Acórdão nº 50026376720218214001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50026376720218214001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002003584
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002637-67.2021.8.21.4001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: MARIA CLARY MENDES CAMACHO (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARIA CLARY MENDES CAMACHO em face da sentença (evento 19, SENT1) que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de obrigação de fazer c/c restituição de valores e tutela de urgência proposta em desfavor do BANCO BMG S/A, nos seguintes termos:

Ante o exposto, fulcro no art. 487, I, do CPC, REJEITO AS PRELIMINARES E JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por MARIA CLARY MENDES CAMACHO em face de BANCO BMG S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em R$ 400,00 em respeito ao disposto no art. 85 do Código Processual Civil, suspensa sua exigibilidade, em virtude da concessão da gratuidade judiciária.

Em suas razões (evento 24, APELAÇÃO1), a autora menciona inúmeros precedentes jurisprudenciais relacionados à matéria. Alega que o contrato é abusivo, visto que os juros aplicados são mais altos em comparação ao praticado no mercado de empréstimo consignado comum - do qual era intenção da autora contratar. Sustenta que a dívida não possui previsão de fim, pelo fato do pagamento mínimo da fatura descontado em seu benefício não amortizar a dívida. Pugna pela conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado comum. Além, postula a inversão dos ônus sucumbenciais, com a majoração dos honorários fixados na origem.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 26, CONTRAZ1).

Subiram os autos a Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que a autora buscou a instituição financeira com a única intenção de celebrar a contratação de empréstimo consignado. Contudo, percebendo no extrato de seu benefício que estavam ocorrendo débitos, no valor de R$ 81,25, sob a nominata de "EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC". Entrou em contato com o Banco réu e, somente a partir deste momento, foi informada de que se tratava de empréstimo consignado via modalidade cartão de crédito. Alega que em nenhum momento solicitou ou contratou suposto serviço. Ressaltou que nem mesmo desbloqueou o cartão. Pugnou pela conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado.

A julgadora singular julgou improcedente a demanda.

Irresignada com o resultado desfavorável, a autora apelou, pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que foi enganada quando buscou o Banco réu para contrair um empréstimo pessoal consignado, aderindo a um contrato de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

“RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009. O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que a autora autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. Inclusive, anexou "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA" (evento 14, CONTR2) devidamente assinado pela autora.

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal.

Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula a permitir descontos na folha de pagamento da autora, sem conter data-limite para que cessem, gerou excessiva oneração ao consumidor e ensejou flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, inc V, do Código de Defesa do Consumidor ("exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva"). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Na hipótese dos autos, percebe-se que a autora firmou o contrato de adesão a cartão de crédito consignado. Contudo, de acordo com as faturas juntadas, a autora não utilizou o cartão para compras diversas, constatando-se apenas os saques e encargos decorrentes do contrato de empréstimo. Observo que o réu transferiu para a conta corrente da autora a quantia total de R$ 2.807,31, por meio de cinco TEDs, nos valores de R$ 1.864,00, R$ 335,68, R$ 213,61, R$ 166,30 e R$ 227,72, e, com início após o primeiro saque, em 10/11/2015 (evento 14, FATURA4), passaram a ser debitados na folha de pagamento os valores a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Compulsando-se os autos é verificado na fatura com vencimento em 10/08/2021 (evento 14, FATURA3, pág. 45), que o valor total da dívida era R$ 2.865,41. Nesse contexto, passados mais de seis anos da contratação, a autora deve mais do que o valor que recebeu a título de empréstimo, mesmo com os descontos mensais. Logo, as parcelas que vêm sido descontadas não se prestam a reduzir o valor da dívida, que parece estar se perpetuando.

Aliás, considerando que o instrumento não contém qualquer disposição informando ao consumidor que os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) não são aptos a diminuir o valor efetivamente devido, conclui-se que o contrato em exame ofende também o art. 6°, inc. III, do Código Consumerista, que prevê como direito básico do consumidor "a informação adquada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Tenho, portanto, como ilegal a forma de cobrança do débito, impondo-se o cancelamento dos descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Entretanto, considerando a impossibilidade de continuidade das cobranças na forma como ocorreu até o momento e não sendo o caso de nulidade de toda a relação contratual e, ainda, no intuito de viabilizar a cobrança das parcelas devidas, necessária a conversão do "Contrato de Cartão de Crédito Consignado" para "Empréstimo Pessoal...

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