP, nos termos do § 1º do referido dispositivo legal. Pondera ser impossível para o provedor de aplicações revisar humanamente toda a sua base de dados para inferir quais documentos se enquadram em pedidos genéricos de remoção. Defende a ausência de previsão legal que ampare a pretensão da parte autora, tendo em vista a vedação constitucional da censura. Tece comentários a respeito da plataforma "JusBrasil" e afirma ser impossível a exigência de que revise ou filtre todo o conteúdo que ingressa na sua base de dados. Menciona que não oferece resistência a pedidos de supressão de nome das pessoas, desde que estes sejam feitos com a indicação das respectivas URLs. Assevera que não há justificativa para o elevado valor fixado a título de indenização por danos morais, violando o disposto nos artigos 884 e 944 do CC, devendo ser reduzido. Pede, ao final, o provimento do recurso, para que a ação seja extinta sem resolução de mérito ou, sucessivamente, para que sejam julgados improcedentes os pedidos ou reduzido o valor da indenização por danos morais para não mais que um salário mínimo.

Não foram apresentadas contrarrazões (Evento 4, Processo Judicial 5, fl. 9).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto atendidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Narra a inicial que, no ano de 2010, a parte autora foi vítima de crime de furto seguido de estupro, ocorrido em sua residência. Relata que o criminoso foi denunciado pelo Ministério Público, sobrevindo sentença de procedência do pedido acusatório, com a condenação do então réu à pena de dezesseis anos de reclusão em regime inicialmente fechado. Relata que, por razões óbvias, ter seu nome divulgado em rede mundial de informações lhe causou enorme embaraço e desconforto psicológico. Comenta que, ao pesquisar seu nome no Google, deparou-se com fatos pormenorizados, inclusive seu endereço, no qual constava explicitamente como vítima de estupro junto ao site da empresa demandada, JusBrasil. Assevera que, diante desse fato, vem apresentando instabilidade emocional e sentimento de angústia profunda em razão de que os fatos sórdidos ocorridos estão a disposição de qualquer pessoa que faça busca por seu nome ou pelo nome do criminosos. Afirma que o conteúdo foi publicado há cerca de seis anos e se refere ao inteiro teor do acórdão no qual foi julgada a apelação interposta pelo condenado, constando nesse link o nome completo dos envolvidos no litígio com detalhes pormenorizados do crime. Argumenta que o processo tramitava em segredo de justiça, pois se tratava de grave crime sexual, motivo pelo qual não poderia ter suas decisões publicadas em lugar nenhum. Refere que tentou entrar em contato com a parte ré para que procedesse imediatamente à retirada das notícias, mas não obteve êxito. Defende a ilegalidade da conduta praticada pela empresa ré, na medida em que viola a sua intimidade, vida privada, honra e imagem. Sustenta que o dano moral no caso em tela é de natureza in re ipsa, os quais merecem ser reparados. Postula, ao final, a procedência dos pedidos, a fim de determinar a exclusão definitiva de seu nome do sítio eletrônico da ré, bem como condená-la ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00.

Sobreveio sentença de procedência dos pedidos, dela apelando a parte ré, que devolve a este Órgão Julgador a integralidade da matéria, inclusive com as preliminares de ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir.

Eminentes Colegas, a preliminar de ilegitimidade passiva não merece prosperar.

Aplica-se, in casu, a teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, em abstrato, a partir do alegado pela parte autora na petição inicial, sem adentrar na análise do caso, sob pena de apreciação meritória. Com efeito, o que importa é a afirmação da parte demandante, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria questão de mérito1.

Como bem explica o processualista Fredie Didier Jr., trata-se de análise feita à luz das afirmações do autor contidas em sua petição inicial2. Aliás, nesse sentido é a jurisprudência do c. STJ: REsp 832.370/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2007, DJ 13/08/2007 p. 366; REsp 1.678/GO, 4ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.02.1990; REsp 2.185/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 14.05.1990; REsp 86.441/ES, 1ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de 07.04.1997; REsp 103.584/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.08.2001.

Logo, diante da alegação na petição inicial de que a empresa teria disponibilizado em seu sítio eletrônico o inteiro teor de acórdão no qual teria a autora figurado como vítima, evento que, segundo assevera, deu ensejo às pretensões cominatória e indenizatória formuladas nos autos do presente, vai reconhecida a legitimidade passiva da ré.

Ainda, não merece prosperar a preliminar de falta de interesse de agir da parte autora. Dita preliminar está consubstanciada em suposto dever da parte autora de direcionar seus pedidos a quem efetivamente publicou as informações divulgadas.

Contudo, examinando as condições da ação abstratamente, com exclusiva atenção às afirmações constantes da inicial, não há como reputar a parte autora carecedora de ação por falta de interesse processual, tendo em vista que as alegações da peça incoativa e a documentação que a acompanha revelam a utilidade e a necessidade do provimento judicial pleiteado para a satisfação do direito afirmado pela parte.

Rejeito, pois, as preliminares contrarrecursais.

Ainda, cumpre examinar o pedido de suspensão do feito em virtude da ausência de trânsito em julgado do IRDR nº 16, deste Tribunal. Com efeito, não se desconhece que há determinação de suspensão estadual de todas as demandas que versem sobre o tema, tampouco que pende de apreciação no STF o julgamento do tema cuja repercussão geral foi reconhecida em 2021. Ocorre que a matéria enfrentada no repetitivo em questão não é a mesma discutida no âmbito do presente litígio, senão vejamos.

O Tema STF n.º 1141, cujo leading case (ARE 1307386) possui a relatoria da Ministra Cármen Lúcia, possui a seguinte descrição:

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II, IX, XIV, XXXIII, XXXVI e LX, 37, 93, IX, e 220 da Constituição Federal, a licitude da divulgação por provedor de aplicações de internet de conteúdos de processos judiciais, em andamento ou findos, que não tramitem em segredo de justiça, e nem exista...

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