Acórdão nº 50025473220218210130 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50025473220218210130
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002885958
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002547-32.2021.8.21.0130/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATOR: Desembargador MARCO AURELIO HEINZ

APELANTE: EVELYN LUIZA PAULUS MORAES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (REQUERENTE)

APELANTE: VERA LUCIA PAULUS DA CRUZ MORAES (Pais) (REQUERENTE)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (REQUERIDO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por EVELYN LUIZA PAULUS MORAES, representada por sua genitora VERA LUCIA PAULUS DA CRUZ MORAES, inconformada com a sentença que julgou extinto o feito proposto em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, sem resolução de mérito, forte no art. 485, IV, do CPC.

Em suas razões recursais, sustenta que não existe razão para que seja obrigatória a inclusão da União no polo passivo da ação. Alega que os entes federados são solidariamente responsáveis nas ações de prestação de saúde, podendo o autor escolher contra quem deseja demandar. Destaca que não se trata de litisconsórcio necessário. Inquestionável que na tese fixada no Tema 793 do STF não houve nenhuma menção de que a União Federal deva figurar no processo como ré quando a pretensão veicular tratamento não padronizado. Frisa que a assistência farmacêutica está regulada em nível nacional, no Brasil, pelas portarias n. 1554 e 1555/2013, que organizam a oferta de remédios no SUS em três componentes que compõem o Bloco de Financiamento da Assistência Farmacêutica - Básico, Estratégico e Especializado, além do Programa Farmácia Popular. Diz que com exceção da Farmácia Popular, em todos os outros componentes o financiamento e a escolha de qual componente o medicamento fará parte é tripartite, ou seja, da alçada de todos os Entes da Federação. Assevera que por se tratar de medicação ainda não incorporada pela rede pública de saúde, não se afigura cabível o direcionamento judicial de cumprimento de obrigação, por não haver, no caso em comento, qualquer distribuição administrativa de competências para o seu fornecimento. Requer a concessão de tutela provisória recursal, e, a final, o provimento do recurso para desconstituir a sentença.

O apelado oferece contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença, porque em se tratando de medicamento não incorporado no SUS, indispensável a inclusão da União no polo passivo da lide.

Nesta instância, opina a Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

Não merece reforma a respeitável sentença.

Cuida a espécie de ação em que a autora, menor de idade, portadora de Rinite Alérgica não especificada, pagologia classificada sob o CID 10:J 30.4, necessita fazer uso contínuo do medicamento AVAMYS SPRAY 27,5mcg, 2 jatos em cada narina, 2 vezes ao dia, conforme laudo médico (Evento 1 - LAUDO11, originário).

Com efeito, o direito à saúde é direito fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais neste sentido são autoaplicáveis, dada a importância dos referidos direitos.

Compete à União, aos Estados e aos Municípios o resguardo dos direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra expressa do art. 196 da Constituição Federal. Da mesma forma, dispõe claramente a Constituição Estadual, em seu art. 241, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e dos Municípios.

Mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal retomou a discussão a respeito dos limites da atuação do Poder Judiciário na concretização do direito fundamental à saúde, quando do julgamento do RE 855.158, com repercussão geral reconhecida (Tema 793), e, por maioria de votos, fixou a seguinte tese: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro", nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 23.05.2019.

Em sede de embargos de declaração, o mesmo sodalício expressou compreensão no sentido de que:

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas suas hipóteses), a União necessariamente comporá o pólo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90) de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e comprovada necessidade, observado, para tanto, os parâmetros definidos no art. 28 do Decreto Federal n. 7.508/11”.

O artigo 19-Q, da Lei n. 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, dispõe:

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 1º A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente: I. estar o usuário assistido por ações e serviços do SUS; II. ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde e, III. estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos (art. 28, do Decreto n. 7.508/2011).

Pois bem.

O medicamento AVAMYS SPRAY pleiteado pela autora não está incluído nas listas públicas do Sistema Único de Saúde pública.

Dito isso, as contemporâneas decisões do Supremo Tribunal Federal indicam que, ao determinar a inclusão da União no polo passivo da demanda, com a consequente remessa dos autos à Justiça Federal, os Tribunais de origem seguem a tese de repercussão geral examinada no RE 855.178 (Rel. Min. LUIZ FUX, Tema 793).

Nesse sentido, colaciono recentes decisões da Suprema Corte:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DOS ENTES FEDERADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO PADRONIZADO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS. INCLUSÃO DA UNIÃO NO POLO PASSIVO. TEMA 793 DA REPERCUSSÃO GERAL. REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

(...)

(...)Por se tratar de ação na qual a parte autora pleiteia o fornecimento de medicamentos não padronizados no Sistema Único de Saúde – SUS, verifica-se que a conclusão do Tribunal de origem divergiu do entendimento firmado no Tema 793 da repercussão geral, pelo qual se determina a necessidade de inclusão da União no polo passivo da lide.

9. Considerando eventuais consequências da suspensão do tratamento médico, e com base no princípio da dignidade humana, deve ser mantido o fornecimento do medicamento/tratamento ao recorrido na forma como deferido na origem, até a autoridade competente promover novo exame do caso.

10. Pelo exposto, dou provimento ao presente recurso extraordinário (al. b do inc. V do art. 932 do Código de Processo Civil e § 2º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para reformar o acórdão recorrido proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, incluindo-se a União no polo passivo da ação originária, e determinar a remessa dos autos à Justiça Federal, mantido o fornecimento do medicamento determinado pelo juízo estadual até o exame pela autoridade judiciária competente. Publique-se. Brasília, 4 de julho de 2022. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

(RE 1389749/SC, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento:...

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