Acórdão nº 50026460820208210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50026460820208210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003191027
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002646-08.2020.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: SUPREMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA (RÉU)

APELADO: DOUGLAS GOBETTI ARRUDA (AUTOR)

RELATÓRIO

SUPREMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA (RÉU) apela da sentença proferida nos autos da ação que lhe move DOUGLAS GOBETTI ARRUDA (AUTOR), assim lavrada:

Vistos, etc.
DOUGLAS GOBETTI ARRUDA ajuizou Ação de Restituição de Valores Pagos Cumulada com Danos Materiais e Morais em face de SUPREMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., narrando que, em 10/03/2016, as partes celebraram Contrato de Compromisso de Compra e Venda, tendo como objeto o apartamento nº 407 e o box de garagem nº 44 do empreendimento Griggio Residencial, pela contraprestação de R$ 150.000,00.
Referiu que, decorridos mais de dois anos da assinatura do contrato sem que a construção do imóvel fosse iniciada, as partes firmaram distrato, estabelendo que a vendedora devolveria o valor de R$ 22.798,10 pago pelo comprador, em dez parcelas mensais e consecutivas de R$ 2.279,81, com o prazo máximo de doze meses para pagamento integral da dívida. Alegou, contudo, que, decorridos mais de doze meses da entabulação do distrato, a requerida não efetuou qualquer pagamento. Defendeu tratar-se de relação de consumo, sobre a qual incide o CDC. Dissertou sobre a devolução dos valores pagos e os danos morais experimentados. Postulou a condenação da ré à restituição do valor de R$ 22.798,10, bem como ao pagamento de R$ 7.59,97, correspondente aos aluguéis do período de julho de 2018 a julho de 2019, além de indenização por danos morais, em valor não inferior a R$ 5.000,00. Pediu a gratuidade judiciária e juntou documentos (evento 1).
Indeferida a gratuidade judiciária (evento 8), o autor formulou pedido de reconsideração (evento 11), que foi acolhido, para conceder-lhe o benefício (evento 13).

Citada, a empresa ré apresentou contestação (evento 25), arguindo a preliminar de inadequação da via eleita.
No mérito, sustentou que o único valor devido ao autor é aquele objeto do distrato celebrado entre as partes. Alegou que o contrato celebrado entre as partes estabeleceu que o prazo para entrega da obra seria de 24 meses a contar da assinatura do financiamento com a Caixa Econômica Federal, portanto o prazo sequer iniciou. Defendeu a inaplicabilidade do CDC e a inexistência de dano moral. Alegou a inexistência de responsabilidade em relação aos aluguéis pagos pelo autor durante os últimos 2 anos. Pugnou pela improcedência da demanda.
Houve réplica (evento 29).

A preliminar foi afastada (evento 31).

Consultadas sobre o interesse na dilação probatória (evento 31), as partes pediram a produção de prova oral (eventos 35 e 36).

Realizada audiência, os procuradores dispensaram a oitiva dos depoimentos pessoais das partes (evento 71), e os autos vieram conclusos para sentença.

Relatei.
Decido.
O feito comporta julgamento antecipado, na forma do art. 355, inciso I, do CPC.

Pretende o autor a condenação da ré à restituição do valor de R$ 22.798,10, objeto do distrato celebrado entre as partes; ao pagamento de aluguéis referentes ao período de julho de 2018 a julho de 2019, na quantia de R$ 7.59,97; e ao pagamento de indenização por danos morais, em valor não inferior a R$ 5.000,00, em razão da não entrega do imóvel adquirido.

A ré, por sua vez, além de não comprovar o pagamento dos valores acordados no distrato (evento 1 - OUT8) nem demonstrar a ocorrência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado, ônus que lhe cabia, referiu que
"o único valor que deve ser cobrado neste feito é aquele acordado no distrato pactuado entre as partes" (evento 25 - CONT1, p. 2).
Portanto, diante do reconhecimento da requerida relativamente ao dever de devolver ao autor o valor a que se comprometera, é de ser desde logo acolhido o pedido do autor, e condenada a requerida ao pagamento de R$ 22.798,10 em favor dele, conforme ajustado entre as partes no Distrato do Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda - Griggio Residencial - Apto 407 Box 44 (evento 1 - OUT8).

O valor deverá ser corrigido pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 1%, a contar da data prevista para o vencimento de cada parcela.

Quanto ao pedido de condenação da requerida ao pagamento de aluguéis pelo período entre o final do prazo de entrega do imóvel e o distrato, vai indeferido.

Constou expressamente na cláusula terceira do distrato que
"ficam totalmente rescindidas todas as avenças, cláusulas e condições pactuadas na carta ora distratado, como se nunca tivesse o mesmo existido, dando-se as partes mútuas e recíproca quitação, para nada mais reclamar uma da outra com relação ao presente instrumento seja a que título for, tendo-se, portanto, como inexistente a presente avença".
Portanto, incabível o acolhimento do pedido de recebimento de aluguéis por descumprimento do prazo previsto em contrato que já foi objeto de distrato, no qual constou que o ora autor dava quitação e se obrigava a nada mais reclamar quanto à avença.

Por fim, acolho o pedido de indenização por danos morais.

O descumprimento do prazo de entrega do imóvel por culpa da promitente vendedora, por si só, não ensejaria indenização por danos morias.
Todavia, no caso dos autos o atraso na entrega foi significativo, demasiadamente superior ao previsto, configurando situação excepcional que chegou a motivar o desfazimento do negócio.
A não entrega do imóvel adquirido pelo autor, depois de mais de dois anos do prazo estabelecido, frustrou a expectativa dele, que se viu obrigado a continuar pagando aluguel, em vez de mudar-se para imóvel próprio, e a propor o distrato, na tentativa de não amargar prejuízos ainda maiores e de se ver livre da aflição e dos desgostos que a conduta da requerida lhe havia causado.

Ainda que o mero descumprimento contratual não gere danos morais, como se tem entendido, no caso dos autos a espera foi demasiada, o inadimplemento foi reiterado e os sentimentos experimentados pelo autor autorizam o reconhecimento de danos morais e do consequente dever de indenizar, conforme arts.
186 e 927 do Código Civil.
Nesse sentido, a corroborar o entendimento (grifei):

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL NA PLANTA. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. NÃO CARACTERIZADA INOVAÇÃO RECURSAL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CARACTERIZADO. DESCONSIDERAÇÃO DO PRAZO DE CONCLUSÃO DO EMPREENDIMENTO FIXADO PELO AGENTE FINANCEIRO AO COMPRADOR. FINALIDADE DE REPASSE DE RECURSOS A INCORPORADORA. RESPONSABILIDADE DAS CONSTRUTORAS PELO ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. RESTITUIÇÃO DOS ALUGUÉIS COMPROVADAMENTE DESPENDIDOS NO PERÍODO DO ATRASO. DANO MORAL. CONFIGURADO. I. Esta Câmara firmou entendimento no sentido de que o prazo para a conclusão da obra estabelecido no contrato de financiamento não afeta o prazo estabelecido no instrumento particular de compra e venda firmado entre o consumidor-adquirente e a fornecedora-vendedora, porquanto cuida-se de prazo estabelecido entre o agente financeiro e a construtora destinado unicamente ao repasse de aportes financeiros à incorporadora. II. Atraso na entrega da obra. Configurado o atraso na entrega da obra por responsabilidade das vendedoras, por cerca de quatorze meses. A dificuldade de implantação no sistema de tratamento de esgoto, não caracteriza circunstância imprevisível e inevitável, de modo a caracterizar força maior e, em decorrência, afastar a responsabilidade pelos prejuízos materiais experimentados pelas adquirentes. III. Da indenização na forma de locatícios. Possibilidade. Constitui verba indenizatória a restituição dos aluguéis adimplidos pelas autoras no período que foram privadas do uso do bem em razão do atraso na entrega, conforme prova documental acostada aos autos. Art. 373, I, do CPC. IV. Danos morais. Caracterizado o atraso significativo na entrega da unidade habitacional por ordem das promitentes vendedoras, fato que, produziu na parte autora sentimentos de preocupação, aflição, angústia, nervosismo, afetando a esfera imaterial, é cabível a indenização por danos morais. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.(Apelação Cível, Nº 70083608893, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em: 27-05-2020)

Merece indenização o autor, portanto, pelos danos morais decorrentes da inocorrência da entrega dos imóveis que adquiriu da requerida, assim como pela não devolução dos valores pagos, conforme ajustado no distrato.
Com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como tendo em vista o fato de o autor não ter demonstrado algum fato importante a agravar o dissabor e a inquietude geradas pelo atraso na entrega, arbitro em R$ 8.000,00 o valor da indenização por danos morais a ser paga pela requerida.

Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por DOUGLAS GOBETTI ARRUDA em face de SUPREMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, para condenar a requerida a pagar ao autor a) o valor de R$ 22.798,10, ao qual se comprometeu através de distrato (evento 1 - OUT8), corrigido pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do vencimento de cada parcela acordada no distrato; e b) indenização pelos danos morais experimentados, no importe de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a ser atualizado pelo IGP-M, desde a prolação da sentença (Súmula 362 do STJ), e com juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da sentença.

Sucumbente em parte maior, condeno a requerida ao pagamento de 70% do valor das custas e demais despesas do processo, bem como de honorários ao procurador do requerente, estes
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