Acórdão nº 50026228620208210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 02-12-2022

Data de Julgamento02 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50026228620208210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002824013
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002622-86.2020.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: VINICIOS MARTINS DA SILVA (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

RELATÓRIO

VINICIOS MARTINS DA SILVA interpõe recurso de apelação em face da sentença de improcedência proferida nos autos da presente Ação de Indenização ajuizada em desfavor de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D

Adoto o relatório da sentença (evento 35, SENT1), que transcrevo:

A parte autora diz que é produtor rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D no mérito alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi afastada a incidência do CDC e delimitada a matéria controvertida e o ônus da prova.

Instadas as partes quanto a produção de provas, a ré requereu a apresentação das notas fiscais da venda do fumo. O autor nada requereu e apenas se manifestou sobre os pedidos da ré.

Vieram os autos conclusos para a sentença.

RELATEI.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na AÇÃO INDENIZATÓRIA movida por VINICIOS MARTINS DA SILVA contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D.

Por sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que a autora litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais (evento 41, APELAÇÃO1), a parte autora frisa que a legislação consumerista é aplicável ao caso. Reitera que houve demora excessiva de 39 horas para a energia elétrica ser restabelecida. Alega que a responsabilidade das concessionárias de serviço público é objetiva, ou seja, independe de culpa, sendo suficiente a comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano. Defende que não tem obrigação em ter um gerador, uma vez que a parte ré é quem tem a obrigação de fornecer um serviço seguro e de qualidade. Impugna o laudo de vistoria técnica juntado pela parte ré em sua contestação, pois o laudo apresentado não merece ser considerado como meio idôneo de prova, visto que o técnico não compareceu na vistoria e firmou respectivo laudo somente com as informações de seus funcionários. Reitera que a interrupção do fornecimento de energia elétrica por si só caracteriza o dever de indenizar na sua integralidade, justamente por se tratar de serviço público, de natureza essencial e ininterrupta. Requer provimento ao recurso para reformar a sentença a fim de condenar a parte ré ao pagamento de R$ 18.488,98 a título de danos materiais causados no fumo.

Dispensada do preparo recursal, por litigar sob o pálio da Gratuidade da Justiça.

Em contrarrazões (evento 44, CONTRAZ1), a parte afirma que a culpa é exclusiva da parte apelante, porquanto se absteve de adotar medidas capazes de evitar os prejuízos que alega ter experimentado. Alega que inexiste prestação de serviço ininterrupta, notadamente em se tratando de energia elétrica, cujo sistema de distribuição é sabidamente sujeito a intempéries. Sustenta que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser aplicado no caso. Requer seja negado provimento ao recurso.

Regularmente distribuídos, vieram os autos conclusos a esta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Sem preliminares arguidas, passo ao exame do mérito.

Trata-se de Ação de Indenização que com a improcedência dos pedidos na origem, a parte autora pugna, neste grau recursal, a procedência dos pedidos iniciais em razão dos danos na cura do fumo provenientes da falta de energia elétrica.

Ab initio, registro que a relação jurídica mantida pelas partes é de consumo, sendo que a própria Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, na Resolução Administrativa nº 414/2010, conceitua consumidor como:

XVII - consumidor: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, legalmente representada, que solicite o fornecimento, a contratação de energia ou o uso do sistema elétrico à distribuidora, assumindo as obrigações decorrentes deste atendimento à(s) sua(s) unidade(s) consumidora(s), segundo disposto nas normas e nos contratos, sendo: a) consumidor especial: agente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, da categoria de comercialização, que adquire energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração enquadrados no § 5º do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 , para unidade consumidora ou unidades consumidoras reunidas por comunhão de interesses de fato ou de direito cuja carga seja maior ou igual a 500 kW e que não satisfaçam, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995 ; b) consumidor livre: agente da CCEE, da categoria de comercialização, que adquire energia elétrica no ambiente de contratação livre para unidades consumidoras que LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI Seção de Legislação Citada - SELEC satisfaçam, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 1995 ; e c) consumidor potencialmente livre: aquele cujas unidades consumidoras satisfazem, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 1995 , porém não adquirem energia elétrica no ambiente de contratação livre.

Desta forma, no caso concreto, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, pois mesmo que a parte autora, pequeno produtor, não seja destinatária final do serviço, está presente a sua vulnerabilidade técnica em relação à fornecedora de energia elétrica ré, situação que atrai a aplicação da “Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada”, que admite, como o próprio nome revela, que o conceito de consumidor final seja mitigado quando evidenciada a vulnerabilidade de quem contrata frente ao fornecedor do produto ou serviço.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE, SÚMULA 7/STJ.
1. O STJ entende que se aplica a teoria finalista de forma mitigada, permitindo-se a incidência do CDC nos casos em que a parte, embora não seja destinatária final do produto ou serviço, esteja em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor, conforme entendeu a Corte de origem, no caso dos autos. 2. A recorrente alega também ofensa ao art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), porque o ônus da prova não poderia ter sido invertido em seu desfavor, tendo em vista a falta de demonstração da verossimilhança das alegações feitas pela recorrida e da hipossuficiência, tendo a Corte local consignado que "a autora trouxe aos autos documentos de dão conta da ocorrência de interrupção no fornecimento de energia elétrica, sem qualquer aviso prévio ou qualquer justificativa, fatos que ocasionaram a paralisação da produção, e, por conseguinte, prejuízos consistentes na perda de tempo e de matéria-prima (fls. 31/137). Diante da verossimilhança das alegações da autora e da sua hipossuficiência, impõe-se a inversão do ônus da prova ". Como se vê, a instância de origem decidiu a questão com fundamento no suporte fático-probatório dos autos, cujo reexame é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial. 3. Quanto à responsabilidade pela interrupção do fornecimento de energia, aplica-se analogicamente a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal, porque não impugnados os fundamentos adotados pelo Tribunal de Justiça no sentido de que a responsabilidade da EDP seria objetiva (§ 6º do art. 37 da Constituição Federal), e de que, subsidiariamente, não haveria excludente de responsabilidade do caso fortuito ou da força maior (parágrafo único do art. 927 do Código Civil).
4. Quanto à apontada violação ao art. 373, I, do Código de Processo Civil de 2015, porquanto a recorrida não teria provado a ocorrência de danos materiais, cito trecho do voto condutor: "Diferentemente do que alega a ré, tal cálculo não pode ser considerado unilateral, uma vez que ele foi confirmado pelo laudo apresentado pelo perito judicial (fl. 359). Conforme informado...

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