Acórdão nº 50025790620218210011 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50025790620218210011
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002550493
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5002579-06.2021.8.21.0011/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de Vulnerável

RELATORA: Desembargadora SANDRA BRISOLARA MEDEIROS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelalão interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por PAULO RICARDO DE O. R. contra a sentença de procedência proferida nos autos da representação oferecida pelo primeiro apelante contra o segundo que, reconhecendo a responsabilidade do adolescente pela prática do ato infracional análogo ao tipo previsto no art. 217-A, caput, do CP, aplicou-lhe a medida socioeducativa de liberdade assistida, pelo prazo mínimo de 06 (seis) meses, com acompanhamento psicológico (Evento 129 - origem).

Paulo Ricardo, em suas razões, preliminarmente, suscita a nulidade do processo pela ausência de laudo social realizado por equipe interdisciplinar. No mérito, em síntese, aduz que a prova é frágil para embasar o juízo de procedência, eis que limitada à palavra da vítima e aos depoimentos de seus familiares, merecendo reservas. Com esses fundamentos, requer o provimento da apelação para que a preliminar seja acolhida, ou, invocando o princípio in dubio pro reo, seja a representação julgada improcedente (Evento 133 - origem).

O Ministério Público, por sua vez, também em razões recursais, insurge-se contra a medida socioeducativa aplicada, entendendo ser branda em face da gravidade do ato, postulando a aplicação da medida de internação. Com esses fundamentos, requer o provimento do recurso (Evento 136 - origem).

Com as contrarrazões (Eventos 139 e 142 - origem), e o parecer do Parquet, nesta Corte, opinando pelo desprovimento do recurso do representado e pelo parcial provimento do apelo ministerial, para que seja aplicda a medida socioeducativa de semiliberdade (Evento 7), vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recurso.

Inicio o julgamento analisando a preliminar.

Conforme entendimento sedimentado nesta Corte, a ausência de laudo social realizado por equipe interdisciplinar não gera a nulidade do processo, por se tratar de procedimento facultativo e auxiliar do juízo.

Nesse sentido a conclusão nº 43 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização".

Assim, afasto a prefacial.

No mérito, adianto, os recursos não merecem provimento.

A materialidade resultou suficientemente comprovada, bem como a autoria, que recai de forma incontestável sobre o adolescente, haja vista o depoimento da vítima (depoimento especial), convincente e coerente, relatando as circunstância em que se deu o abuso sexual sofrido, consistente na introdução de um dedo em seu ânus, o que ocorreu uma única vez.

Em atos infracionais análogos aos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima assume especial relevância, desde que roborada pelas demais provas, indícios e circunstâncias, caso em comento, merecendo registro que seu depoimento foi colhido na modalidade especial, ou seja, por profissional habilitada para tanto, com expertise, nada havendo nos autos no sentido de que tivesse imputado falsamente ao adolescente a prática do ato pelo qual foi responsabilizado.

Ainda, merece registro o fato de que atos que tais são praticados, em regra, na clandestinidade, sem a presença de testemunhas, justamente para garantir a consumação, além de procurar evitar a impunidade.

Outrossim, à palavra do ofendido aliam-se os depoimentos dos seus genitores, ouvidos como informantes, referindo como tomaram conhecimento do ocorrido, bem como que o infante não resultou com sequelas emocionais, tanto que iniciou tratamento psicológico que foi finalizado.

Nesse contexto, imperativa a procedência da representação, não havendo cogitar insuficiência probatória.

Por fim, tendo em vista a inquestionável gravidade do ato e as condições pessoais do adolescente, que ao tempo do fato contava 12 (doze) anos de idade, sem registro de antecedentes, tampouco respondendo pela prática de outros atos após o ora em exame, a medida socioeducativa de liberdade assistida, pelo prazo mínimo de 06 (seis) meses, cumulada com medida protetiva de tratamento psicológico, mostra-se adequada e em observância ao princípio da proporcionalidade, não comportando agravamento, sob pena de priorização do aspecto punitivo, o que, por certo, vai de encontro aos propósitos da legislação menorista.

Não é demais relembrar, as medidas socioeducativas apresentam caráter ressocializador, reeducador e retributivo, fazendo com que o menor infrator reflita sobre o ato praticado, conscientizando-se da censurabilidade da conduta assumida e, em sendo aplicada medida em meio fechado, venha reinserir-se, futuramente, de forma ajustada à vida em sociedade.

Com esses fundamentos, em complemento, adoto, também como razões de decidir, a sentença da lavra da douta Magistrada a quo, Dra. Katiúscia Kuntz Brust, evitando a desnecessária tautologia e, igualmente, homenageio a prolatora. Confira-se:

"(...)

II – FUNDAMENTAÇÃO

A presente ação infracional foi desencadeada pelo Ministério Público mediante representação embasada no Procedimento de Adolescente Infrator n.º 171/2021/150701/C, pela prática, em tese, do ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal).

II.1 - PRELIMINARMENTE:

A defesa sustentou que o laudo interdisciplinar confeccionado por profissional habilitado é obrigatório em todos os procedimentos regulados pelo ECA e, na ausência, haverá nulidade do feito.

Tenho que tal preliminar merece ser afastada, eis que a ausência de tal laudo não é causa de nulidade do processo, uma vez que se trata de procedimento facultativo e auxiliar do juízo, o qual pode ou não determinar a realização de tal estudo quando entender conveniente para a adequação da medida socioeducativa a ser aplicada aos adolescentes, conforme disciplinam os artigos 150 e 186 do ECA.

Nesse sentido a Conclusão nº 43 do CETJRGS, assim redigida:

43ª. Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização.

Justificativa:

Ainda, o artigo 186 da Lei 8.069/90 (ECA) atribui ao magistrado a possibilidade de "solicitar a opinião de profissional qualificado". Trata-se de mera faculdade, devendo, assim, o juiz solicitá-lo apenas quando considerar pertinente, isto é, se restar em dúvida quanto ao comportamento, sanidade do adolescente, ou desejar obter algum outro dado importante.

Outrossim, o art. 151 do ECA deixa claro que a equipe interprofissional tem a finalidade de fornecer subsídios ao Juiz, nos casos em que este assim entender, ou for requerido pelos interessados. Tais profissionais apenas assessoram a Justiça da Infância e da Juventude – art. 150 do ECA –, pelo que não se pode ter como obrigatória a apresentação de seus laudos.

PRECEDENTES: AC 70004816799 ( 7ª. C. Cível), EI 70003267978 ( 4º. Grupo Cível) (grifei)

Nesse sentido colaciona-se o julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE LAUDO SOCIAL REALIZADO POR EQUIPE INTERDISCIPLINAR. NULIDADE INEXISTENTE. PROCEDIMENTO FACULTATIVO E AUXILIAR DO JUÍZO. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS. CONFISSÃO DO ADOLESCENTE ROBORADA PELA PROVA TESTEMUNHAL, DEMAIS PROVAS, INDÍCIOS E CIRCUNSTÂNCIAS. VALIDADE. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO SEM POSSIBILIDADE DE ATIVIDADES EXTERNAS CUMULADA COM MEDIDA PROTETIVA DE TRATAMENTO CONTRA DROGADIÇÃO. ADEQUADAS E EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ABRANDAMENTO. DESCABIMENTO. PRELIMINAR DESACOLHIDA E APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50148836820218210033, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em: 02-02-2022)

II.2 - DO MÉRITO:

Passo de imediato a análise da prova oral colhida durante a instrução processual, vejamos:

PAULO RICARDO DE O. R., ouvido em juízo (evento 20), aduziu que o fato não aconteceu. Enquanto pintava a casa com seus pais e irmão, ouviu G gritar "aí essa coisa aí". Brincou com G na rua, "onde todo mundo via", em duas ou três oportundiades. Não o convidou para ir em sua casa. G nunca foi na casa do depoente. Não sabia o motivo das falsas imputações. Não brigou com nenhum familiar dele. Negou ter brincado sozinho com a vítima. Não teve problemas similares com outros vizinhos.

ADRIANA APARECIDA S. B., ouvida como informante em juízo (evento 45), mencionou que era mãe da vítima. Enquanto dava banho em G, ele disse-lhe coisas "diferentes", inclusive a questionou se sabia que tinha "cocô no meu cu". Ao questioná-lo onde ouviu isso, G falou-lhe que soube por Paulo Ricardo. Perguntou o que mais o representado havia falado, momento em que G contou-lhe que o representado o convidou para brincar de "bunda", sendo que doeu. G tinha medo de contar-lhe "isso". A casa do representado era próxima a oficina de seu marido. G tinha 04 anos. A desconfiança iniciou quando seu filho, no banho, falou-lhe que "no cu dele tinha cocô". Ele não lhe explicou o que era "brincar de bunda" e nem quis entrar em detalhes. Negou que G frequentasse a casa de Paulo Ricardo, eis que seu esposo não permitia que o filho brincasse com Paulo Ricardo. G não disse-lhe quantas vezes brincou de "bunda" com o representado. Depois de relatar-lhe o fato, G não teve mais contato com Paulo Ricardo. Seu esposo conversou com a mãe do representado, a qual o ameaçou. Não notou mudanças no comportamento de G. Acreditava que o...

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