Acórdão nº 50024957720228210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50024957720228210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003205558
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002495-77.2022.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador EDUARDO KOTHE WERLANG

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: CARLOS ERNANI CAMARGO BATTILANA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por PORTOCRED SA - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, nos autos da ação revisional movida por CARLOS ERNANI CAMARGO BATTILANA, da sentença datada de 26/07/2022, como segue:

Vistos.

CARLOS ERNANI CAMARGO BATTILANA propôs ação revisional de contrato bancário contra PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO .

A parte autora da ação revisional afirmou ter celebrado contrato de empréstimo pessoal nº 3812639202 com a instituição financeira ré. Alegou que, no decorrer do contrato, houve excesso na cobrança de juros remuneratórios, pelo que requereu a procedência da ação para revisá-lo e a repetição de valores.

O pedido de gratuidade judiciária foi deferido.

Citado, o réu contestou. Preliminarmente, alegou sua ilegitimidade passiva para readequar os descontos liminarmente e conexão. Sustentou, no mérito, que o contrato foi livremente pactuado pela parte autora, inexistindo qualquer abusividade nas cláusulas ajustadas. Requereu a improcedência da ação.

Sobreveio réplica.

Relatei.

Decido.

A matéria comporta julgamento imediato consoante artigo 355, I do CPC, eis que desnecessária a produção de outras provas.

Não prospera a preliminar de ilegitimidade passiva. Ainda que os descontos sejam realizados pelas entidades associativas ou sindicatos de categoria, a relação contratual foi celebrada com a instituição financeira ré, a quem cabe cumprir as determinações judiciais acerca do negócio.

Ademais, afasto a hipótese de reunião das ações revisionais ajuizadas pela parte autora em face da parte ré para julgamento conjunto, tendo em vista que as demandas encontram-se em fases processuais distintas e o seu apensamento, neste momento, não contribuiria com a celeridade processual.

Limito-me ao exame da legalidade das cláusulas contratuais expressamente impugnadas pelo autor, em conformidade com o tema 36 do STJ.

A par do que foi sumulado pelo Colendo STJ (súmula 297), o CDC é aplicável às instituições financeiras. Não obstante, consoante ao Tema 24 daquela Corte e a súmula 596 do STF, as disposições do Dec. nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

JUROS REMUNERATÓRIOS

A revogação do art. 192, § 3º, da CF/88 pela EC nº 40, de 20 de maio de 2003 esgotou a discussão quanto à limitação dos juros remuneratórios à taxa de 12% ao ano, o que restou consolidado com o tema 25 do STJ, que expressamente estabelece que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Outrossim, o simples fato de os juros remuneratórios contratados serem superiores à taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade. (Jurisprudência em Teses - STJ, item 8).

Acrescente-se que a média é um valor indicativo de uma maior concentração de distribuição num intervalo medido. Não é adequado, para a hipótese, admiti-la como um valor absoluto e, sim, entender aceitáveis as taxas praticadas no intervalo próximo àquele índice apontado pelo BC como referência.

No caso em análise, de acordo com consulta no site do Banco Central do Brasil1, verificou-se que os percentuais praticados a título de juros remuneratórios pela instituição bancária, ora ré, ficaram acima do limite de 30% da taxa média estabelecida pelo Bacen na série 25467, restando caracterizada a abusividade.

DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO

Reconheço a possibilidade de restituição dos valores pagos a maior nas parcelas já liquidadas. A repetição deverá ser de forma simples, apenas sobre a quantia paga a maior (conforme o art. 42 do CDC), pois a parte autora não comprovou a má-fé da instituição financeira.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo à taxa média de mercado à época da contratação (1,26% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais), nos termos do art. 85, §8º, do CPC.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A recorrente alega preliminarmente que a sentença é nula de pleno direito visto que a decisão impugnada sequer mencionou os argumentos utilizados pela Portocred, não respeitando os ditames dos artigos 11 e 489, §1°, IV, do CPC. Alega que houve violação aos princípios do contraditório e ampla defesa em razão da inexistência de despacho saneador acarretando violação do art. 369, caput, do CPC. Aduz pela carência de ação e ilegitimidade passiva no que tange à readequação e suspensão dos descontos. Informa que os descontos nos proventos dos funcionários passam a ocorrer com sua devida autorização, através do convênio estabelecido entre instituição financeira e Sindicatos/associações, que atuam junto ao órgão pagador, proporcionando aos associados empréstimos pessoais facilitados. No mérito, alega ausência de abusividade quanto a taxa de juros aplicada em virtude de que o simples fato da taxa de juros estar acima da média divulgada pelo BACEN não caracteriza a existência de desvantagem exagerada em relação ao consumidor, tampouco de vantagem excessiva para a Portocred, pois há uma margem de tolerância de 30% estabelecida jurisprudencialmente. Alerta que a correção monetária deve ser pela taxa selic. Postula a inversão dos ônus sucumbenciais e a improcedência da ação ordinária.

Apresentada contrarrazões (evento 44, CONTRAZAP1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço da apelação.

Preliminares

Da nulidade da sentença

A parte alega que não foram analisados todos os argumentos trazidos em contestação pelo juízo "a quo". Cabe frisar que o Julgador não precisa examinar e responder a todos os argumentos deduzidos pelas partes, sendo suficiente e relevante expor os motivos do seu convencimento e os pontos relevantes e fundamentais para a resolução do litígio. No caso, as questões de fato e de direito foram apreciadas, não havendo necessidade de se justificar cada ponto da matéria ventilada mas que a decisão abordada esteja arrazoada.

Não se constata a existência de vício de fundamentação na sentença, porquanto a Julgadora de origem expôs as razões do seu convencimento quanto à abusividade dos juros remuneratórios pactuados no instrumento contratual sob revisão, em observância ao disposto no art. 489, § 1º, IV, do Código de Processo Civil.

Da ausência do despacho saneador

A alegada nulidade da sentença em razão do juízo "a quo" não ter possibilitado a parte produção de outras provas em razão de ter sido proferido despacho saneador com intimação das partes para indicação das provas que pretendem produzir, não merece prosperar.

Esclareço a ausência de despacho saneador não importa em nulidade processual, pois incumbe ao julgador determinar as provas necessárias à instrução processual, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Cabe ao magistrado da lide encerrar ou não a instrução probatória por compreender suficientes os elementos constantes nos autos. Desnecessário proferir despacho saneador posteriormente à réplica, até porque sequer houve juntada de novos documentos no referido momento, situação que ocasionaria cerceamento de defesa ao autor da ação e não a demandada.

Da carência de ação e ilegitimidade passiva

Afasto a preliminar arguida pois resta genéria e sem indicação do sujeito passivo a quem caberia responder a lide em questão. Ademais as associações de categorias profissionais, num modo geral, não são partes legítimas para figurar no polo passivo das demandas revisionais de contrato bancário, por não comporem a relação jurídica de direito substancial.

No mérito

A parte autora da ação revisional afirmou ter celebrado contrato de empréstimo pessoal nº 3812639202 com a instituição financeira ré. Alegou que, no decorrer do contrato, houve excesso na cobrança de juros remuneratórios, pelo que requereu a procedência da ação para revisá-lo e a repetição de valores.

Dos juros remuneratórios

Relativo aos juros remuneratórios a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça sedimentou que “a estipulação de juros remuneratórios superior a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

Ainda, pacificou-se a jurisprudência no sentido de que não incide a Lei de Usura quanto à taxa de juros remuneratórios nas operações realizadas com as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, consoante Súmula n. 596 do Supremo Tribunal Federal, “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

Tal controvérsia já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530-RS, sob o rito dos recursos repetitivos, conforme segue:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS...

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