Acórdão nº 50024930920198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50024930920198210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001087431
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002493-09.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Reconhecimento/Dissolução

RELATOR: Juiz de Direito ROBERTO ARRIADA LOREA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Vistos.

Cuida-se de recurso de Apelação interposto por J. C. S., inconformado com a decisão proferida nos autos da Ação Anulatória de Escritura Pública de União Estável ajuizada por P. de S., que julgou procedente o pedido para o efeito de declarar nula a escritura pública de união estável firmada pelo apelante com a irmã da autora, J. de S., já falecida.

Em suas razões recursais, em sede de preliminares, o apelante suscita o reconhecimento do cerceamento de defesa, em violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, ante o indeferimento da produção de prova testemunhal. Refere que a produção da prova testemunhal busca comprovar a união estável havida entre o apelante e a irmã da apelada, evidenciando a sua intenção de constituição de família. Afirma que após a decisão que limitou o rol de testemunhas, a apelada formolou pedido de substituição de testemunha, sem declinar o motivo, o qual foi deferido sem a necessária intimação da parte contrária, implicando a nulidade da sentença, que considerou tal testemunho.

Alega que a exordial é inepta, pois não identifica qual o vício de consentimento que teria maculado a intenção da falecida. Discorre que, de acordo com o despacho saneador, o cerne da discussão seria a condição cognitiva de J. quando firmou a escritura pública, no entanto, a sentença foi além dos limites fixados no despacho saneador, e analisou a questão envolvendo a existência da própria união estável. Nesse contexto, o recorrente requer o reconhecimento da nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

No mérito, em síntese, impugnou as alegações tecidas na exordial, repisando que conviveu com a de cujus desde julho de 2013 até a data do seu falecimento, de forma pública, contínua e ininterrupta, restando devidamente caracterizada a união estável entre eles havida, tanto é que firmaram escritura pública. Alega que, na oportunidade da assinatura, foi atestada a sua perfeita condição, lucidez e discernimento para tanto e que, em consulta médica imediatamente anterior ao ato, o médico atestou que a irmã da autora estava em boas condições mentais e apresentava, até o momento, juízo crítico para tomada de decisões.

Acrescenta que a revogação da procuração inicialmente dada à irmã, pela de cujus, se motivou no fato de que esta estava desconfiando de Patrícia, ora autora, com relação à sua conduta na administração da empresa Motel Astral Ltda. Informa que a apelada, utilizando-se da procuração que Jaqueline a havia outorgado com poderes gerais de administração, firmou a 3ª Alteração do Contrato Social de Motel Astral Ltda., integralizando aumento do capital social da empresa com bens imóveis particulares de Jaqueline.

Assim, requer o provimento do recurso para, preliminarmente, reconhecer a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de prova testemunhal pelo apelante e indeferimento da oitiva das testemunhas referidas, ou alternativamente, em razão da consideração de depoimento de testemunha, substituta após a apresentação do rol, fora das hipóteses do art. 451, do CPC, ou, reconhecer a nulidade da sentença por violação ao princípio da demanda, em razão da prolação de sentença diversa do pedido inicial, além de violação ao princípio da segurança jurídica, uma vez que a sentença foi além das matérias controvertidas fixadas por ocasião do despacho saneador; ou ainda, reconhecer a ausência de fundamentação da sentença, nos termos do art. 489, §1º, IV, do CPC eis que deixou de enfrentar questões relevantes ao deslinde da controvérsia, bem como, a inépcia da inicial, pela ausência de clareza na pretensão inicial e a determinação de exclusão de documento juntado após os memoriais.

No mérito, caso superadas as preliminares, seja reconhecida a validade da Escritura Pública Declaratória de União Estável firmada pelo apelante e Jaqueline, sustentando que refletiu a vontade das partes e a intenção de constituir família, confirmada pela relação de fato existente, que preenche todos os requisitos de uma união estável.

Ofertadas as contrarrazões recursais, sobreveio aos autos, parecer do Ministério Público, manifestando-se pelo conhecimento e provimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

O recurso, porque preenchidos os requisitos de admissibilidade, resta conhecido.

Sustentou a autora que sua irmã, Jaqueline, que veio a óbito em 08/09/2018, acometida de limitações e doenças, formalizou escritura pública de união estável com o demandado, Júlio, apontando o início como 27/07/2013. Argumentou, no entanto, que à época da lavratura da referida escritura, apresentava quadro clínico avançado e, com isso, o documento redigido estaria eivado de erro, simulação, coação e induzimento.

Busca o apelante a reforma da sentença de procedência da demanda anulatória de escritura pública de união estável, ajuizada pela irmã da alegada companheira do apelante.

Na esteira do bem lançado parecer da eminente Procuradora de Justiça Heloísa Helena Zigliotto, tenho que comporta reforma a sentença recorrida, aos efeitos de impor a improcedência do pedido originário e, com isso, declarar prejudicadas as preliminares arguidas.

Consoante asseverado no parecer ministerial (evento 7), o qual acolho integramente, "a escritura pública de declaração de união estável não acarreta presunção juris tantum da veracidade dos fatos narrados, na medida em que registra, apenas, o que foi declarado pelos declarantes, sem atestar quanto a veracidade das afirmações. Isso porque, nos termos do artigo 1.723 do Código Civil, a união estável, entendida como a entidade familiar fundamentada convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, reflete uma situação de fato, não podendo sua existência ser materializada apenas de forma documental".

Ocorre que a escritura pública lavrada pelo Tabelião é dotada de fé pública, consoante dispõe o artigo 215 do Código Civil1, o que implica em dizer que a sua anulação depende da incapacidade do agente, vício de consentimento, simulação ou fraude, nos termos do artigo 138 e seguintes do Código Civil.

No caso vertente, tenho que a parte autora não se desincumbiu do ônus de comprovar vício de consentimento quando da confecção da escritura pública de união estável pela falecida irmã, tampouco que ela não possuía plena capacidade para o ato. Nesse contexto, somando-se à existência de provas documentais suficientes - estão a amparar a existência da união de fato.

A par disso - e dos elementos vertidos nos autos, tem-se que a irmã da autora, Jaqueline, embora doente, estava em pleno gozo de suas faculdades mentais, apresentando, portanto, capacidade e discernimento para firmar a escritura pública de união estável com Júlio, ora apelante, com o qual já se relacionava desde meados de julho de 2013.

Com isso, em que pese constar da inicial de que a sra. Jaqueline apresentava fortes indícios de incapacidade, inexistem nos autos provas suficientes a autorizarem a veracidade de tal alegação. Assim, descabido presumir que os problemas de saúde enfrentados por ela lhe incapacitavam para exprimir sua vontade.

Ao contrário disso, foi demonstrado nos autos, atestando o médico Dr. Marcelo Ricardo Rosa Roxo, que, em consulta realizada cerca de dois meses antes da confecção da escritura pública de união estável, que Jaqueline (...) encontra-se em boas condições mentais e apresenta, até o momento, juízo crítico para tomada de decisões relacionadas...

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