Acórdão nº 50027061520198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50027061520198210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003238206
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002706-15.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: GRAZIELA TERRIBILE NUNES VIAL (AUTOR)

APELADO: CENTRO DE PATOLOGIA MEDICA LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por GRAZIELA TERRIBILE NUNES VIAL, inconformada com a sentença (Evento 99 – SENT1, origem) que julgou improcedente a ação indenizatória c/c dano moral ajuizada em face de CENTRO DE PATOLOGIA MEDICA LTDA.

Em suas razões (Evento 103 – APELAÇÃO1, origem), insurge-se acerca do direito constitucional da dignidade da pessoa humana, sustentando que a falha no dever de resultado do apelado lhe infligiu grande abalo. Aponta a existência de nexo de causalidade entre a conduta do recorrido, isto é, o erro de diagnóstico, e os danos suportados. Registra que o julgador não está vinculado ao entendimento do laudo pericial, devendo analisar conjuntamente as demais documentações do arcabouço probatório. Enfatiza, ainda, a sua hipossuficiência probatória frente ao apelado. Assim, postula a total reforma da sentença. Cita precedentes. Requer provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 107 – CONTRAZAP1, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n° 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de alegação de erro em resultado de exame laboratorial realizado no laboratório demandado, que não teria diagnosticado a autora como portador da patologia de Colangite Biliar Primária (Cirrose Hepática).

A fim de contextualizar os fatos, transcrevo o relatório da sentença ora recorrida:

"GRAZIELA TERRIBILE NUNES VIAL ajuizou Ação Indenizatória contra CPM – CENTRO DE PATOLOGIA MÉDICA, relatando que, em meados de fevereiro de 2018, procurou atendimento médico em razão de apresentar quadro de cansaço, fadiga, dores abdominais e dores pelo corpo, sendo encaminhada para especialista da área de cirrose hepática. Disse que realizou exames com a empresa requerida, com emissão do primeiro laudo em 24 de abril de 2018, sem alteração no fígado que justificasse os sintomas apresentados. Referiu, todavia, que os sintomas persistiram e se intensificaram causando-lhe perda de peso, depressão. Afirmou que sofreu preconceito de profissionais que acreditavam que estava fingindo. Mencionou que não sentia vontade de sair de casa e nem se alimentava direito. Contou que realizou consulta médica com otorrinolaringologista e neurologista, sendo que durante esse período não houve melhora de seu quadro de saúde. Relatou que em agosto de 2018, em consulta com o médico Mauro Sérgio Belló Bertelli, o qual constatou que o resultado da biópsia não era condizente com os resultados dos exames de sangue e com os sintomas apresentados, tendo orientado para que ela encaminhasse as lâminas para outro laboratório. Referiu que com a entrega recebeu um novo laudo diverso do primeiro constando o diagnóstico de colangite biliar primária. Realizado novo exame confirmou-se o diagnóstico de cirrose biliar primária (CID K74.3), sendo que permaneceu cinco meses com laudo errado sem qualquer tratamento. Disse que o abalo moral restou configurado pelo período que sofreu intensas dores e que realizou verdadeira peregrinação por diversos médicos até chegar em um diagnóstico preciso. Invocou a incidência do CDC e da responsabilidade civil objetiva. Ao final, postulou a procedência do pedido com a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais, além da concessão da gratuidade de justiça. Juntou documentos.

Defiro a gratuidade de justiça à autora (evento 03).

Designada audiência de tentativa de conciliação junto ao Cejusc, a qual restou inexitosa (evento 17).

Citada, a empresa requerida apresentou contestação arguindo preliminar de impugnação a gratuidade de justiça deferida à autora. No mérito, confirmou a realização de exames pela autora, em 11 de abril de 2018, para investigação de doença hepática autoimune, ou seja, de difícil diagnóstico. Defendeu que na primeira análise foi constatado “tecido hepático sem alterações histopatológicas” e posteriormente, possibilidade de crises de “enxaqueca”. Em agosto de 2018 quando realizada nova análise do mesmo material puncionado, a qual não restou juntada nos autos, houve referência que outros exames mostraram a presença de dois anticorpos – informações desconhecidas quando da primeira análise. Contou que de posse dessas informações, a reanálise da lâmina diagnosticou compatibilidade com colangite biliar primária. Negou que tivesse havido erro de diagnóstico, pois com a nova análise de lâmina foi encaminhada com novas informações que não haviam sido trazidas ao conhecimento da requerida quando da primeira solicitação. Negou a ocorrência de falha pela contestante, já que o segundo diagnóstico foi diferente do primeiro em razão das novas informações passadas ao médico solicitante. Defendeu a não incidência do artigo 927 do Código Civil, bem como da ausência do dever de indenizar. Ao final, postulou pela improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 25).

Em saneador, restou afastada a preliminar levantada em contestação.

Instadas sobre o interesse na produção de outras provas, a autora postulou a produção de prova testemunhal e o requerido prova testemunha e pericial (eventos 31 e 33).

Deferida prova pericial, sobreveio aos autos laudo técnico (evento 79).

As partes desistiram da prova testemunhal.

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais.

Vieram os autos conclusos para sentença."

Julga improcedente a ação, recorre a parte autora.

A questão colocada em julgamento trata-se de relação de consumo, razão pela qual aplicável o Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com o que dispõe o art. 14 do CDC1, que trata da responsabilidade pelo fato do serviço, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando que fique comprovada a ocorrência do fato, o dano e o nexo de causalidade entre ambos.

Nesse sentido o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Resp. 1.653.134/SP:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXAME LABORATORIAL. DIAGNÓSTICO. DOENÇA GRAVE. CÂNCER DE MAMA. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DESNECESSÁRIA. AMPUTAÇÃO DA MAMA DIREITA. BIOPSIA QUE DETECTOU O ERRO NA DIAGNOSE. 1. LABORATÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. 2. MÉDICO PATOLOGISTA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA NÃO VERIFICADA. 3. HOSPITAL. SUBORDINAÇÃO DO LABORATÓRIO RECONHECIDA NA ORIGEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO 1. O laboratório possui obrigação de resultado na realização de exame médico, de maneira que o fornecimento de diagnóstico incorreto configura defeito na prestação do serviço, a implicar responsabilidade objetiva, com base no art. 14, caput, do CDC. (...)

(STJ - REsp: 1653134 SP 2015/0052008-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 17/10/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2017)

Contudo, ainda que possível a aplicação da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC), incumbia à parte autora a produção de início de prova quanto ao fato constitutivo do direito alegado, qual seja, a existência do fato consistente no alegado “erro” em resultado de exame laboratorial realizado no laboratório demandado, que teria exposto resultado diverso do quadro clínico do autor, no momento do exame.

Pois bem.

Analisadas as alegações das partes em cotejo com a prova produzida, em especial a pericial, entendo que razão não assiste à parte autora no seu pleito indenizatório.

A propósito, tenho que a matéria foi examinada com acuidade pela ilustrada sentença, conferindo adequada aplicação do direito aos fatos, a qual me reporto, pondo em relevo os fundamentos esposados, adotando-os como razões de decidir, na parte em que transcrevo:

"Cuida-se de ação indenizatória em que pretende a suplicante a responsabilização do laboratório suplicado pelos danos morais sofridos, sob justificativa de falha na prestação de serviço de diagnóstico patológico em exames realizados/iniciados em abril de 2018.

Inicialmente, convém destacar que se aplica ao suplicado a teoria da responsabilidade objetiva, uma vez que os laboratórios, tais como os estabelecimentos hospitalares, são fornecedores de serviços, devendo responder objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes (art. 14 do CDC), o que faz prescindir a produção de prova da culpa, ficando a cargo do demandado o ônus de comprovar fato modificativo do direito da parte autora.

Ainda, a matéria controvertida envolve relação de consumo, motivo pelo qual é garantido à autora a aplicação do CDC e o direito de ter a inversão do ônus da prova em seu favor, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do CDC. Todavia, tal constatação não a desobriga de produzir os elementos mínimos a respeito dos fatos alegados.

Na inicial, a suplicante referiu que em meados de abril de 2018 apresentou quadro de cansaço, fadiga, dores...

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