Acórdão nº 50025443520168210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50025443520168210039
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001475797
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002544-35.2016.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Imissão

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: PRAIA DE BELAS ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES LTDA (AUTOR)

APELADO: VERENA MARIA CANTARUTTI FLORES (RÉU)

RELATÓRIO

PRAIA DE BELAS ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA apela da sentença proferida nos autos da ação de imissão de posse ajuizada em desfavor de IVAN ROBERTO DOS SANTOS DA ROSA, cujo dispositivo enuncia:

DIANTE DO EXPOSTO, forte no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTE a presente IMISSÃO DE POSSE, por acolhida a exceção de usucapião arguida em relação ao réu IVAN ROBERTO SANTOS DA ROSA. Condeno a parte autora nas custas e honorários advocatícios do patrono da parte adversa, que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais) nos moldes do art. 85, § 8º, do CPC. Em tempo, defiro AJG ao réu.

Em suas razões, argui, preliminarmente, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação suficiente. Aponta que, não obstante a alegação de que o anterior proprietário do imóvel, Ervino Presser Einsfeld, era incapaz em decorrência de sua interdição decretada por conta do mal de Alzheimer, tal questão não foi abordada pela sentença. Discorre sobre a prova oral e a circunstância de as testemunhas terem afirmado que Ervino frequentava o local. Aponta infringência ao disposto no art. 489, § 1º, IV, do CPC. No mérito, sustenta que, como legítima proprietária do imóvel localizado na Estrada Capitão Gentil Machado de Godoi, entre os números 5001 e 4727, Distrito de Água Bela, no Município de Viamão, pretende ser imitida na posse, com a condenação do requerido ao pagamento de indenização pela ocupação indevida, na forma de aluguéis. Salienta que o imóvel foi cedido pelo anterior proprietário, a título de comodato, ao demandado. Destaca que a manutenção do contrato de comodato não mais lhe interessa, razão pela qual notificou o requerido, para que desocupasse o imóvel em trinta dias. Assevera que o requerido não deixou o local, tampouco justificou a sua permanência. Ressalta que o réu está em mora desde 07/08/2012, residindo no imóvel sem qualquer contrapartida. Frisa que Ervino tinha a posse original do imóvel, que se situa ao lado do autódromo de Tarumã. Afirma que o imóvel jamais foi uma área abandonada, até Ervino adoecer. Acrescenta que todos os registros da área junto à municipalidade e aos órgãos públicos estão em nome de Ervino e sua sucessora, assim como todos os tributos sempre foram pagos pelo titular do domínio. Observa que a justificativa sentencial para negar a pretensão dominial está na única circunstância de que não houve demonstração do comodato, que veio a ser denunciado através da notificação premonitória. Aduz que a sentença não merece prevalecer, pois o réu não logrou demonstrar a que título ingressou no imóvel, a ponto de ser reconhecido como se dono fosse, como determina o art. 373, II, do CPC. Argumenta que o seu ônus era demonstrar a propriedade do imóvel, o que foi realizado a contento, deixando o réu, no entanto, de provar que a interversão do caráter da posse, já que o ingresso no bem ocorreu a título de comodato. Ressalta que há equívoco da sentença ao afirmar que o tambo de leite do réu estaria localizado nos próprios do terreno objeto da demanda. Salienta que o tambo de leite está localizado no terreno em frente à área que é objeto da demanda, as quais estão separadas por uma estrada asfaltada. Assevera que o imóvel objeto da demanda, não era e jamais foi morada do réu, que o usava de forma consentida, tão somente para plantação de alimentos. Destaca que a posse do demandado era consentida. Discorre sobre o disposto nos arts. 1.200 e 1.203 do CC. Requer o provimento do apelo, para desconstituir a sentença ou, não sendo esse o entendimento, julgar procedente a ação, condenando o réu a restituir o imóvel, com a fixação de alugueis, cujo termo inicial deve ser fixado na data da notificação.

Com as contrarrazões, os autos vieram à apreciação desta Corte.

Registro, por fim, que, em razão da adoção do sistema informatizado, os procedimentos ditados pelos artigos 931, 934 e 935, todos do CPC, foram simplificados, sendo, no entanto, observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

De início, registro que a preliminar de nulidade da sentença, por deficiência de fundamentação, confunde-se com o mérito e com ele será apreciada.

Como visto, pretende a autora ser imitida na posse do imóvel localizado na Estrada Capitão Gentil Machado de Godoi, entre os números 5001 e 4727, Distrito de Água Bela, no Município de Viamão.

De acordo com a inicial, a área em questão vem sendo ocupada indevidamente pelo demandado que, mesmo notificado, negou-se a deixar o local no prazo assinalado na missiva. Daí o ajuizamento da ação de imissão de posse, a fim de reaver o imóvel que se encontra, injustamente, na posse do demandado.

Cristiano Chaves de Farias et. al, citando Carlos Roberto Gonçalves 1, assinalam que a imissão de posse é uma ação peculiar, pois seu polo passivo só compreende o alienante ou terceiros a eles subordinados como meros detentores (v. g., caseiro). Sua base jurídica reside no fato de que quem transmite a propriedade também transfere a posse da coisa. Daí, o novo proprietário só se imite contra quem lhe outorgou tal condição, mas não efetivou o acordo.” (grifou-se).

Por nesse viés, então, a ação de imissão de posse não poderia ser ajuizada em face de quem não se obrigou (por instrumento particular de compra e venda ou escritura pública) a transmitir a posse.

De todo o modo, cuidando-se de ação petitória, o "nomem juris" atribuído à demanda pouco importa, mostrando-se possível a sua análise como reivindicatória, cujos requisitos para a concessão da medida também são analisados com base no art. 1.228 do CC.

A demanda reivindicatória é uma ação fundada no direito de sequela, mediante a qual o proprietário pleiteia a retomada do bem que se encontra indevidamente nas mãos de terceiro.

A propósito, leciona em sede doutrinária Arnaldo Rizzardo 2:

Esta é uma ação real, exercitável erga omnes, que objetiva a retomada da coisa de quem quer que injustamente a detenha. (...). Segundo é proclamado, “trata-se de ação do proprietário sem posse contra o possuidor não proprietário, ficando a cargo do primeiro a prova do seu domínio e a posse injusta do segundo.

Decorre ela da parte final do art. 1.228 do Código, que assegura ao proprietário o direito de reaver os seus bens de quem injustamente os possua. Funda-se no direito de seqüela, armando o titular do domínio de meios para buscar o bem em mãos alheias, retomá-lo do possuidor e recuperá-lo do detentor. Visa o proprietário a restituição da coisa, seja imóvel ou móvel, eis que perdido se encontra o jus possessionis, pedindo que se apanhe e retire a mesma, que se encontra no poder ou na posse de outrem, sem um amparo jurídico.

Cuidando-se de típica ação do proprietário sem posse contra o possuidor desprovido de domínio, apresenta como requisitos a prova da titularidade da coisa reivindicanda, a individualização do bem e a comprovação da posse injusta.

Da análise da certidão anexada no Evento 3, PROCJUDIC1, Página 13, verifica-se que o imóvel em questão, objeto da matrícula 18.621 do Registro de Imóveis de Viamão, corresponde a uma fração da terras, com área de 210.819,09m2, situada no lugar denominado Águas Belas. Essa área, até 1980, pertencia a Viamar Empreendimentos Imobiliários Ltda., Antônio da Silveira Neves, Ivan Roberto Santos Rosa, Fábio Feijó da Silva, Ambrósio Feijó da Silva, Ervino Pressler Einsfeld, Israel Ferreira Vianna e Automóvel Clube do Rio Grande do Sul.

Em 11/07/1980, a área em questão foi dividida, cabendo a Ervino Pressler Einsfel a fração de 56.711 m² e, em 25/04/2016, acabou transferida à Praia de Belas Administração e Participações Ltda.

A partir das fotografias anexadas com a inicial, verifica-se que a área se encontra individualizada, embora na matrícula do imóvel permaneça em condomínio (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 31).

Encontram-se, pois, preenchidos os dois primeiros requisitos da ação reivindicatória: titularidade e individualização do bem.

Quanto ao terceiro pressuposto, deve-se, inicialmente, afastar a vinculação da injustiça da posse à má-fé do possuidor, conforme a doutrina de Silvio de Salvo Venosa 3:

A justiça ou injustiça da posse é conceito de exame objetivo. Não se confunde com a posse de boa ou de má-fé, que exigem exame subjetivo, ou seja, exame da vontade do agente. Para sabermos se uma posse é justa, não há necessidade de recorrer à análise da intenção da pessoa. A posse pode ser injusta e o possuidor ignorar o vício.

Outrossim, tratando-se de ação reivindicatória, não é aplicável o conceito da posse justa previsto no art. 1.200 do diploma civil, segundo o qual: É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.”.

A jurisprudência consolidada desta Corte é no sentido de que a posse injusta do art. 1.228 do diploma civil seria mais abrangente, bastando, para sua caracterização, a ausência de causa jurídica que embase a posse exercida pela parte ré.

Ocorre que, no caso concreto, o requerido aventa, em sede defensiva, a exceção de usucapião, a qual constitui justificativa hábil ao afastamento da injustiça da posse. Verifica-se, nesta linha, que a pretensão do requerido é fulcrada no art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil.

Na contestação, o réu nega que o seu ingresso no imóvel tenha origem num contrato de comodato, sequer conhecendo o anterior titular da área. Ingressou no imóvel em 1986, acreditando que não possuía proprietário. Desde então, passou a cuidar da área como se dono fosse, plantando no local cana, aipim, batata...

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