Acórdão nº 50025976020178210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 10-11-2022

Data de Julgamento10 Novembro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50025976020178210013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002873719
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002597-60.2017.8.21.0013/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002597-60.2017.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Denunciação caluniosa (art. 339)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: DULCIMAR JOSÉ HOMA (RÉU)

ADVOGADO: RODRIGO ANTONIO DEMARI (OAB RS085065)

ADVOGADO: YHUILSON DIOGO BARBISAN (OAB RS104008)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra DULCIMAR JOSÉ HOMA e ELIDA HOMA, já qualificados, como incursos nas sanções do art. 339 do CP, em razão da prática do seguinte fato relatado na denúncia:

No dia 25 de setembro de 2013, por volta das 15h22min, na Rua Severiano de Almeida, 377, centro, em Erechim/RS, nas dependências da 2ª Delegacia de Policia de Erechim, os denunciados, ELIDA HOMA e DULCIMAR JOSÉ HOMA, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, deram causa à instauração de investigação policial contra a vítima Rosane Fátima Trindade, imputando-lhe crime que o sabe inocente.

Segundo apurado, a denunciada, ELIDA HOMA, previamente ajustada com o seu filho, DULCIMAR JOSÉ HOMA, que se encontrava cumprindo pena no Presídio Estadual de Erechim, registrou boletim de ocorrência na data supramencionada, afirmando que a vítima, ex-esposa do denunciado, havia falsificado a assinatura dele em uma procuração de divórcio consensual do casal, imputando-lhe crime, portanto, de falsidade ideológica, de que sabia que ela era inocente.

Diligenciando no sentido de certificar a ocorrência do suposto delito de falsidade ideológica, constatou-se por meio do laudo pericial acostado às fls. 34-40 que a assinatura do divorciando na ação de divórcio era autêntica, ou seja, elaborada pelo próprio acusado.

A denúncia foi recebida em 05/09/2018 (evento 3, PROCJUDIC2, p. 14).

Elida Homa veio a óbito, tendo sua punibilidade extinta (evento 3, PROCJUDIC2, p. 35).

Após regular instrução, sobreveio sentença, publicada em 13/04/2022, que condenou o réu pela prática do crime previsto no art. 339 do CP, à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, substituída por pena restritiva de direitos, e ao pagamento de 15 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

A defesa apelou e, nas razões, sustenta a nulidade da denúncia, em razão da ilegitimidade passiva ad causam do acusado. Argumenta que o réu jamais autorizou ou afirmou que a vítima tinha efetuado a falsificação do referido documento, bem como não fez o registro de ocorrência na delegacia. Subsidiariamente, requer o reconhecimento da participação de menor importância e o afastamento da aplicação da reincidência.

O Ministério Público apresentou contrarrazões.

Nestes autos, a Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo improvimento do recurso.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi denunciado pela prática do delito de denunciação caluniosa, pois, segundo a denúncia, teria imputado à sua ex-esposa o delito de falsidade ideológica, ao afirmar que ela teria falsificado sua assinatura na procuração de divórcio consensual.

A materialidade do crime ficou devidamente comprovada pelo registro de ocorrência (evento 3, PROCJUDIC1, p. 06/07), auto de arrecadação (evento 3, PROCJUDIC1, p. 09), declaração assinada por Dulcimar requerendo que seja registrado boletim de ocorrência (evento 3, PROCJUDIC1, p. 10), procuração com a suposta assinatura falsa (evento 3, PROCJUDIC1, p. 11), termo de declarações do acusado (evento 3, PROCJUDIC1, p. 15), auto de coleta de material gráfico do acusado (evento 3, PROCJUDIC1, p. 17/18), auto de coleta de material gráfico de Rosane Fátima Trindade (evento 3, PROCJUDIC1, p. 23/24), auto de arrecadação (evento 3, PROCJUDIC1, p. 25), auto de coleta de material gráfico do acusado (evento 3, PROCJUDIC1, p. 32/35), laudo pericial (evento 3, PROCJUDIC1, p. 39/45), bem como da prova oral produzida.

Não há dúvida, tampouco, a respeito da autoria, como se vê dos elementos colhidos na instrução, bem destacados pela decisão atacada, de lavra do Dr. Marcos Luis Agostini, que passo a transcrever:

2. FUNDAMENTAÇÃO:

A preliminar de ilegitimidade passiva, arguida sob a negativa de autoria, confunde-se com o próprio mérito da ação penal à medida que sua aferição demanda a análise dos elementos que comprovam a materialidade e a autoria do delito.

Por essa razão, não havendo outras preliminares ou nulidades a serem enfrentadas, passo ao exame do mérito.

A materialidade está demonstrada pelo registro de ocorrência (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 06/07), auto de arrecadação (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fl. 09), documentos (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 10/12), termo de declarações do acusado (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fl. 15), auto de coleta de material gráfico do acusado (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 17/18), auto de coleta de material gráfico de Rosane Fátima Trindade (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 23/24), auto de arrecadação (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fl. 25), auto de coleta de material gráfico do acusado (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 32/35), laudo pericial (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 39/45).

No tocante à autoria, o réu, em seu interrogatório judicial, afirmou que o fato não ocorreu como descrito na denúncia. À época do fato, a vítima, que era sua companheira, costumava ir ao Presídio Estadual de Erechim/RS para lhe levar papéis para assinatura, dentre os quais alguns relativos ao processo criminal que figurava como acusado. Acredita que sua mãe é quem fez o registro na Delegacia de Polícia em desfavor da ofendida Rosane Fátima Trindade, considerando que aquela não gostava desta e, ainda, ante a impossibilidade de o interrogando ter ido à Delegacia de Polícia para imputar falsamente à sua ex-companheira a prática de um crime, pois se encontrava preso. Não se recorda de ter assinado uma procuração, de modo que possivelmente assinou o referido documento sem ler, situação que era praxe no presídio, onde comumente documentos lhe eram trazidos e os assinava sem tomar conhecimento do teor daquilo que estava rubricando. As visitas no Presídio eram muito rápidas, o que não permitia que lesse tudo que lhe era trazido. À data do divórcio, o advogado Robson Zanette já não lhe representava mais na ação criminal que respondia. Não se recorda se em 2012 a ofendida ainda lhe visitava de forma íntima na casa prisional.

A vítima ROSANE FÁTIMA TRINDADE, ex-companheira do réu, relatou que entabulou uma separação consensual com o acusado. Posteriormente, soube que a mãe do acusado foi até a Delegacia de Polícia e relatou que a depoente havia falsificado a assinatura de seu filho para a realização do divórcio consensual. Em análise elaborada pela polícia, tomou conhecimento de que foi constatado que a assinatura realizada em uma procuração era de fato compatível com a caligrafia do acusado. Em primeiro momento foi a responsável por deixar os documentos no presídio para que Dulcimar assinasse, de modo que o advogado Robson, que representava o casal, somente buscou os papéis assinados posteriormente. Fazia visitas íntimas ao acusado, e levou a procuração numa dessas idas ao presídio.

A testemunha ROBSON ZANETTE DE OLIVEIRA, à época advogado do acusado e da vítima, informou que recorda que defendeu Dulcimar em um feito em que recaiu sobre este uma imputação de um homicídio de trânsito, bem como que assistiu o acusado e a vítima quando do divórcio consensual deles. Não recorda se coletou a assinatura de Dulcimar para a procuração judicial com outorga de poderes para representá-lo durante o divórcio consensual ou se já recebeu o documento assinado por ele. Rememora com exatidão que o acusado manifestou sua vontade de não ficar com bens em seu nome, porquanto respondia por um homicídio e temia que eventuais bens que estivessem em seu nome pudessem lhe ser tomados em razão de eventual responsabilização por ato ilícito. Não representou o acusado até a ultimação do feito relativo ao homicídio de trânsito, tendo sido substituído por outro colega porque trabalha apenas até a pronúncia em processos que tramitam sob o rito do júri.

Diante dos depoimentos acima expostos e dos documentos acostados no Inquérito Policial, verifica-se que não merece acolhida a negativa de autoria apresentada pelo réu, notadamente porque este declarou que não assinou a procuração utilizada para a interposição da ação que culminou no seu divórcio consensual, bem como requereu a instauração do expediente policial para que fosse investigado a prática de crime por sua ex-companheira (Evento n.º 03, PROCEJUDIC1, fl. 10).

Além disso, o laudo pericial atestou que a assinatura contida na procuração era autêntica (Evento n.º 03, PROCJUDIC1, fls. 39/45), e a testemunha Robson Zanette de Oliveira, advogado com poderes para representar a vítima e o réu na ação de separação consensual, quando ouvido em juízo, declarou que o acusado manifestou sua vontade de não ficar com bens em seu nome, porquanto respondia por um homicídio e temia que eventuais bens que estivessem em seu nome pudessem lhe ser tomados em razão de eventual responsabilização por ato ilícito.

O dolo do crime de denunciação caluniosa é a vontade de dar causa à investigação criminal, exigindo-se que o agente saiba que imputa a outrem crime que este não praticou.

No caso em tela, os elementos de convicção trazidos aos autos tornam viável a...

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