Acórdão nº 50026788220208216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50026788220208216001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002038887
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002678-82.2020.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: JOSE SEVERINO GOMES (AUTOR)

APELADO: BANCO AGIBANK S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JOSE SEVERINO GOMES em face de sentença (evento 23, SENT1) que julgou improcedente os pedidos formulados na ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela ajuizada em desfavor do BANCO AGIBANK S.A, nos seguintes termos:

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados na ação de obrigação de fazer c/c restituição/compensação de indébito ajuizada por JOSÉ SEVERINO GOMES em face de BANCO AGIBANK S.A., nos termos da fundamentação supra.

Considerando o resultado do julgamento, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15% do valor atribuído à causa, corrigidos monetariamente pelo IGP-M, e acrescido de juros de 1% ao mês, estes contados da publicação da sentença, observados os critérios do art. 85, § 2º, do CPC.

Suspendo, contudo, a exigibilidade do pagamento do referido encargo, em face da gratuidade judiciária concedida à parte demandante.

Em seu arrazoado recursal (evento 28, APELAÇÃO1), o autor alega que a contratação mediante RMC é abusiva e irregular, diferentemente de como entendeu o juízo a quo. Afirma que a parte ré o obriga ao pagamento do mínimo da fatura do empréstimo via cartão de crédito, com os descontos sendo realizados através de seu benefício previdenciário. Ressalta que os juros praticados nessa modalidade de empréstimo são maiores do que os exercidos no mercado de empréstimo consignado. Junto a isso, traz o fato de que não há prazo final para que cessem os descontos em seu benefício previdenciário, sendo causador de excessivo prejuízo. Pugna pela conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado, utilizando-se dos valores pagos a título de RMC para amortizar o saldo devedor. Além, postula a inversão dos ônus subumbenciais, com a majoração dos honorários fixados na origem.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 32, CONTRAZAP1).

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

VOTO

Recebo o recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que o autor firmou junto a instituição financeira contrato de empréstimo bancário consignado. Contudo, após a celebração, notou em seu extrato descontos sob a nominata "EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC". Entrou em contato com a parte ré, sendo-lhe informado de que se tratava de descontos referentes a empréstimo mediante utilização de cartão de crédito consignado. Ressalta que essa modalidade de empréstimo nunca foi solicitada, bem como sua única intenção era a de contratar empréstimo consignado "normal". Aduz que nem mesmo desbloqueou o cartão para uso. Postulou pela antecipação de tutela, no sentido de que o réu se abstesse, em síntese, de realizar os descontos e realizar a reserva de margem consginável do autor. Pugnou pela conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado, com a utilização dos valores já pagos a título de RMC para amortização do saldo devedor.

O juízo a quo julgou improcedente os pedidos.

Irresignado com o resultado desfavorável, o autor apelou, pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que o contrato é abusivo, visto que os juros praticados nessa modalide de empréstimo são maiores do que os praticados em empréstimo consignado "normal". Além disso, expõe que a falta de um prazo final para os pagamentos cessarem oneram a sua condição de consumidora na relação contratual.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

“RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que o autor autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. Inclusive, juntou aos autos "PROPOSTA DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO (evento 10, CONTR3)" com a assinatura do autor, comprovando-se o pedido de crédito de R$ 960,83.

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal. Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula a permitir descontos na folha de pagamento da autora, sem conter data-limite para que cessem, gerou excessiva oneração à consumidora e ensejou flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

No caso dos autos, o réu transferiu por meio de TED o valor de R$ 926,00 (evento 10, COMP7) para a conta corrente do autor, em razão de saque autorizado, efetuado em 01/12/2015, e, a partir de então, passaram a ser debitados na folha de pagamento os valores a título de Reserva de Margem Consignável (RMC). Como se verifica na fatura com vencimento de 10/09/2020 (evento 10, FATURA5, pág. 60), a dívida até aquele momento era de R$ 1.212,15. Nesse contexto, percebe-se que mais de 6 anos se passaram da contratação e o autor deve mais do que recebeu a título de empréstimo, mesmo com os descontos mensais. Logo, percebe-se que as parcelas que vêm sido descontadas não se prestam a reduzir o valor da dívida, que parece estar se perpetuando.

Aliás, considerando que o...

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