Acórdão nº 50025879720188210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50025879720188210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001735343
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002587-97.2018.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: VIRGILIO ARAUJO DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

VIRGILIO ARAUJO DA SILVA ajuizou ação indenizatória em face de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE D, alegando ter havido a interrupção do fornecimento de energia elétrica em sua propriedade rural, no período das 13 horas às 18 horas do dia 09.02.2018, e no período das 17:30 horas do dia 27/02/2018 até às 20:00 horas do dia 28/02/2018, gerando prejuízos financeiros na secagem de fumo. Defendeu que a relação havia entre as partes é de consumo, estando amparada no artigo 14 do CDC, bem como que a responsabilidade da demandada é objetiva, consoante determina o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Postulou, assim, pela procedência da ação, com a condenação da demandada ao pagamento dos prejuízos materiais suportados, no valor de R$ 11.509,50 (...), devidamente corrigidos.

Sobreveio sentença de parcial procedência da ação, para o fim de condenar a parte ré ao pagamento da quantia de R$3.836,50 (...), corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir da data do laudo, e acrescido de juros de 1% ao mês, a contar da citação. Em razão do resultado do julgamento, condenou a parte autora ao pagamento de 2/3 das custas processuais e a parte ré ao pagamento de 1/3, fixando os honorários advocatícios em R$ 1.500,00 (...), a serem divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00) (evento 03, doc 05 páginas 32-38 dos autos digitalizados).

A parte autora apelou aduzindo ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação havida entre as partes. Asseverou que não pode ser penalizado pela má-prestação do serviço de energia elétrica. Defendeu que a demandada dever ser a única responsabilizada pelos prejuízos reclamados na exordial. Sustentou a impossibilidade de condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais, pois beneficiário da gratuidade de justiça. Requereu, assim, o provimento do recurso (evento 03, doc 05 páginas 42-50 e doc 6, páginas 1-16 dos autos digitalizados).

A parte ré apelou aduzindo que o laudo apresentado pelo autor não se presta como prova segura e concreta do prejuízo ali afirmado, não merecendo ser considerado. Defendeu a ocorrência de excludente do dever de indenizar, tendo em vista a ocorrência de forte temporal que atingiu a localidade onde reside o autor. Discorreu acerca da inexistência de serviço de energia elétrica sem interrupção. Salientou que somente interrupções superiores ao período razoável estabelecido pela ANEEL ensejam o dever de ressarcimento. Sustentou a ocorrência de culpa exclusiva do produtor de fumo e não a concorrente, tendo assumido os riscos do negócio por não dispor de um gerador ou qualquer outro meio alternativo. Requereu, assim, o provimento do recurso (evento 03 doc 06 páginas 17-30 dos autos digitalizados).

As partes apresentaram contrarrazões (evento 03, doc 06, páginas 41-50 e doc 07, páginas 01-10 dos autos digitalizados).

Os autos vieram conclusos em 10 de fevereiro de 2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de indenização por danos materiais decorrentes da interrupção no fornecimento de energia elétrica na propriedade do autor, a qual teria causado a perda da qualidade do fumo que estava em processo de secagem em estufa, julgada parcialmente procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos recursos de apelação.

Inicialmente, mister destacar que a responsabilidade da empresa ré, na condição de concessionária de energia elétrica e prestadora de um serviço público, é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo pelos danos que seus agentes derem causa, seja por ação, seja por omissão, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual, in verbis:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS PROPOSTA POR FAMÍLIA DE VÍTIMA DE ACIDENTE FATAL. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.

(...)

3. Mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já se reconhecia a responsabilidade objetiva da empresa concessionária de energia elétrica, em virtude do risco da atividade, com fundamento no art. 37, §6º, da CF/88.

4. O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo sendo necessária a manutenção e fiscalização rotineira das instalações. Reconhecida, portanto, a responsabilidade objetiva e o dever de indenizar.

(...)

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(REsp 1095575/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 03/11/2011)

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERDA DA QUALIDADE DE FUMO POSTO PARA SECAGEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. 1. A ré, na condição de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. 2. A interrupção no fornecimento de energia elétrica ocorreu em 29.02.2012, às 08:30, regularizando-se a situação em 02.03.2012 às 12:30. A má-prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica é fato incontroverso, uma vez que a própria requerida não nega tal fato, sendo estes verificados pelos documentos que acostou aos autos. Limita-se, entretanto, a requerer a exclusão de sua responsabilidade sob a tese de culpa da vítima, o que não é o caso dos autos. 3. A declaração da Sig Levantamentos é prova suficiente de que o demandante sofreu perda da qualidade do fumo posto para secagem, em razão da falta de energia elétrica, e que, por tal motivo, teve prejuízos financeiros. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70056598444, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 09/10/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JULGAMENTO COM FUNDAMENTO NO ART. 557, CAPUT, CPC. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CURA DO FUMO. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ONUS PROBANDI DA FORNECEDORA DO SERVIÇO. É objetiva a responsabilidade civil da fornecedora de energia elétrica, tanto pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor (art. 14, caput, CDC), quanto por força da Constituição Federal (art. 37, § 6º, CF). Não restaram comprovadas quaisquer das excludentes previstas no art. 14 do CDC, ônus que incumbia à ré. Condenação de ressarcimento dos prejuízos na cura do fumo mantida. Obrigação de ressarcimento os danos materiais suportados pelo consumidor. Precedentes do TJRS. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. SEGUIMENTO NEGADO. (Apelação Cível Nº 70056595317, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 07/10/2013)

Por outro lado, a concessionária de energia elétrica, por se tratar de responsabilidade civil objetiva, ou seja, sem discussão a respeito de culpa, apenas se exime do dever de indenizar os prejuízos suportados pelos consumidores quando comprovar a inexistência de deficiência no fornecimento de energia ou algumas das excludentes do dever de indenizar (culpa exclusiva do consumidor, caso fortuito ou força maior), tendo em vista ser obrigada a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, sob pena de ter de reparar os danos causados, nos termos do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à relação havida entre as partes, sic:

Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

In casu, o conjunto fático-probatório colacionado aos autos comprovou o dano material suportado pelo autor conforme o laudo de vistoria elaborado por profissional habilitado (evento 03 doc 01 páginas 15-22 dos autos digitalizados), desincumbindo-se o requerente do ônus que lhe recaia, conforme o disposto no artigo 373, inc. I, da legislação processual.

Nesse torvelinho, sinalo que, consoante entendimento já manifestado por este Tribunal de Justiça, o laudo firmado por profissional agrícola, inclusive com registro no Conselho Regional de Engenharia e Agricultura, é prova suficiente dos danos sofridos, não havendo razão para que não lhe empreste crédito e verossimilhança, inexistindo qualquer comprovação por parte da demandada de que seja parcial ou suspeito.

Reforça-se que o laudo é suficiente para comprovar o prejuízo material suportado pelo autor, pois indica a quantidade e o valor do fumo perdido, assim como as especificações das classes dos produtos que sofreram deterioração.

Acrescente-se que o laudo pericial apresentado pela demandada (evento 3 doc 2 páginas 36-39...

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