Acórdão nº 50025070820218210144 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segundo Grupo de Câmaras Criminais, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50025070820218210144
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegundo Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003050776
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5002507-08.2021.8.21.0144/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

EMBARGANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

EMBARGADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

GUSTAVO TEIXEIRA QUEQUE opôs, por intermédio da Defensoria Pública, embargos infringentes e de nulidade contra o acórdão proferido pelos integrantes da egrégia 3ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça.

Na decisão, a 3ª Câmara Criminal, por maioria, conheceu em parte do recurso defensivo e, na parte conhecida, negou-lhe provimento. O recurso ministerial foi parcialmente provido para reconhecer a incidência da majorante do artigo 40, VI, da Lei de Drogas, condenar o réu pelo crime de associação para o tráfico e redimensionar a pena privativa de liberdade.

O Dr. Leandro Augusto Sassi, Juiz Convocado, por sua vez, instaurou divergência, a fim de dar parcial provimento ao recurso defensivo para absolver o réu quanto ao delito de associação para o tráfico, mantendo a condenação pelo tráfico de drogas, aplicando a privilegiadora.

Em razões, o embargante transcreveu o voto dissidente e requereu a sua prevalência, uma vez que representa a melhor solução para o tema (evento 19, EMBINFRI1).

Em parecer, o douto Procurador de Justiça, Dr. Renoir da Silva Cunha, manifestou-se pelo desacolhimento dos infringentes (evento 30, PROMOÇÃO1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

Conheço do recurso porque adequado e tempestivo.

O embargante foi condenado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, e artigo 40, inciso III, ambos da Lei n° 11.343/06, combinado com o artigo 65, inciso I, do CP.

A acusação e a defesa opuseram recursos de apelação, tendo a 3ª Câmara Criminal decidido, por maioria, por também condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, reconhecendo, ainda, a incidência da majorante do artigo 40, VI, da Lei de Drogas.

Restou vencido o Dr. Leandro Augusto Sassi, que concordou com a incidência da majorante, mas entendeu por manter a absolvição do réu em relação ao delito de associação para o tráfico, bem como em reconhecer a privilegiadora do artigo 33, §4º, da Lei de Drogas.

Primeiramente, por oportuno, ressalto que, nos termos do parágrafo único do artigo 609 do Código de Processo Penal1, a análise da matéria devolvida nos embargos infringentes e de nulidade deve se restringir ao objeto da divergência.

O embargante busca a prevalência do voto proferido pelo Dr. Leandro Augusto Sassi, o qual, pela pertinência transcrevo:

"Estou de acordo com a decisão exarada no voto do relator, no tocante à desclassificação do delito de corrupção de menores à constituir causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei 11.343/06.

Por outro lado, divirjo no que tange ao édito condenatório exarado pelo relator no que diz com crime de associação para o tráfico, bem assim quanto à aplicação da pena, mormente em razão do necessário reconhecimento da privilegiadora constante no art. 33, §4º da Lei de drogas, e, por corolário lógico, a fixação da pena disso resultante.

Com a devida vênia ao entendimento esposado pelo relator, esposo entendimento no sentido de acompanhar os fundamentos consignados pelo juízo sentenciante a concluir pela inexistência de prova cabal a sustentar um veredito condenatório quanto ao crime de associação para o tráfico, mormente diante da necessidade de comprovar-se o animus associativo para a configuração do crime previsto no art. 35 da lei nº 11.343/2006 imputado ao réu.

Para fins de caracterização do delito de associação para o tráfico, exige-se, imprescindivelmente, a demonstração de estabilidade, permanência, colaboração mútua e função definida de cada integrante. Essas caracterizadoras, porém, não restaram esclarecidas no caso em testilha.

Analisando o arcabouço probatório produzidos, não constato haver elementos a demonstrar a intenção do réu e outros indivíduos em constituir uma sociedade com a finalidade de cometer crimes, nem a existência de organização entre eles, com hierarquia definida, para atingir fins delituosos ligados as drogas.

É verdade que há nos autos fortes elementos a indiciar possível vínculo do réu com indivíduos outros com quem travou diálogos via whatsapp. Todavia, não existe comprovação da forma como se daria a suposta associação, há quanto tempo ela existiria, as funções de cada qual no suposto vínculo associativo.

Veja-se que a própria acusação não consegue sequer delimitar temporalmente eventual relação associativa, aduzindo na peça portal que esta teria se dado "(...) pelo menos desde 31 de outubro de 2021, em ação que restou interrompida quando do flagrante ocorrido no dia 1º de novembro de 2021 (...)", recorte temporal um tanto quanto exíguo.

A prova da associação demanda a demonstração inequívoca que o acusado – em outras oportunidades pretéritas – já vinha realizando a prática delitiva, bem como que pretendiam dela fazer um negócio permanente.

Assim, é explícito que o vínculo associativo permanente deva ser considerado apartado daquele que gerou a acusação pelo tráfico em si. Em outras palavras, é delito autônomo podendo configurar concurso de crimes, mas nunca uma relação de causa e efeito. Há a necessidade de prova acerca desta estabilidade ou permanência da associação e não decorre simplesmente da existência do tráfico de drogas por mais de uma pessoa.

É óbvio que o réu, para praticar o tráfico de drogas, não sendo o próprio produtor do entorpecente, obrigatoriamente, deveria comprar a droga de algum fornecedor para posteriormente revender aos usuários. Tal fato, entretanto, não caracteriza qualquer associação e sim, mero vínculo de compra e venda entre traficantes independentes.

Assim, ainda que os diálogos telefônicos representem a compra e venda de drogas de outros indivíduos, em nada comprova que estariam estes associados ao réu, não sendo a acusação sequer capaz de informar a identidade destes supostos associados, quando mais delimitar a participação de cada um.

Aliás, cumpre ressaltar que nem mesmo o fato da prisão em flagrante do réu, na posse de entorpecentes, ter se dado na companhia da adolescente Paola tem o condão de demonstrar que ambos possuíam algum espécie de vínculo associativo para o tráfico de drogas, ainda que ambos, hipoteticamente, pudessem de fato estar praticado o art. 33 da Lei 11.343/06 em coautoria.

A associação para o tráfico, prevista no art. 35, da Lei nº 11.343/06, exige, para a sua configuração, o animus associativo, a comprovação da existência de vinculação duradoura, com caráter permanente.

Não se pode permitir um padrão genérico de se tachar de associação para o tráfico toda e qualquer coautoria eventual. O delito previsto no art. 35, da Lei de Drogas, pressupõe, para o seu reconhecimento, a demonstração do dolo de associar-se de forma estável. É necessário, assim, que se identifique na societas criminis o caráter permanente, que não se confunde com a mera coautoria.

Desta forma, tendo havido apenas a comprovação de que o réu detinha a quantidade de entorpecentes apreendida, naquela oportunidade específica, não observo a prova necessária do intuito associativo, caracterizando-se apenas a coautoria com menor de idade, o que já resta suficientmente punido pelo reconhecimento da respectiva majorante.

Dito isso, anêmica a prova da associação, entendo que a absolvição do réu é medida que se impõe em relação ao cometimento do delito de associação para o tráfico.

Ademais, conforme mencionado no introito, divirjo no que tange ao não reconhecimento da privilegiadora do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 em favor do réu.

Considero, com a vênia devida, que afastada a associação para o tráfioc, deve ser reconhecida a figura do tráfico privilegiado, já que se encontram presentes todos os requisitos necessários ao seu reconhecimento.

Inicio pontuando, em que pese haver menção em diálogo via aplicativo whatsapp a indicar que o réu estaria a vender entorpecentes- o que demonstra apenas a prática do próprio delito de tráfico - é certo que não possui antecedentes criminais, sendo primário, de modo que a prova utilizada como fundamento, à míngua da existência de outro processo criminal quanto a tanto, bem assim diante da absolvição quanto ao delito de associação para o tráfico, não é suficiente a denotar dedicação à atividade criminosa, em atenção ao princípio da presunção de inocência.

Assim, não havendo reincidência e nem mesmo outras condenações, inviável afirmar que a recorrente se dedique a atividades criminosas, ou participe de organização criminosa.

Quanto às decisões dos Tribunais Superiores, não desconheço que o STJ tem decidido pela possibilidade de afastar a causa de diminuição quando o acusado estiver sendo processado por outros crimes, sendo isso, para esse Tribunal, pois, indício de dedicação a atividades criminosas, sem que se cogite ofensa à presunção de inocência:

“1. É cediço que para a aplicação do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, o condenado deve preencher, cumulativamente, os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 a 2/3, a depender das circunstâncias do caso concreto. 2. Admite-se a consideração de ações penais em curso para se concluir que o acusado pelo crime de tráfico de drogas se dedica a atividades criminosas, circunstância que afasta a aplicação da minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. 3. Na hipótese, o Tribunal a quo...

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