Acórdão nº 50027020420208210087 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50027020420208210087
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001706957
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5002702-04.2020.8.21.0087/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002702-04.2020.8.21.0087/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs Recurso em Sentido Estrito contra a decisão do Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de São Sepé, que indeferiu a prisão preventiva do recorrido ANDRE ROLDO.

Em suas razões, o Ministério Público pugnou pela reforma de decisão atacada, sustentando estarem presentes os pressupostos para o decreto de prisão preventiva. Alegou haver prova da existência do delito e indícios suficientes de autoria. Afirmou que a prisão é necessária para garantia da ordem pública, uma vez que o recorrido, apesar de ser primário, responde a dois outros processos criminais. Aduziu que se trata de infração penal grave, com pena máxima superior a quatro anos, estando presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis,tudo nos termos dos artigos 312 e 313 do CPP. Postulou o provimento do recurso para que seja reformada a decisão, decretando-se a prisão da acusada para a garantia da ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal (ev. 03, RSE2).

Foram apresentadas contrarrazões (ev. 48, CONTRAZ1), a decisão foi mantida em juízo de retratação.

Em parecer, a ilustre Procuradora de Justiça, Drª. Ieda Husek Wolff, opinou pelo provimento do recurso (ev. 21, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Conheço do recurso porque adequado e tempestivo.

A decisão, da Drª. Greice Witt, que indeferiu a prisão preventiva do acusado pela suposta prática de homicídio triplamente qualificado, contida no ev. 03, DEC4, comporta reforma.

Isso porque, segundo as disposições contidas artigo 312 do Código de Processo Penal1, para a decretação e/ou manutenção da prisão preventiva, visando à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, é necessária a observância da presença de seus requisitos.

O fumus comissi delicti, consubstancia-se na prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Já o periculum libertatis, por seu turno, é o perigo que decorre da liberdade do sujeito passivo, no caso os imputados.

A prisão preventiva, na esteira do disposto no artigo 313, incisos I, II, III e §1º do diploma processual penal2, somente será admitida:

1) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, 2) ao reincidente, 3) em caso de violência doméstica e familiar, com o fim de garantir a execução de medidas protetivas de urgência e, por fim, 4) se houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la.

Na espécie, a recorrida teve o pedido de prisão preventiva pela prática, em tese, de homicídio qualificado, cuja pena máxima autoriza a prisão, negado pelo Magistrado de piso, nos seguintes termos (ev. 03, DEC4):

"Vistos.

Trata-se de apreciar reiteração pela Autoridade Policial de Campo Bom da representação pela prisão preventiva de Andre Roldo para garantia da ordem pública, para conveniência da instrução criminal e para aplicação da lei penal (fls. 83-85).

O Ministério Público opinou pelo deferimento (fls. 03x-04x).

É o breve relatório.

Decido.

Tendo em vista a representação pela prisão preventiva, passo a apreciar, então, a presença dos requisitos autorizadores da custódia preventiva, cabendo consignar que a prisão é medida a ser adotada excepcionalmente, em virtude do que dispõe o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, e que o decreto de prisão preventiva, por seu turno, deve observar com rigor os requisitos dos artigos 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal.

A Autoridade Policial indiciou o representado pela prática, em tese, do crime disposto no artigo 121, §2º, incisos II, III e IV, do Código Penal (fls. 83-85), tendo o Ministério Público ofertado denúncia pelo cometimento do mesmo delito (fls. 02x-04x).

Ao compulsar os autos, verifico que o pleito de prisão preventiva do representado já foi analisado às fls. 30 e 56, momento em que indeferido, sendo referente ao fato que teria ocorrido em janeiro de 2020, que vitimou Fabiano Ulguim Soares.

De início, insta frisar que o crime de homicídio qualificado possui pena máxima abstratamente cominada superior a quatro anos na esteira do preconizado no artigo 313, I, do Código de Processo Penal.

Entretanto, no caso em tela, embora o constante na ocorrência policial de fls. 04 e 35-36, auto de apreensão de fls. 05 e 37, certidão de óbito de fls. 09 e 43, fotografias de fls. 10 e 42, declarações de fls. 11-13, 45-47, 73 e 75-76, imagens de fls. 14-17 e 48-51, laudo pericial de fls. 22-24, documento de fls. 25 e 54, boletim de atendimento de fl. 41, laudos periciais de fls. 57-72, entendo que o fato e suas circunstâncias necessitam ser melhor esclarecidos por meio da investigação ou persecução criminal sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Com efeito, não consta o auto de necropsia até o momento (fls. 08, 38 e 88), a fim de atestar a causa da morte, a qual inclusive não é mencionada na certidão de óbito (fls. 09 e 43), sendo que o laudo de fls. 61- 72 menciona que “somente o exame necroscópico […] pode determinar a causa da morte” (fl. 70).

Na mesma linha, há que se atentar que o companheiro da vítima, Delmes Taques, revela que Fabiano teria tentado contra a própria vida cerca de oito ou nove vezes (fls. 11 e 45) e a irmã da vítima, Carmem Cristina Ulguim Soares Poschi, comentou que Fabiano costumava cometer assaltos, inclusive com pessoa com quem fazia programa, acreditando que Fabiano possa ter assaltado um cliente de programa e essa pessoa possa ter matado este em seguida (fls. 12 e 46).

Insta frisar que, embora o representado tenha sido ouvido perante a Autoridade Policial (fl. 74), tal depoimento foi colhido sem a assistência de um advogado, razão pela qual não pode ser considerado no momento, devendo ser submetido ao contraditório e à ampla defesa judicial, assim como os demais que prestaram declarações, a fim de melhor esclarecer as circunstâncias, possibilitando a comparação das informações coletadas.

Ainda, foi possível perceber que as demais pessoas ouvidas possuem algumas desavenças em relação ao representado, como o pai do namorado dele, Luciano Andrei Correa Marques (fls. 13 e 47), que disse temer que o representado faça mal para seu filho Matheus Pierre Macedo Marques, sendo que este último referiu que, na época do fato, não estava com o representado, porque teria dado uma discussão, já que o representado teria subtraído o telefone de seu irmão, ficando cerca de uma semana sem vê-lo, mas que o representado teria negado a prática do fato, embora tivesse estado com a vítima naquela noite (fl. 73); no mesmo sentido, o padrasto do representado, Paulo Henrique Packs, que relatou que o enteado não é bemvindo em sua residência, em razão de ter subtraído alguns bens para sustentar o vício (fl. 75).

Por fim, em vários depoimentos, há menção no sentido de que tanto a vítima quanto o representado eram usuários de drogas, não constando laudos acerca disso no feito, o que contribuiria para verificar o que realmente teria ocorrido durante o fato, até porque Tiele Jaqueline Fulber, prima do denunciado, aduziu que o representado é uma pessoa calma, exceto quando está drogado (fl. 76).

Assim, inviável o decreto de prisão cautelar, pois não há, por ora, pressupostos para a prisão preventiva, sendo tais elementos informativos insuficientes para a segregação, visto que eles precisam estar amparados em outros sustentáculos, necessitando a instauração do contraditório e da fase instrutória judicial, a fim de melhor esclarecer as circunstâncias do fato delituoso.

Desse modo, diante das circunstâncias do fato em apuração neste feito mencionadas acima e da primariedade do agente, não vislumbro a necessidade de decretação da prisão para garantia da ordem pública como pretendia a Autoridade Policial nem para conveniência da instrução criminal e para aplicação da lei penal, considerando o que já foi dito acima e na decisão de fls. 30, e que o representado compareceu na Delegacia de Polícia para prestar declarações, de acordo com o termo de fl. 74, embora sem assistência de advogado durante o ato, sem falar que o réu é primário, consoante certidão de antecedentes de fls. 26-27.

Ressalto que o fato de o representado ser “morador de rua”, por si só, não demonstra a necessidade da segregação cautelar, tanto que foi encontrado para comparecer na Delegacia de Polícia (fls. 74), bem como não evidenciado que estivesse ameaçando e intimidando testemunhas em razão deste fato especificamente, como alega a Autoridade Policial (fl. 85), uma vez que nada nesse sentido foi dito pelo declarante Paulo à fl. 75 nem pelas demais pessoas ouvidas, sem falar que o fato ocorreu há quase seis meses atrás.

Sendo assim, inviável, por ora, o decreto da prisão cautelar do representado, uma vez que não reputo presentes os pressupostos da prisão preventiva previsto no artigo 312 do Código de Processo Penal, sendo possível que o denunciado responda, por ora, ao processo em liberdade.

Portanto, merece ser indeferido o pedido de decretação de prisão preventiva do denunciado, com fulcro no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, indefiro o pedido de prisão preventiva do denunciado ANDRÉ ROLDO, nos termos da fundamentação. Intime-se o MP e a Autoridade Policial."

Com efeito, em julho de 2020 foi indeferida a prisão preventiva do acusado,...

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