Acórdão nº 50024803720208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 06-04-2022

Data de Julgamento06 Abril 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50024803720208210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001950395
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

AGRAVO INTERNO EM Apelação Cível Nº 5002480-37.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Oncológico

RELATORA: Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PELOTAS (RÉU)

AGRAVADO: CIPRIANO SILVEIRA CARDOSO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto pela UNIÃO, na condição de terceiro interessado, contra a decisão monocrática que deu provimento, em parte, à Apelação Cível 5002480-37.2020.8.21.0022 interposta contra a sentença que, nos autos da ação ajuizada por CIPRIANO SILVEIRA CARDOSO contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE PELOTAS para condená-los ao fornecimento do medicamento Sunitinib 50mg, julgara procedente a ação (evento 05 - DECMONO1).

Sustenta que "a solução dada pelo juízo a quo de direcionar o cumprimento da obrigação contra a União padece de nulidade e afronta os arts. 5º, inciso LIII, e 109, inciso I, da CF, e as regras de competência previstas no art.. 64, § 1º, do CPC/2015". Alega que, "ante a incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar a presente demanda, requer o provimento do presente recurso para excluir o direcionamento a União do fornecimento do medição em decisão proferida por juízo absolutamente incompetente". Pede, então, "a remessa do feito para a Justiça Federal" (evento 19 - AGRAVO1).

Intimados, apenas o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apresentou as contrarrazões (evento 28 - CONTRAZ1). É o relatório.

VOTO

É de ser negado provimento ao presente recurso, nos termos da decisão recorrida, verbis:

"O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 855.178/SE (TEMA 793), integrado pelos Embargos de Declaração, por maioria, em acórdão publicado em 16 de abril de 2020, assentou a seguinte tese de repercussão geral:

"Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro"(PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Eis a ementa do acórdão dos respectivos Embargos de Declaração:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.
4. Embargos de declaração desprovidos." (RE 855178 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Por pertinente, transcreve-se o seguinte excerto do voto do Redator, o Min. Edson Fachin, verbis:

"3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:
i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.
CF);
ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.)
e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas ;
iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;
iv) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;
v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;
vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11.

E, por derradeiro, em face do interesse público relevante, proponho que o Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu Fórum Nacional de Saúde, acompanhe os efeitos da deliberação deste Tribunal, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades com expertise e autoridade nesta matéria.

É como voto.
Tese fixada: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro"
. (Grifou-se)

Consta, ainda, do voto condutor que, embora "possa o cidadão, hipossuficiente, direcionar a pretensão contra a pessoa jurídica de direito público a quem a norma não atribui a responsabilidade primária para aquela prestação, é certo que o juiz deve determinar a correção do polo passivo da demanda, ainda que isso determine o deslocamento da competência para processá-la e julgá-la a outro juízo (arts. 284, par. único c/c 47, par. único, do CPC). Dar racionalidade, previsibilidade e eficiência ao sistema é o que impõe o respeito ao direito dos usuários". (Grifou-se)

Na esteira do voto acima transcrito, em precedentes recentes, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que as ações relativas à dispensação de medicamentos cuja aquisição compete a um dos entes políticos devem ser a ele direcionadas, ainda que haja deslocamento da competência.

Assim, na RCL 45777/GO, o em. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, em 02 de junho de 2021, assentou que, "Em se tratando de ação para fornecimento de medicamento, pode o autor dirigir a pretensão contra qualquer dos entes da federação, mas o juiz deve promover o direcionamento ao responsável primário, segunda a relação do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que a medida resulte na modificação da competência para o feito. (...) Além disso, (...) a competência administrativa é regulada por lei, de modo que é imprescindível que participe da demanda o ente federativo responsável por sua dispensa gratuita". Destacou, ainda, que "Não faz sentido, no quadro de penúria dos Estados, que caiba a eles providenciar tratamento de responsabilidade da União, para só depois pedirem ressarcimento. O ente federal tem mais condições financeiras e técnicas para obtenção do fármaco pretendido”, em decisão monocrática assim ementada (Grifou-se):

"DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO INCOORADO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). ALEGAÇÃO DE MÁ APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 793. 1. Reclamação ajuizada em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que manteve a negativa de seguimento a recurso extraordinário, com base no Tema 793 da repercussão geral, e, por consequência, a condenação do Estado reclamante a promover a cobertura integral do tratamento médico da parte autora. 2. No Tema 793 da repercussão geral, esta Corte fixou a seguinte tese: “[o]s entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde,...

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