Acórdão nº 50027278120198210077 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50027278120198210077
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003052138
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002727-81.2019.8.21.0077/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: RAIMUNDO PANZENHAGEN (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por RAIMUNDO PANZENHAGEN contra sentença proferida nos autos da Ação de Usucapião que propôs, conforme dispositivo abaixo transcrito (evento 13 da origem):

Assim, considerando que a parte autora não cumpriu com a determinação judicial, embora intimada, trazendo aos autos os documentos e informações requeridas, o que impossibilita o desenvolvimento válido e regular do processo, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, extinguindo o feito sem julgamento de mérito, forte nos arts. 321 e 485, I, ambos do Código de Processo Civil.

Custas pela parte autora, suspensa a exigibilidade tendo em vista o que dispõe o art. 98, §3° do CPC.

Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, baixe-se.

Nas razões recursais (evento 16 da origem), o apelante narra ter adquirido o imóvel usucapiendo em 1994 de PEDRO DEITOS e SCHIRLEY MARIA BRUCH DEITOS por intermédio de promessa de compra e venda, exercendo posse mansa, pacífica e ininterrupta há mais de 28 anos. Assevera que os a União, o Estado e o Município foram intimados e informaram não ter interesse no imóvel. Afirma que os confrontantes indicados no mapa e no memorial descritivo também foram citados, tendo sido ouvidas testemunhas e oferecido parecer ministerial favorável à procedência da ação. Alega ter sido intimado pelo juízo a quo para apresentar a certidão atualizada da matrícula do imóvel e que, ao solicitar cópia da matrícula nº 3.378, o registro de imóveis local certificou que o mesmo não está inserido em todo maior. Defende a necessidade de reforma da sentença, "Pois o processo tramitou com todas as suas fases, completo. Sem nenhuma oposição de qualquer ente Federado, Ministério Público, Confrontantes, Edital de terceiros interessados" e "Foram juntados todos os documentos necessários para uma ação de usucapião Extraordinária, pois havia conforme prova testemunhal e no justo titulo apresentado, um lapso temporal de mais de vinte anos". Sustenta que não há condôminos a serem citados, na medida em que a matrícula nº 3.378, que seria a origem do imóvel litigioso, não está inseria em um todo maior. Assevera que "a única Matricula referente a referida área era a Matricula nº 3.378, que deu origem ao justo titulo do Apelante". e que o imóvel usucapiendo é um terreno urbano, cadastrado perante a municipalidade para fins de IPTU, que teve origem em uma vila realizada sem projeto previamente definido. Tece considerações sobre a usucapião extraordinária e sobre a possibilidade de declaração do direito de propriedade. Transcreve o parecer ministerial exarado em primeiro grau de jurisdição. Aponta a necessidade de desconstituição da sentença. Ao final, requer o provimento do recurso para que seja provido o recurso e julgada procedente a ação de usucapião.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.

Nesta instância recursal, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (evento 8).

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se de Ação de Usucapião proposta por RAIMUNDO PANZENHAGEN, ora apelante, visando à declaração da propriedade imobiliária sobre um terreno localizado na Rua Arthur nº 131, bairro Brands, Venâncio Aires/RS.

Na exordial, o apelante afirma, em síntese, ter adquirido o imóvel usucapiendo em 1994 de Pedro Deitos e Schirley Maria Bruch Deitos por intermédio de promessa de compra e venda, exercendo posse mansa, pacífica e ininterrupta há mais de 20 anos. Assevera que o imóvel não está registrado no álbum imobiliário local.

Conforme relatório supra, a petição inicial foi indeferida e o processo extinto sem resolução de mérito por que não cumprida a ordem de emenda à petição inicial.

Cinge-se a controvérsia recursal em verificar: i) a possibilidade de desconstituição da sentença; e ii) o preenchimento dos requisitos necessários à declaração da propriedade pela usucapião.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Indeferimento da Petição Inicial:

Os requisitos da petição inicial estão previstos no art. 319 do CPC.

De acordo com o art. 320, "A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação".

Sobre o art. 320 do CPC, transcrevo comentários de Nelson Nery Junior1:

4. Documentos indispensáveis. O autor pode juntar à petição inicial documentos que entende sejam importantes para demonstrar a existência dos fatos constitutivos de seu pedido (CPC 373 I). Há documentos, entretanto, que são indispensáveis à propositura da ação, isto é, sem os quais o pedido não pode ser apreciado pelo mérito. A indispensabilidade da juntada do documento com a petição inicial é aferível diante do caso concreto, isto é, depende do tipo da pretensão deduzida em juízo. Normalmente são indispensáveis, nas ações de estado, os que comprovam o estado e a capacidade das pessoas, sobre os quais a lei exige a certidão do cartório de registro civil como única prova (prova legal) dessa situação. A procuração ad judicia é indispensável em toda e qualquer ação judicial, devendo acompanhar a petição inicial.

6. Documentos indispensáveis e indeferimento da petição inicial. A indispensabilidade de que trata a norma sob comentário refere-se à admissibilidade, isto é, ao deferimento da petição inicial. Caso esteja ausente um desses documentos, o juiz deverá mandar juntá-lo (CPC 321 caput), sob pena de indeferimento da petição inicial (CPC 321 par.ún.). A norma não trata de outros documentos, necessários ao deslinde da causa (mérito), mas não à admissibilidade da petição inicial, como, por exemplo, os que dizem respeito à prova dos fatos alegados pelo autor (v.g., recibo, se o autor alega que a dívida foi paga). Neste caso, trata-se de questão de mérito, isto é, de fato não provado com documento que poderia ter sido juntado à inicial, o que poderá acarretar a improcedência do pedido. Não se pode tolher a dedução da pretensão do autor, porque ele não “provou” o seu direito já na petição inicial. O raciocínio restritivo pode ser válido para o mandado de segurança, porque a CF 5.º LXIX exige a prova, pré-constituída e juntada com a petição inicial, do direito líquido e certo do impetrante, mas não para as ações em geral. Na ação comum do processo civil tradicional, é suficiente para o juiz mandar citar o réu a juntada dos documentos indispensáveis à admissibilidade (juízo de probabilidade) da ação. Em sentido contrário, entendendo que a indispensabilidade tratada pela norma atinge esses outros documentos comprobatórios das alegações do autor: Marcato-Scarpinella. CPC Interpretado, coment. 1 CPC/1973 283, p. 869.

Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior2, os documentos indispensáveis à propositura da ação são os necessário à aferição dos pressupostos processuais, sem os quais a relação processual não se constitui, tampouco se desenvolve, de forma válida e regular:

Em síntese, o entendimento dominante é o de que “a rigor somente os documentos havidos como pressupostos da ação é que, obrigatoriamente, deverão ser produzidos com a petição inaugural e com a resposta. Tratando-se de documentos não reputados indispensáveis à propositura da ação, conquanto a lei deseje o seu oferecimento com a inicial ou a resposta, não há inconveniente em que sejam exibidos em outra fase do processo”.

Com efeito, conforme ensinamento de Daniel Amorim Assumpção Neves3, os documentos indispensáveis à propositura da ação não se confundem com os documentos necessários à procedência do pedido:

Documentos indispensáveis à propositura da demanda são aqueles cuja ausência impede o julgamento de mérito da demanda, não confundindo com documentos indispensáveis à vitória do autor, ou seja, ao julgamento de procedência de seu pedido. Esses são considerados documentos úteis ao autor no objetivo do acolhimento de sua pretensão, mas, não sendo indispensáveis à propositura da demanda, não impedem a continuidade da demanda, tampouco a extinção com resolução de mérito.

Dessa forma, constata-se que somente os documentos indispensáveis à propositura da ação ação autorizam a ordem de emenda à petição inicial e o respectivo indeferimento, caso descumprida a determinação, como deflui da interpretação conjunta dos arts. 321 e 330, IV, do CPC:

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I - for inepta;
II - a parte for manifestamente ilegítima;
III - o autor carecer de interesse processual;
IV - não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321 .

Sobre essa temática, ensina Fredie Didier Jr.4:

Se a petição inicial estiver irregular, por lhe faltar algum dos seus requisitos, deve o magistrado intimar o autor para corrigi-la, emendando-a ou completando-a. É o que prescreve o art. 322 do CPC, que autoriza o magistrado a determinar a emenda da petição inicial, no prazo de quinze dias, intimando-se o autor. O juiz indicará com precisão o que deve ser corrigido ou completado.(...)

Não cumprindo o autor a diligência que lhe...

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