Acórdão nº 50025052320208211001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50025052320208211001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001742433
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002505-23.2020.8.21.1001/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por BRADESCO SAÚDE S/A, nos autos desta ação que lhe move JUAN CARLOS HOBBAS OTTO, menor, neste ato representado por sua genitora ALICE CATALINA MARTINEZ HOBBAS, contra a sentença referente ao evento 98, SENT1 dos autos originários, em que julgados procedentes os pedidos.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos.

JUAN CARLOS HOBBAS OTTO, menor, neste ato representado por sua genitora, Alice Catalina Martinez Hobbas ajuizou Obrigação de Fazer com pedido de tutela antecipada em face de BRADESCO SAÚDE S.A., já qualificados na inicial.

A genitora do menor, referiu que seu filho fora diagnosticado com transtorno do espectro autista (CID 10: F84.0), sendo ajuizado processo anterior, visando o custeio das terapias prescritas necessárias para o desenvolvimento do filho. Contudo, aduziu que as terapias prescritas deixaram de surtir o efeito desejado, sendo prescrita medicação a base de canabidiol como parte do tratamento. Informou que o requerente já fez uso de inúmeras medicações, a saber: risperidona, quetiapina, clorpromazina, aripiprazol, donarem, escitalopram, e ramelteona, em diferentes esquemas terapêuticos e em diferentes dosagens, mas que acabaram ocasionando efeitos adversos indesejáveis, como ganho excessivo de peso (aumento de 20 kg) e/ou ausência de eficácia que o colocam em risco de acidentes. Sinalou a prescrição do medicamento requerido pela médica neuropediatra, Dra. ALESSANDRA MARQUES PEREIRA, CRM 26102, o fármaco Canadibiol (PratiDonaduzzi), para utilização de forma regular, por tempo indeterminado e com início urgente, visando minimizar os efeitos dos demais medicamentos utilizados. Discorreu acerca do direito, defendendo a imprescindibilidade da utilização do medicamento prescrito, indicado pela médica neuropediatra, ressaltando que o medicamento possui autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Sinalou a aplicabilidade do código consumerista, ressaltando a abusividade da negativa da parte demandada quanto ao fornecimento da medicação prescrita. Postulou, em sede de liminar, o fornecimento do medicamento a base de Canadibiol (PratiDonaduzzi), na apresentação 200 mg/ml, frasco de 30 ml, na dose diária de 1 ml ao dia, de forma regular e por tempo indeterminado e, ao final, a sua confirmação. Juntou documentos (Evento 1-docs. 2/21).

O Ministério Público opinou pelo deferimento da tutela (Evento 12).

Deferida a liminar (Evento 14), restando determinado o custeio da medicação descrita na inicial, no prazo de 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, limitada a 60 dias, bem como deferida a gratuidade judiciária.

Citada a demandada apresentou defesa (Evento 23), impugnando o valor dado à causa, defendendo a necessidade de correção do mesmo para o valor de alçada, considerando a natureza da ação. No mérito, discorreu acerca das particularidades do plano de saúde, acrescentando que a genitora teria sido informada acerca da cobertura de medicamentos somente em regime de internação e ambulatorial ou com finalidade quimioterápica no tratamento do câncer e para imunobiológico nos tratamentos específicos. Referiu a ausência de previsão contratual acerca do fornecimento do medicamento de uso oral/domiciliar, acrescentando que o mesmo não se encontra no rol da ANS. Discorreu acerca da boa-fé contratual nos planos de saúde, colacionando doutrina e jurisprudência acerca do tema. Afirmou a manifesta improcedência do pedido de cobertura da medicação requerida pela parte autora, propugnando pela improcedência do feito. Juntou documentos (2/9).

Apresentada réplica (Evento 31).

Saneado o feito, sendo rejeitada a impugnação ao valor da causa e intimadas as partes acerca do interesse na produção de provas (Evento 39), postulando a parte demandada a expedição de ofício à ANS (Evento 48), requerendo a parte autora o julgamento antecipado do feito (Evento 52).

Acolhido o pedido de expedição de ofício à ANS (Evento 61), sendo acostada resposta (Evento 71) e apresentados documentos, manifestando-se as partes (Evento 77 e 78).

Remetidos os autos ao MP, apresentando parecer final, opinando pela procedência da ação (Evento 95).

Vieram os autos conclusos.

É O RELATÓRIO.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

ISSO POSTO, nos termos do art. 487, I do CPC, confirmo a tutela deferida, tornando-a definitiva e JULGO PROCEDENTE o pedido formulado nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por JUAN CARLOS HOBBAS OTTO, menor, representado por sua genitora, Alice Catalina Martinez Hobbas, em face de BRADESCO SAÚDE S.A., para o fim de determinar que a demandada forneça/custeie integralmente o medicamento prescrito a base de Canadibiol (PratiDonaduzzi), na apresentação 200 mg/ml, frasco de 30 ml, na dose diária de 1 ml ao dia, de forma regular e por tempo indeterminado, nos termos da fundamentação.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono dos autores, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do § 2º, do art. 85, do Código de Processo Civil.

Em face da nova sistemática do Código de Processo Civil e, diante da inexistência de juízo de admissibilidade, (art. 1010, § 3º do CPC), em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do RS.

Registre-se.

Publique-se.

Intimem-se.

Em suas razões recursais (evento 106, APELAÇÃO1 dos autos originários), a parte ré sustenta que o rol de procedimentos previstos na Resolução da ANS tem natureza taxativa, sendo que se contrário fosse, haveria desequilíbrio financeiro-econômico, além de risco à segurança jurídica em razão das possíveis flexibilizações. Nesse sentido, menciona o RESp nº 1.733.013/PR, julgado pela e. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Alega que o fármaco postulado não é de cobertura obrigatória em razão do seu uso domiciliar. Assevera a expressa exclusão contratual de procedimentos não previstos no rol da ANS. Defende a inexistência do dever de cobertura. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões, com pedido de majoração dos honorários advocatícios para 20% do valor atribuído à causa (evento 111, CONTRAZAP1 dos autos originários).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte ré é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando comprovado o preparo no evento 106, CUSTAS2 do processo originário.

No que concerne ao pedido formulado pela parte autora em sua peça contrarrecursal, no sentido de que fossem majorados os honorários sucumbenciais para 20% sobre o valor atualizado da causa, ressalto que não merece ser conhecido.

Impende consignar que, irresignada com as conclusões exaradas na sentença pelo Juízo de Origem, a parte autora deveria ter apresentado o recurso cabível, o que não foi feito.

Desse modo, o pleito contrarrecursal não consiste no meio recursal apropriado para se insurgir quanto a eventual necessidade de majoração dos honorários advocatícios arbitrados em seu favor, razão pela qual não vai conhecido.

Passo à análise do mérito do recurso.

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação...

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