Acórdão nº 50024997220188210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50024997220188210035
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002365114
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5002499-72.2018.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JOSE CONRADO KURTZ DE SOUZA

EMBARGANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMBARGADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes opostos por MATEUS SILVA DE ABREU, por intermédio da Defensoria Pública, contra o acórdão da 1ª Câmara Criminal (evento 13, ACOR2) que, por maioria (Des. Manuel José Martinez LUCAS e Dra. Andreia Nebenzahl De Oliveira), negou provimento ao recurso, vencido o Des. Jayme Weingartner Neto, que deu parcial provimento ao recurso ao efeito de desclassificar a conduta do réu para o Art. 28 da Lei nº 11.343/2006, e, de ofício, declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, com base no Art. 30 da Lei nº 11.343/2006 e Art. 107, IV, do Código Penal (evento 12, EXTRATOATA1).

Em suas razões (evento 22, EMBINFRI1), a defesa sustenta que assiste razão ao voto da lavra do Des. Jayme Weingartner Neto, que decidiu no sentido de desclassificar a conduta do réu para o Art. 28 da Lei nº 11.343/2006, e, de ofício, declarar extinta a punibilidade do embargante pela prescrição da pretensão punitiva. Nesses termos, requer o acolhimento dos embargos infringentes para que prevaleça o voto divergente.

Recebidos os embargos infringentes (evento 24, DESPADEC1).

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer pelo desprovimento dos embargos infringentes (evento 34, PARECER1).

Vieram-me conclusos os autos.

Registre-se que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 613, inciso I, do Código de Processo Penal e 170 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

A defesa sustenta que assiste razão ao voto da lavra do Des. Jayme Weingartner Neto, que desclassificou conduta para os lindes do Art. 28 da Lei nº 11.343/2006, e, de ofício, declarou extinta a punibilidade em face da prescrição da pretensão punitiva. Nesses termos, requer o acolhimento dos embargos infringentes para que prevaleça o voto divergente.

Para melhor contextualizar o caso penal, transcrevo o voto minoritário:

"(...) Com a vênia do eminente Relator, divirjo para reconhecer a ilicitude da prova obtida no interior da residência, por violação de domicílio, desclassificando a conduta para a prevista no artigo 28 da Lei de Drogas, em relação ao entorpecente apreendido na via pública.

Segundo narrativa dos policiais, eles receberam denúncia anônima de que um indivíduo, de nome Matheus, estaria traficando em um bar. Dirigiram-se até o local, onde realizaram a abordagem do réu. Em revista pessoal, apreenderam 05 pinos de cocaína. O acusado teria informado possuir maior quantidade de entorpecentes em sua residência, levando os policiais até lá. Na casa foram apreendidos os demais entorpecentes.

No que tange à apreensão feita na residência do acusado, é de ser declarada ilícita a prova da materialidade, por violação de domicílio, pois não demonstrada situação de flagrante dentro da residência a legitimar o ingresso, nem a voluntariedade do alegado consentimento para o ingresso.

Sobre a abordagem, não há referência à prévia investigação ou monitoramento. Os policiais não mencionaram terem visualizado troca de objetos ou qualquer ato de mercancia. Ainda, com o réu foi apreendida pequena quantidade de entorpecentes. O cenário flagrado não revela fundadas razões de flagrante dentro da residência a legitimar o ingresso sem autorização.

Destaco que é preciso haver percepção “ex ante” da situação de flagrância. Este é o núcleo da minha posição. Significa dizer que não é a apreensão de drogas [posterior] que convalidará a abusiva entrada [anterior] na casa alheia.

Neste sentido, na orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 603616, apreciando o tema 280 da sistemática da repercussão geral, a Corte Suprema consignou expressamente que “não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida”. Assentado que a melhor interpretação é sempre a sistemática, parece inviável, na linha da fundamentação do STF, aventar que a simples natureza de crime permanente (de algumas modalidades de tráfico) autoriza, sem qualquer outra consideração, o ingresso dos policiais no domicílio.

Ainda, não há elementos a demonstrar a voluntariedade do consentimento para o ingresso - os policiais afirmam que o réu, após abordado, os levou até a sua residência e franqueou o acesso.

A crer nas declarações dos policiais, o acusado, abordado na via pública, após revista pessoal em que localizada uma pequena quantidade de entorpecente, de modo espontâneo, informou o endereço e acompanhou os agentes públicos até sua residência, permitindo que os policiais ingressassem na residência mesmo sem mandado para tanto; mais que isso, sabia da existência de drogas e facilitou as buscas, as quais resultaram exitosas. Trata-se de inusitada figura criminológica: o traficante altruísta, que se imola em prol da persecução penal. Se por um lado, a praxe é afirmar a legitimidade e eficácia das palavras dos policiais, por outro, não se pode negar que, do panorama narrado, séria dúvida resulta acerca da permissão para ingresso na casa.

Expostos tais parâmetros e fundamentada a análise do caso em exame, concluo que, demonstrado que os policiais ingressaram na residência do réu, sem mandado judicial e não evidenciada por meio hígido permissão para tanto – não perceptível situação de flagrante –, maculada está a legalidade do ato, o que vicia as apreensões e, por consequência, afeta, no contexto dos autos, o reconhecimento da materialidade da prova daí obtida.

Permanece, assim, a prova da materialidade decorrente da abordagem realizada na via pública: 05 pinos de cocaína.

A tese acusatória vem amparada na narrativa dos policiais que, em juízo, afirmam que a motivação da diligência foi denúncias anônimas sobre o comércio de entorpecentes. Contudo, não foram visualizados quaisquer atos que indicassem...

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