Acórdão nº 50025637420218210036 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50025637420218210036
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001351154
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002563-74.2021.8.21.0036/RS

TIPO DE AÇÃO: Dever de Informação

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: DIEGO PALUDO (IMPETRANTE)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por DIEGO PALUDO contra a sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato da PROMOTORA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SOLEDADE, nos seguintes termos:

“Posto isso, DENEGO a segurança pleitada.

Custas pela parte impetrante.

Deixo de fixar honorários, em observância ao disposto no artigo 25 da Lei nº 12.016/2009.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.”

O apelante sustenta (Evento 24 - 1), em síntese, que a sentença não deve prevalecer," mormente pelo fato de o denunciante ter agido com dolo, quando mencionou com precisão que o Apelante foi beneficiado com a vacina, através do auxilio de sua esposa que é funcionária pública municipal". Alude que em momento algum furou a fila da vacinação, o que foi confirmado com o arquivamento do expediente pelo Ministério Público, após as informações prestadas pela Secretaria de Saúde de São José do Herval. Alega que o anonimato, embora possa ser um incentivador para as denúncias, não é possível aceitar uma denúncia por retaliação e de má fé. Defende o direito de saber a identidade de quem o denunciou, com base no art. 5º, IV e XXXIII, da Constituição Federal. Menciona o disposto nos artigos 7º e 25 da Lei de Acesso à Informação nº 12.527/2011, bem como no art. 7º do EOAB. Requer o provimento do apelo para reformar a sentença, ao efeito de ser acolhido o pedido, determinando-se o "levantamento do sigilo dos dados do denunciante, alusivo a notícia fato nº 01896.000.123/2021-0004, nos moldes da petição inicial".

Os autos foram remetidos ao Segundo Grau e o Ministério Público, em parecer do Procurador de Justiça Ricardo Alberton do Amaral, opinou pelo desprovimento do recurso (Evento 7).

Em atendimento ao despacho do Ev. 9, o Estado apresentou contrarrazões, reportando-se aos termos das informações prestadas nos autos, postulando a manutenção da sentença que "analisou a questão e os fundamentos do decisum não foram infirmados ou elididos pelos argumentos recursais".

VOTO

I - PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

O apelo é tempestivo e está preparado. Presentes os demais pressupostos, conheço do recurso.

II - MÉRITO.

O Cabimento do Mandado de Segurança

O artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, estabelece:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente prevê:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica. A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, Ação Popular, ... 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 36-37):

“... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”

A partir da regulação constitucional e da própria Lei nº 12.016/09, também se exige a presença de ilegalidade ou abuso de poder. Ao examinar tais expressões, M. Seabra Fagundes, em obra clássica (O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Atual. Gustavo Binenbojm. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322) sobre o tema do controle dos atos administrativos, destacou a abrangência do conteúdo “ilegalidade” tanto em relação à ilegalidade infraconstitucional, como a oriunda de violações de dispositivos constitucionais, sendo até desnecessária a referência ao abuso de poder. De qualquer modo, conforme Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 1142):

“O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.

“Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.”

A Situação Conreta dos Autos

O apelante impetrou mandado de segurança contrato ato da autoridade apontada como coatora, consistente no indeferimento do levantamento do sigilo de denúncia anônima efetivada por meio da ouvidoria online “Fura-Fila”, mantida pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul em cooperação com o Ministério Público, ocasião em que foi informada possível violação à ordem de prioridade estabelecida pelo plano de vacinação contra a Covid-19.

Conforme a denúncia anônima, o impetrante/apelante, com a ajuda da esposa, servidora pública do Município de São José do Herval, teria recebido a dose do imunizante, mesmo não fazendo parte do grupo de risco prioritário.

De plano, registro que indeferi o pedido de antecipação de tutela recursal no Agravo de Instrumento nº 5128578-51.2021.8.21.7000, interposto pelo impetrante contra a decisão de indeferimento da liminar (posteriormente julgado prejudicado com a superveniência da sentença), como segue:

"No caso dos autos, a inconformidade do agravante diz respeito ao indeferimento do seu pedido junto a Promotoria de Justiça de Soledade, referente à cópia integral do processo, inclusive o nome do denunciante que realizou a denuncia a ouvidoria online “FuraFila” do Estado, sob a justificativa de previsão de sigilo quanto aos dados do noticiante.

De fato, o impetrante, ora agravante, foi investigado mediante uma denúncia que gerou a notificação nº 01896.000.123/2021-0004, na qual constava o fato delituoso (Evento2, OUT2):

Descrição:

Denuncia recebida pelo CAODH e redirecionada à Promotoria de Soledade com atribuição na área da saúde (PR.01205.00096/2021-3): “Duas pessoas que não se enquadram na primeira demanda da vacina foram vacinados, Diego Paludo e Débora Nicolau Rogeri, essas pessoas tiveram acesso através de uma profissional da saúde, Viviane Colussi que cedeu uma dose para seu marido (Diego Paludo) e para Débora Nicolau Rogeri.”Local do fato: Posto de Saúde Município: São José do Herval.

No Evento 2, OUT2, fl. 6, consta o despacho do Ministério Público oficiando a Secretaria da Saúde do Município de São José do Herval/RS para prestar esclarecimento se foi realizada a vacinação dos pacientes Diego Paludo e Débora Nicolau Rogeri, indicando, se for o caso, se integram algum grupo de risco que justifique a vacinação prioritária.

Em resposta ao referido Ofício, a Secretaria Municipal da Saúde informou que Diego Paludo, ora agravante, não consta na lista de vacinados, pois não recebeu...

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