Acórdão nº 50025639220218210030 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 10-11-2022

Data de Julgamento10 Novembro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50025639220218210030
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002892027
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002563-92.2021.8.21.0030/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes contra a Fauna

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: MOISES SOARES (ACUSADO)

ADVOGADO: ANYELA FRAGA ZANELLA (OAB RS097185)

ADVOGADO: SANDRA MICHELI GREFF MENUZZI (OAB RS106654)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em desfavor de MOISES SOARES, com 52 anos de idade à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/1998, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 30 de junho de 2020, MOISES SOARES pescou mediante a utilização de petrechos não permitidos ao pescador amador no Rio Uruguai.

Na data referida, em operação de fiscalização, realizada pelo 2º pelotão ambiental de São Borja/RS, nas margens do Rio Uruguai, na localidade de Sarandi, foi abordado o denunciado, o qual estava pescando com redes sem possuir carteira de pescador profissional, com o mesmo foi apreendido nove redes de pesca, totalizando 313 metros, sendo quatro de cinquenta metros (malha sete); três de trinta metros (malha sete); uma de vinte metros de comprimento (malha sete) e uma rede lambarizeira com três metros de comprimento (malha dois).

No momento da abordagem ao denunciado, suas redes já estavam recolhidas em sacos no barranco do referido rio. No entanto, conforme ofício nº 283/2º Pel ABM/2020, do 2º Pelotão Ambiental de São Borja (página 48, NF) as redes estavam molhadas no barranco do rio ao lado da embarcação e conforme termo de qualificação e declaração de autor (página 12, NF), o próprio denunciado afirmou que tinha recolhido do rio Uruguai o seu material de pesca, confirmando, assim, que estava pescando.

A denúncia foi recebida em 11.11.2020 (evento 1, INIC1, fls. 77-78).

Foi declinada a competência para a Justiça Estadual (evento 1, INIC1, fls. 110-112).

Foram convalidados os atos praticados perante a Justiça Federal (evento 10, DESPADEC1).

Pessoalmente citado, o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio de defensor constituído (evento 20, PET1).

Durante a instrução processual, foram ouvidas as testemunhas e procedido o interrogatório do réu (evento 22, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais que foram apresentados pelo Ministério Público (evento 37, ALEGAÇÕES1) e pela defesa (evento 40, MEMORIAIS1).

Sobreveio sentença de lavra do Dr. Diego Viegas Sato Barbosa, a fim de condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98, à pena de 01 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto (evento 80, SENT1).

A sentença foi disponibilizada em 28.06.2022.

A defesa interpôs recurso de apelação. Em razões, requereu a absolvição do réu, sustentando o princípio da insignificância. Subsidiariamente, pugnou pela redução da pena aplicada. Por fim, requereu o deferimento da gratuidade de justiça e a devolução das redes de pesca apreendidas (evento 60, APELAÇÃO1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 61, CONTRAZAP1) e os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Silvia Cappelli, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (evento 7, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

Conheço do recurso porque adequado e tempestivo.

Inicialmente, em que pese não tenha sido matéria de irresignação defensiva, saliento que materialidade do delito foi comprovada através da comunicação de ocorrência ambiental (evento 1, INIC1, fls. 13-16), pelo boletim de ocorrência nº 4133/2020/981010 (evento 1, INIC1, fls. 17-19), pelo auto de constatação ambiental (evento 1, INIC1, fl. 21), bem como pelo termo de apreensão e fiel depositário (evento 1, INIC1, fl. 23).

A autoria, por sua vez, é certa e recai sobre a pessoa do acusado, demonstrada especialmente pelos depoimentos prestados em juízo.

A fim de evitar tautologia, colaciono trecho da sentença que bem sintetizou a prova oral produzida. Vejamos:

A testemunha Paulo Cesar Amaral Monteiro, policial militar, ouvido em juízo, relatou que o acusado estava saindo do Rio Uruguai com redes de pescas que poderiam ser utilizadas somente por pescador profissional e foi confeccionada a ocorrência; que recorda que no local havia uma ilha e um barranco; que o acusado estava saindo do Rio e, questionado, disse que não tinha conhecimento que não poderia utilizar as redes; que o acusado foi liberado após o registro da ocorrência e as redes foram recolhidas. Questionado pela defesa, disse que o acusado não apresentou resistência à abordagem e afirmou aos policiais que não sabia que não poderia utilizar as redes; que não recorda se era período de piracema; que o acusado já havia utilizado as redes pois estava saindo do rio; que não recorda a quantidade de peixes que o acusado pescou. Questionado pelo Juízo, disse que não recorda se havia ou não peixe pescado; que o acusado estava com mais de uma rede; que não sabe afirmar se o acusado estava pescando para comércio ou de modo profissional; que o acusado afirmou que não sabia que não podia usar redes.

O informante Jardel Rosa Abreu, ouvido em juízo, disse que possui uma oficina mecânica localizada próximo à barbearia do acusado e costumam pescar juntos. Relatou que estava no acampamento quando a polícia chegou; que as redes estavam dentro e ao lado do barco, sendo que não haviam colocado na água; que os policiais perguntaram quem era o responsável pelo material pois estavam apreendendo; que o acusado assumiu a responsabilidade do material. Questionado pela defesa, disse que era uma pescaria do final de semana e que haviam ido até o local tomar cerveja e conversar entre amigos; que não era pesca comercial; que o acusado não apresentou resistência e ficaram surpresos com a chegada dos policiais; que uma rede estava dentro do barco e as outras no barranco, dentro de uma bolsa; que não era período de piracema; que o acusado apresentou aos policiais os documentos do barco. Questionado pelo Juízo, disse que o barco possui cinco metros e meio, com borda alta; que fazem pescarias a cada seis meses; que estavam entre três pessoas; que pescavam com duas a três redes. Questionado sobre a apreensão de nove redes de pesca, afirmou que "não botemo acho que duas na água"; que pescavam um dia e iam embora; que pescavam dois, três, quatro peixes e iam embora; que não pescavam peixes em grande quantidade; que no final de semana da data do fato pescaram cerca de seis peixes.

O réu, em seu interrogatório judicial, disse que é cabeleireiro e aufere renda aproximada de dois salários mínimos por mês; que estudou até a quarta série; que não possui filhos; que já foi preso preventivamente por tentativa de homicídio porém não foi condenado. Questionado sobre o fato descrito na denúncia, disse que estavam em um acampamento, cozinhando, e o barco e as redes estavam no barranco; que estava com Jardel e André; que recebeu os policiais e apresentou os documentos do barco, da carrocinha, do motor e da carteira de arrais para pilotar barco a motor; que utilizaram uma a duas redes e pescaram seis peixes; que não sabia que precisava de carteira de pescador profissional para utilizar as redes. Afirmou que hoje possui carteira de pescador profissional e para o acusado era natural pescar, pois "se criou pescando" na barragem do Itú; que nunca teve problema pescando.

Consoante se observa, o relato prestado pelo policial militar é corroborado pela versão dada pelo próprio acusado, que confirma que estava utilizando redes de pesca em desacordo com os dizeres da Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA nº 09, de 12.06.2012 e Decreto nº 6.514/2008.

Ainda, o réu confessa que, não bastasse a utilização de redes voltadas apenas para o uso da pesca profissional, teria pescado seis peixes no dia dos fatos, sendo que a área em questão é de preservação permanente, conforme comunicação de ocorrência ambiental acostada aos autos.

Além disso, a alegação de que não detinha conhecimento dos trâmites necessários para utilização das redes apreendidas não merece, de forma alguma, prosperar.

Isso porque não há como alegar desconhecimento da lei. Até porque, o acusado possuía carteirinha de pesca amadora, ou seja, tinha compreensão da necessidade de regulamentação da atividade.

No mais, não há falar em aplicação do princípio da insignificância noa hipótese dos autos.

O delito previsto no artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98 é de natureza formal. Assim, prescinde de resultado naturalístico para a sua configuração.

Dessa forma, não há necessidade de análise se houve mínima ofensividade na conduta do agente ou não, pois basta que haja a prática do delito para a incidência da sanção penal, sendo desnecessário o alcance do resultado almejado.

E, apesar do Superior Tribunal de Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, possuírem o entendimento de que é possível o reconhecimento do princípio da insignificância em crimes ambientais, afastam-no em relação a delitos semelhantes ao dos presentes autos.

Nesse sentido, colaciono julgados recentes do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS COUS. RECURSO MINISTERIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. PESCA EM PERÍODO DE DEFESO. PETRECHOS PROIBIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido de que é possível a aplicação do denominado princípio da insignificância aos delitos ambientais, quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental tutelado (AgRg no...

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