Acórdão nº 50026900720188210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50026900720188210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001922389
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002690-07.2018.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: ENIO SZYMANSKI (AUTOR)

APELANTE: NIDIA DA COSTA NOLASCO (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

NIDIA DA COSTA NOLASCO e ENIO SZYMANSKI ajuizaram ação indenizatória em face de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE D, alegando ter havido a interrupção do fornecimento de energia elétrica em sua propriedade rural, no período das 02 horas do dia 10.12.2017 até às 11:30 horas do dia 11.12.2017, gerando prejuízos financeiros na secagem de fumo. Defenderam que a relação havia entre as partes é de consumo, estando amparada no artigo 14 do CDC, bem como que a responsabilidade da demandada é objetiva, consoante determina o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Postularam, assim, pela procedência da ação, com a condenação da demandada ao pagamento dos prejuízos materiais suportados, no valor de R$5.595,80 (...), devidamente corrigidos.

Sobreveio sentença de parcial procedência da ação, para o fim de condenar a parte ré ao pagamento da quantia de R$1.865,26 (...), corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir da data do laudo, e acrescido de juros de 1% ao mês, a contar da citação. Em razão do resultado do julgamento, condenou a parte autora ao pagamento de 2/3 das custas processuais e a parte ré ao pagamento do restante de 1/3, fixando os honorários advocatícios em R$ 1.500,00 (...), a serem divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00) (evento 3, doc.4, p. 03-10).

Os autores apelaram, aduzindo que a interrupção de energia elétrica foi por período excessivo de 33h30min. Sustentaram que a parte ré não acostou nenhum tipo de prova, seja documental ou testemunhal, comprovando o suposto caso fortuito ou força maior alegado nos autos. Defenderam que a demandada dever ser a única responsabilizada pelos prejuízos reclamados na exordial, e que a responsabilidade no caso é objetiva. Mencionaram acerca das irregularidades da perícia administrativa realizada pela CEEE-D, referindo que os documentos são laudos unilaterais e que não correspondem com a veracidade dos fatos. Asseveraram ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação havida entre as partes. Ainda, aduziram acerca da impossibilidade de condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais, tendo em vista o beneficiário da gratuidade de justiça concedido. Por fim, requereram o provimento do recurso (evento 3, doc.4, p. 13-49).

A parte ré também apelou. Preliminarmente, aduziu da necessidade de revogação da justiça gratuita anteriormente deferida à parte demandante. No mérito, discorreu acerca da ausência de culpa da concessionária em relação ao ocorrido. Salientou que inexiste sistema de fornecimento de energia elétrica ininterrupto. Discorreu acerca da responsabilidade do produtor de fumo, o qual deve assumir os riscos do seu negócio, bem como da inexistência do dever de indenizar e do dano material alegado. Pediu pela inversão dos ônus de sucumbência. Subsidiariamente, caso se entenda pela procedência da ação, pugnou para que os juros incidam a partir da citação e os honorários respeitem o patamar de 10% a 20% sobre o valor da condenação. Requereu, assim, o provimento do recurso (evento 3, doc.5, p. 28-50 e doc.6, p. 01).

As partes apresentaram contrarrazões (evento 3, doc.6, p. 14-50 e doc.7, p.01-04).

Os autos vieram conclusos em 18/03/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de indenização por danos materiais decorrentes da interrupção no fornecimento de energia elétrica na propriedade dos autores, a qual teria causado a perda da qualidade do fumo que estava em processo de secagem em estufa, julgada parcialmente procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos recursos de apelação.

1) Gratuidade de justiça -

Cumpre salientar que o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal estabelece que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Embora se trate de assistência jurídica e não AJG, institutos semelhantes, mas não equivalentes, onde, ambos, na base, exigem o mínimo de prova existencial da “necessidade”.

Por conseguinte, com base na citada norma constitucional, o juiz pode condicionar a concessão da gratuidade processual à comprovação de insuficiência de recursos, desde que existam elementos fáticos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade, haja vista que o CPC/15 firmou entendimento de que “o juiz SOMENTE poderá indeferir...”, o que implica concluir que se trata de direito subjetivo da parte postulante, aliás, exatamente como disciplina o §3º do artigo 99 do mesmo Digesto Processual.

Segundo dicção do artigo 98 da legislação processual, há a possibilidade de concessão do benefício de gratuidade judiciária à pessoa jurídica. Por sua vez, o artigo 99, §2º do mesmo pergaminho legal, estipula que “o juiz somente poderá indeferir o pedido de AJG se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão”, in verbis:

Artigo 98 – A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

Artigo 99 – O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

(...)

§ 2° O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

Nesse desiderato, mister acentuar a lição deduzida por Teresa Arruda Alvim Wambier1, que nesse ponto leciona que faz jus ao benefício da gratuidade o indivíduo com insuficiência de recursos, senão vejamos, expressis verbis:

2. Insuficiência de recursos (art. 98, caput). Faz jus ao benefício da gratuidade aquela pessoa com “insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios” (art. 98). (...) A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo.

O colendo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 481, igualmente possui este entendimento, ad litteram:

Súmula 481 – Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.

No caso em apreço, os elementos de prova conduzem ao deferimento do pedido de gratuidade de justiça, tendo em vista que os demandantes juntaram aos autos sua situação das declarações IF, comprovando que não declaram imposto de renda, logo, sem embargo, a necessidade da gratuidade perseguida pelos agravantes deve ser presumida, ex vi do §3º do artigo 99 do CPC.

Sendo assim, mantém-se a sentença que deferiu o benefício da gratuidade de justiça à demandada.

2) Mérito -

Inicialmente, mister destacar que a responsabilidade da empresa ré, na condição de concessionária de energia elétrica e prestadora de um serviço público, é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo pelos danos que seus agentes derem causa, seja por ação, seja por omissão, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual, in verbis:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS PROPOSTA POR FAMÍLIA DE VÍTIMA DE ACIDENTE FATAL. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.

(...)

3. Mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já se reconhecia a responsabilidade objetiva da empresa concessionária de energia elétrica, em virtude do risco da atividade, com fundamento no art. 37, §6º, da CF/88.

4. O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo sendo necessária a manutenção e fiscalização rotineira das instalações. Reconhecida, portanto, a responsabilidade objetiva e o dever de indenizar.

(...)

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(REsp 1095575/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 03/11/2011)

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERDA DA QUALIDADE DE FUMO POSTO PARA SECAGEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. 1. A ré, na condição de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. 2. A interrupção no fornecimento de energia elétrica ocorreu em 29.02.2012, às 08:30, regularizando-se a situação em 02.03.2012 às 12:30. A má-prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica é fato incontroverso, uma...

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