Acórdão nº 50025198020218210157 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50025198020218210157
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002664088
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002519-80.2021.8.21.0157/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: ADRIANO BATISTA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ADRIANO BATISTA em face da sentença de improcedência, proferida nos autos da ação em que litiga com BANCO BMG S.A, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

Vistos etc.

ADRIANO BATISTA ajuizou OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, em face de BANCO BMG S.A. ambas partes já qualificadas nos autos. Narrou, em síntese, a é aposentado do INSS e percebeu que vem sofrendo descontos mensais no valor de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) referente a contrato de cartão de crédito consignado junto ao banco Réu, tombado pelo nº 15939723, com a data de inclusão em 13/01/2020. Afirmou que em nenhum momento celebrou contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), modalidade abusiva ao consumidor que não contem data limite para cessar. Postulou a inversão do ônus da prova, a aplicação do CDC, bem como o deferimento de tutela de urgência para que fosse determinada a suspensão dos descontos no benefício previdenciário, sob pena de multa diária. No mérito, pediu a procedência da ação, com a declaração de inexistência da obrigação do pagamento das cobranças, a devolução de todas as parcelas descontadas indevidamente do autor em dobro, bem como, a condenação do demandado ao pagamento de indenização por dano moral no montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Pugnou pela concessão da gratuidade judiciária. Juntou documentos.

Concedida a gratuidade judiciária e deferida a antecipação de tutela (Evento 3).

A instituição financeira demandada apresentou contestação (Evento 8). Arguiu preliminarmente a inadequação do valor da causa e ausência de interesse de agir. No mérito, sustentou, em síntese, a legalidade da contratação, diante da inexistência de vício de consentimento. Defendeu a legalidade do saque mediante utilização do cartão de crédito consignado e teceu considerações quanto à diferença entre a modalidade contratada e o empréstimo consignado. Alegou que o débito pode ser extinto com o pagamento integral da fatura o que acabaria com os encargos do crédito rotativo. Discorreu acerca da ausência de dano moral ou material. Postulou a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica.

Oportunizada dilação probatória, as partes discorreram sobre as provas já produzidas.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATO.

[...]

DISPOSITIVO

Diante do exposto, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ADRIANO BATISTA em desfavor de BANCO BMG S.A.

Em vista da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais e das Despesas Processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que vão fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com correção monetária, pelo IGP-M, a contar desta data, e juros legais, a partir do trânsito em julgado, forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

A verba honorária deve ser corrigida pelo IGP-M a contar da data da prolação da sentença e acrescida de juros moratórios de 1% a.m. a partir de seu trânsito em julgado.

Por ser a parte beneficiária da gratuidade da justiça, tais verbas deverão permanecer com a exigibilidade suspensa, conforme dispõe o artigo 98, §§ 2º e 3º do CPC.

[...]

Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões (evento 43, APELAÇÃO1), o autor defende a necessidade de reforma da sentença. Refere, em síntese, que jamais solicitou qualquer cartão de crédito objetivando, em verdade, a contratação de um empréstimo consignado. Salienta inexistir prova acerca da remessa e conseguinte recebimento do cartão ou das faturas o que, entende, afigura-se imprescindível para a validação da cobrança. Tece considerações acerca dos descontos realizados, colaciona precedentes e, ao final, requer o provimento do recurso com o integral acolhimento de sua insurgência, a fim de que seja convertido o contrato para empréstimo consignado, repetidos em dobro os valores pagos indevidamente e reparado o dano moral que lhe foi ocasionado.

Apresentadas contrarrazões (evento 44, CONTRAZAP1), o processo veio concluso a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente consigno que diante do entendimento majoritário desta 23ª Câmara Cível1 no sentido de que a suspensão determinada no IRDR 700846505892 somente atinge os processos que se encontram no primeiro grau, passo ao julgamento do presente recurso.

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Consoante se verifica da petição inicial dos autos de origem, a parte autora se insurge quanto ao desconto de valores a título de "RMC" em seu benefício previdenciário. Afirma que ao procurar a instituição financeira ré com o intuito de contratar um empréstimo consignado em folha de pagamento – com juros e taxas atrativas dada a garantia de pagamento de tal modalidade de negociação – restou induzida à adesão, em verdade, a serviço de cartão de crédito. Outrossim, jamais teve a intenção de obter qualquer cartão, tampouco fora informado de que essa seria a modalidade de operação que estava lhe sendo vendida.

A efetiva existência dos descontos impugnados, por sua vez, é fato incontroverso nos autos, tendo sido admitida pelo banco réu em sua defesa (evento 8, CONT1). Outrossim, a instituição financeira defende que o contrato foi realizado de forma livre e espontânea afirmando, ademais, que a cobrança em discussão neste feito decorre de sua adesão expressa ao serviço de cartão de crédito. A questão controvertida diz respeito, em suma, ao reconhecimento da existência, ou não, de vício de vontade e falha no dever de informação quando da contratação, pela parte aderente, de cartão de crédito com margem consignável.

Nesse contexto, e sem que se olvide a argumentação deduzida pela parte ré, a existência de termo de adesão a cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha devidamente firmado (evento 8, CONTR3), tenho por comprovada a ocorrência de vício de consentimento e violação aos direitos básicos do consumidor hipossuficiente, hábeis a embasar o decreto de procedência do pedido inicial. Digo isso, pois, a análise das faturas trazidas aos autos pela ré confere verossimilhança à alegação da parte autora no sentido de que sua intenção sempre foi a contração de um empréstimo consignado em folha de pagamento e não de um cartão de crédito. De referidos documentos (evento 8, FATURA4) claramente se percebe que, para além do saque fracionado do limite total de crédito disponibilizado ao consumidor, nenhuma outra movimentação ou compra fora realizada. Havendo, portanto, plausibilidade na tese inicial de que a parte autora – pessoa idosa – realmente desconhecia a contratação de um cartão de crédito em seu nome.

Por outro lado, tenho por relevante ressaltar que nada veio aos autos que pudesse atestar a efetiva observância, pelo banco réu, do dever de informação, previsto pelo artigo 6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, quando da contratação. Inexistindo, portanto, como se afirmar que, anteriormente à assinatura do pacto, foram, adequada e suficientemente, informadas ao aderente todas as condições da negociação e viabilizada, por consequência, sua livre e orientada manifestação de vontade, requisito de validade imprescindível à formação de qualquer negócio jurídico. Ônus – que, a par das disposições da legislação consumerista incidentes à espécie e, em especial, da inversão do ônus da prova ora aplicável em razão da verossimilhança das alegações da parte hipossuficiente – não logrou êxito em se desincumbir.

Assim, a par de todas estas considerações, tenho por evidente que o autor foi induzida a erro e nele mantido, já que aderiu a um pacto de cartão de crédito quando acreditava estar contratando um empréstimo com o desconto de parcelas mensais em seu benefício previdenciário. Outrossim, dada a natureza da operação e o caráter excepcional dos juros aplicados, este pagamento mínimo acordado (RMC) jamais permitiria a quitação desse contrato. Justamente porque, mensalmente, o saldo devedor estava sendo refinanciado e acrescidos de encargos rotativos. O que, muito em breve – e acaso não ajuizada a ação – certamente levaria a autora a valer-se, novamente, dos serviços do réu.

A anulação da contratação objeto deste feito é, portanto, uma medida que se impõe. Relativamente às consequências da anulação do negócio jurídico em apreço, entendo possível seja aproveitado, mantida a essência inicialmente buscada pela parte consumidora (crédito pessoal consignado em folha de pagamento junto ao INSS). Dessa forma, possível a conversão da obrigação de cartão de crédito, ora em análise, para um contrato de crédito pessoal consignado cujo cômputo do valor final devido e das parcelas mensais a serem descontadas deverá observar a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central do Brasil, no período das respectivas disponibilização de valores/saques (séries temporais 20746 e 25468 do BACEN). Com base em tais parâmetros, deverá ser procedido o recálculo do débito, cômputo que, registre-se, poderá ser realizado, de forma ágil e simplificada, pela própria parte interessada, através da ferramenta eletrônica disponibilizada3 pelo Banco Central do Brasil e em observância as diretrizes ora estabelecidas.

Relativamente à repetição de valores, necessário registrar que, muito embora, já tenha me manifestado pela aplicação na sua forma simples, melhor refletindo...

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