Acórdão nº 50024797820198210057 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50024797820198210057
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002210766
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002479-78.2019.8.21.0057/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002479-78.2019.8.21.0057/RS

TIPO DE AÇÃO: Leve (art.129, caput)

RELATORA: Juiza de Direito ANDREIA NEBENZAHL DE OLIVEIRA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta por FABIANO DE GODOY FERREIRA, irresignado com a sentença que o condenou, como incurso nas sanções do artigo 129, § 9º, e artigo 147, caput, combinado com o artigo 61, inciso II, alíneas “e” e “f”, na forma do artigo 69, caput, todos do Código Penal, com incidência da Lei nº 11.340/06, à pena de 08 meses de detenção, no regime aberto, concedido o sursis mediante condições.

Narra a denúncia:

“1º Fato: No dia 18 de agosto de 2019, por volta das 4 horas e 30 minutos, na Rua Rui Ramos, n.º 58, Bairro Gaúcha, nesta cidade, o denunciado, prevalecendo-se das relações domésticas e coabitação, ofendeu a integridade corporal da vítima Idilia de Godoy Ferreira, sua genitora, causando-lhe as seguintes lesões: “[…] escoriação em região lombar esquerda [..]”, conforme Boletim de Atendimento Ambulatorial da fl. 10/11.

Na ocasião, após ingressar na residência da vítima, o denunciado agrediu a, jogando uma pedra em suas costas, causando as lesões acima indicadas. Ato contínuo, a Brigada Militar foi chamada ao local, ocasião em que o denunciado fugiu.

2º Fato: Nas mesmas condições de tempo e local do primeiro fato, o denunciado, prevalecendo-se das relações domésticas e coabitação, ameaçou, por palavras, a vítima Idilia de Godoy Ferreira, sua genitora, de causar-lhe mal injusto e grave. Na ocasião, após a prática do 1º fato, o denunciado retornou à residência da vítima, oportunidade que a ameaçou de morte, dizendo que colocaria fogo na residência com todos dentro.”

Em razões, o apelante, por meio de defesa constituída, insiste que a prova colhida não embasa a condenação. Postula absolvição, por insuficiência probatória. Em pedido alternativo, pede a desclassificação para vias de fato; o afastamento das circunstâncias agravantes previstas no artigo 61, inciso II, alíneas “e” e “f”, do CP; e a reforma do sursis concedido na sentença.

Com as contrarrazões, o Ministério Público opina pelo parcial provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Conheço do apelo, porque preenche os pressupostos de admissibilidade recursal.

Adianto que, com base na prova produzida, impositiva a manutenção da condenação do apelante, devendo ser responsabilizado pelas ameaças e lesões corporais perpetradas contra sua genitora, Edilia de Godoy Ferreira, tal como entendeu a Magistrada na origem.

A materialidade dos delitos restou devidamente comprovada pela comunicação de ocorrência, pelo boletim de atendimento ambulatorial que registra “[…] escoriação em região lombar esquerda [..]”, bem assim pela prova oral colhida no feito.

Igualmente, a autoria é certa.

Aproveito a resenha prova contida na sentença:

“A vítima Edília de Godoi Ferreira, ao ser ouvida em sede judicial (mídia, fl. 130), disse que o réu lhe deu uma pedrada. Referiu que o réu é usuário de drogas ena época, morava consigo. Relatou que o réu começou a brigar, momento em que pegou um tijolo e lhe jogou, acertando de raspão. Salientou que a briga ocorreu porque o réu queria dinheiro para comprar mais droga. Mencionou que Fernando estava drogado no momento e ele usa crack. Asseverou que o réu não trabalha e agora parou de usar drogas. Disse que o réu, após discutir, saiu de casa e, quando abriu a porta fazer ir para fora, o réu lhe jogou o tijolo.

O policial militar João Carlos Ribeiro, ao ser ouvido em juízo (mídia, fl. 130), disse que foram chamados para atender a ocorrência. Referiu que ao chegarem no local, o acusado não estava na residência, de forma que saíram procurar o réu. Mencionou que nesse meio tempo, receberam uma ligação de que Fernando havia retornado e estava ameaçando a mãe e a irmã. Asseverou que foram até o local e fizeram os procedimentos de praxe.

O policial militar Luciano Flavio Sguarizi, ao ser ouvido em sede judicial (mídia, fl. 130), disse que o réu foi conduzido a Delegacia e feios os procedimentos de praxe. Não se recorda dos detalhes do caso.

O réu Fabiano de Godoi Ferreira, ao ser interrogado em juízo (mídia, fl. 130), disse que estava na rua usando drogas e quando chegou em casa e começaram a discutir. Mencionou que se irritou muito e saiu de casa, de forma que jogou uma pedra em direção à porta, mas não com intenção de acertar a vítima. Asseverou que tinha usado crack e tomado cachaça.”

Frente a este contexto, da análise do conjunto probatório percebe-se que a palavra da vítima encontra amparo nos demais elementos de prova constantes nos autos, relativamente aos dois crimes.

É cediço que a palavra da vítima possui especial destaque nos delitos perpetrados no âmbito doméstico. É este o entendimento adotado pelas Cortes Superiores (STJ, AgRg no RHC 81.982/BA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017) e por esta Colenda Câmara Criminal (Apelação Criminal, Nº 70084533637, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em: 26-11-2020; Apelação Criminal, Nº 70084662774, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em: 26-11-2020).

Acerca do crime de ameaça, destaco que a promessa de mal injusto e grave, se idônea, configura o delito tipificado no artigo 147, caput, do Código Penal, sendo irrelevante a vontade do agente de efetivamente realizar tal intimidação. Isso porque, cuidando-se de crime formal, é prescindível a existência de um resultado naturalístico para sua consumação, bastando seja capaz de acarretar temor à parte ofendida.

Além do mais, não havendo dado concreto a indicar que a vítima possa ter falseado a verdade no intuito de prejudicar o acusado, seu filho, a recomendar cautela na análise do que declara, em princípio seu relato deve ser acreditado.

Inexiste qualquer fato que exclua a imputabilidade do denunciado ou o isente de pena, não se podendo admitir que atos de violência, sejam físicos ou psicológicos sirvam de instrumento para coibir/reprimir uma mulher ou causar-lhe sofrimento psicológico.

Assim, considerando que a vítima resultou lesada e se sentiu amedrontada pelo réu, conforme expressamente sustentado perante o Juízo, restam evidenciadas as condutas típicas e antijurídicas, fazendo-se imperiosa a penalização do agente.

Por fim, entendo seja inviável a desclassificação do delito imputado para a contravenção penal de vias-de-fato. É que, como é cediço, para que se possa cogitar estar caracterizada a contravenção e não o tipo penal expresso no art. 129,§9º CP, quando as lesões sofridas não puderem ser atestadas por exame próprio, o que - à evidência do boletim de atendimento ambulatorial, que atestou as lesões sofridas - não é o caso dos autos.

Assim, comprovadas as lesões sofridas pela ofendida, bem como as ameaças perpetradas pelo filho, vai mantida a condenação.

No que diz com o apenamento aplicado, entendo que, quanto ao delito de ameaça, tendo sido a pena fixada proporcional e adequada ao caso concreto, entendo que deva ser mantida, nos termos da sentença (02 meses de detenção).

Pequeno reparo carece à reprimenda aplicada no delito de lesões corporais. Com efeito, o Magistrado, ao analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fixou a pena-base pelo delito de lesão corporal no mínimo legal, em 03 meses de detenção. Pelo reconhecimento das agravantes previstas no artigo 61, inciso II, alíneas “e” e “f”, do CP, a pena restou em 06 meses de detenção, em regime aberto.

Contudo, há necessidade de afastamento da agravante do art. 61, inciso II, alíneas "e" e “f”, do Código Penal, o qual prevê que a pena poderá ser agravada nos casos em o delito for cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge e com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica.

Assim, já que tal agravante se encontra abrigada na própria previsão do tipo penal específico do artigo 129, §9º, do do Código Penal, trata-se, pois, em elementar do tipo. Desta senda, aplicar agravante cuja descrição já integra o tipo penal previsto seria incorrer em indevido bis in idem. Nesse sentido:

APELAÇÃO. LESÃO COORAL. ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INFRAÇÃO COMPROVADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Resultam as alegações de invalidades decorrente da ausência do Ministério Público à audiência de instrução e julgamento e de inobservância do artigo 212 do Código de Processo Penal, do intento - manifestado por alguns julgadores e operadores do direito - de ter como adotado no direito processual penal o chamado sistema acusatório puro - o que não ocorreu -, com evidente desprezo a critérios de hermenêutica, em nome de teses desenvolvidas com o propósito de adequar a legislação à ideologia dos julgadores. Tratando-se de crimes envolvendo violência doméstica e familiar, assume especial relevo a palavra da ofendida, em razão de tais infrações serem comumente praticadas na esfera da convivência íntima e em situação de vulnerabilidade, sem que sejam presenciadas por outras pessoas ou por pessoas das relações dos envolvidos no evento, mormente se...

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