Acórdão nº 50025438020218210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50025438020218210037
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002958041
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002543-80.2021.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: UNIMED SANTA MARIA/RS - COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE LTDA (RÉU)

APELADO: MIGUEL BULHOSA DE SOUZA (AUTOR)

RELATÓRIO

UNIMED SANTA MARIA/RS - COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE LTDA interpõe recurso de apelação em face da sentença de parcial procedência proferida nos autos da presente ação de obrigação de fazer ajuizada por parte de MIGUEL BULHOSA DE SOUZA, representado pelo genitor.

Adoto o relatório da sentença (evento 64), que transcrevo:

Miguel Bulhosa de Souza, representado pelo genitor, ajuizou ação de obrigação de fazer contra Unimed Santa Maria Sociedade Cooperativa de Serviços Médicos Ltda., também qualificada nos autos. Informou ser beneficiário do plano de saúde contratado, na qualidade de dependente do genitor. Argumentou que, em 2013, foi diagnosticado com TEA – transtorno do espectro autista (CID 10 F84.0), ocasião em que foram indicadas terapias permanentes para o desenvolvimento motor, cognitivo e social, por intermédio de especialistas, como psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Discorreu acerca da moléstia que o acomete. Destacou que, desde o momento do diagnóstico, estava requerendo à ré a cobertura integral das terapias realizadas. Mencionou que a demandada, entretanto, indeferiu os requerimentos protocolados. Destacou que fazia terapia psicopedagógica, empregando-se o método ABA (applied behavior analysis), a um custo de R$ 100,00 por sessão; sessão semanal com psicóloga, a um custo de R$ 90,00 por sessão; e duas sessões semanais de fisioterapia, no valor de R$ 70,00 a sessão. Destacou que, em 2020, novamente requereu a cobertura integral das terapias ou, de forma alternativa, o reembolso das despesas. No entanto, mencionou que a requerida efetuou o reembolso parcial com os profissionais da saúde que acompanham o autor. Argumentou que houve o reembolso do valor de R$ 8.097,48, referente às terapias, todavia, mencionou que o valor das despesas somou R$ 27.690,00, de modo que era devido pela parte demandada a quantia de R$ 19.592,52. Citou legislação aplicável ao caso. Colacionou jurisprudência. Requereu, liminarmente, fosse determinado à ré que efetuasse a imediata cobertura de oito horas semanais de terapia psicopedagógica (método ABA), duas sessões semanais de fonoaudiologia, uma sessão semanal de psicóloga e duas sessões semanais de fisioterapia, com atendimento feito pelos profissionais de saúde que já estavam atendendo o autor. No mérito, pugnou pela cobertura integral das terapias pleiteadas, assim como ressarcimento do valor de R$ 19.592,52, correspondente à diferença entre os valores reembolsados. Acostou documentos (evento 1).

Deferiu-se a medida liminar e designou-se audiência de conciliação (evento 11).

A parte demandada apresentou pedido de reconsideração e pugnou pela revogação da medida liminar (evento 31).

O autor manifestou-se acerca do pedido apresentado pela requerida (evento 39).

Restou inexitosa a sessão conciliatória (evento 40).

Unimed Santa Maria – Cooperativa de Assistência à Saúde Ltda. apresentou contestação (evento 43). Mencionou que firmou com a associação dos professores universitários da UFSM um contrato de plano de saúde coletivo, do qual o autor era beneficiário. Ressaltou que o contrato possuía cobertura para exames e tratamentos em prestadores credenciados pela ré. Narrou que, de acordo com o contrato, qualquer tipo de atendimento médico para ser coberto pela Cooperativa deve ser executado única e exclusivamente pelos médicos cooperados e demais serviços credenciados da Unimed Santa Maria. Ressaltou somente ser direito dos usuários realizarem procedimentos fora da rede credenciada nos casos de indisponibilidade dos serviços contratados. Argumentou que a Unimed Santa Maria/RS possuía rede própria contratada para prestar os serviços requeridos na Comarca em que reside o postulante. Alegou que ficou ajustado com a parte ré que seriam reembolsados os valores pagos pela parte ré aos prestadores credenciados, descontadas as coparticipações, situação que foi aceita. Argumentou que, havendo rede credenciada, não teria a obrigação de ressarcir nada ao autor, por optar fazer tratamento com profissionais não credenciados. Destacou que não negou a realização dos procedimentos, apenas indicou a rede credenciada para a realização. Colacionou jurisprudência. Requereu a improcedência dos pedidos formulados pela parte autora. Acostou documento.

Houve réplica (evento 47).

Intimaram-se as partes sobre o interesse na dilação probatória (evento 49).

O autor requereu o julgamento do feito (evento 54).

Em parecer, o Ministério Público opinou pela procedência dos pedidos formulados na peça inicial (evento 61).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Miguel Bulhosa de Souza na presente ação que move contra Unimed Santa Maria Sociedade Cooperativa de Serviços Médicos Ltda. para:

a) determinar à parte demandada que forneça/custeie de forma integral o tratamento com terapia psicopedagógica, na proporção de 8 horas semanais, conforme laudo apresentado (documento 5, evento 1), sob pena de bloqueio de valores;

b) condenar a parte demandada ao ressarcimento dos valores pagos a título de terapia psicopedagógica, observando-se, para tanto, os valores despendidos pela parte autora (R$ 5.640,00; R$ 2.340,00; R$ 630,00; R$ 3.150,00, documento 6, evento 1), descontando-se os valores já adimplidos a este título (R$ 3.734,28, documento 10, evento 1). Os valores devidos deverão ser corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar da data de cada desembolso, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, considerando, para tanto, o tempo de tramitação do feito, o trabalho realizado e a média complexidade da demanda, conforme art. 85, § 2º, do CPC.

Outrossim, condeno a parte demandada ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, considerando os mesmos parâmetros acima referidos, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Enfim, vedo a compensação de honorários nos termos do art. 85, § 14, do CPC.

Publicações, registro e intimações já agendados eletronicamente.

Em suas razões recursais (evento 71), a parte alega que o procedimento pleiteado não consta no Rol de cobertura obrigatórias da ANS, em razão da inexistência de suporte técnico e científico sólido, havendo alternativas no próprio rol para o atendimento em questão. Argumenta que o referido rol não se trata de mera lista sem embasamento algum, mas sim, de documento técnico exposto à análise dos mais diversos órgãos de classe visando especialmente não submeter a saúde suplementar ao custeio de procedimentos sem comprovação científica ou custo desarrazoado frente ao resultado proporcionado. Sustenta que o não ressarcimento dos atendimentos apresentados, está de acordo com o princípio contratual da sua efetiva função social, na medida em que o alto custo deste procedimento, causa danos irreversíveis aos demais usuários do plano de saúde e à própria coletividade. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, a fim de julgar procedentes os pedidos iniciais.

Devidamente preparado o recurso.

Contrarrazões apresentadas (evento 77),.

Nesta sede, parecer do Ministério Público, no sentido de negar provimento ao recurso (evento 7).

Regularmente distribuídos, vieram os autos conclusos a esta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo diretamente ao exame do mérito.

Tratando-se de demanda a respeito do dever de cobertura do plano de saúde de tratamento médico, cabe recordar a incidência ao caso de direito fundamental - direito à saúde - direito de 2º geração, insculpido na Constituição Federal de forma clara, nos termos das disposição dos arts. 6º e 196, os quais reproduzo:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Recordo que o direito à saúde é um direito fundamental, insculpido de forma clara na Constituição Federal, pois, conforme leciona Germano Schwartz1, a saúde é "um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado à sua qualidade. Assim, a saúde se conecta ao direito à vida."

Neste viés, o direito à saúde é de responsabilidade de todos os Entes Estatais e está associado, fortemente, ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares da República Federativa do Brasil, conforme prescreve a Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil,...

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